03 Abril 2025
"Em tempos tão barulhentos e divididos, Padre Josileudo nos recorda que ainda é possível ser Igreja como lugar de comunhão, escuta e discernimento. Que ainda é possível anunciar a fé com coragem e ternura. Que ainda existem ilhas de sanidade — e é nelas que precisamos ancorar. Porque a Igreja não deve ser palanque, nem trincheira. Deve ser casa. E casa de todos", escreve Thiago Lopes Ferraz Donnini.
Thiago Lopes Ferraz Donnini é advogado, professor de Direito e integrante da Rede de Animadores(as) Laudato Si’. Autor de Parcerias sociais (Juruá, 2019) e coautor de Marco regulatório das organizações da sociedade civil (FGV, 2020).
Eis o artigo.
Em meio ao barulho das redes antissociais e ao avanço, aparentemente incontornável, de discursos que transformam a fé em trincheira partidária, a presença do Padre Josileudo Queiroz (@pe.josileudoqueiroz) se impõe como uma verdadeira ilha de sanidade. Sua palavra serena e bem-humorada, sua postura firme e sua capacidade de integrar a diversidade da Igreja representam um poderoso contraponto à lógica do ódio que, infelizmente, prevalece em setores católicos ultrarreacionários.
O que vivemos hoje não é uma disputa de ideias — o que, aliás, é sempre desejável no âmbito da reflexão e do discernimento. O que se observa é uma guerra de aniquilamento. O outro já não é um irmão ou irmã com quem se discorda, mas um inimigo a ser eliminado. E quando se chega ao ponto de ver pessoas que se dizem católicas rezando pela morte de um Papa, o grau de desfiguração da fé se revela em toda sua gravidade. Não há retorno possível quando se cruza esse limite.
Como alerta Gabriel Perissé, autor do livro Abuso espiritual: a manipulação invisível (Paulus, 2024), é preciso estar muito atento ao discurso de ódio de certos “influenciadores católicos”. Pois o escândalo gera audiência. A agressividade estimula engajamento. Quem ataca com tamanha fúria está, muitas vezes, menos interessado na Igreja e mais comprometido com a monetização do próprio canal. E, como sabemos, eles contam com a força dos algoritmos das redes, que amplificam exatamente aquilo que agride e violenta. Nesse sentido, devemos também perguntar: o que tem feito a Igreja diante de influenciadores que, embora se digam católicos, utilizam os meios de comunicação para disseminar desprezo, fomentar divisão e atacar publicamente a própria instituição?
O aparato sancionador e disciplinar do direito canônico não vem sendo ostensivamente aplicado— inclusive com fins pedagógicos — no que seria, em muitos casos, uma solução bem-vinda. Infelizmente, são notórios os sacerdotes que propagam ódio sistematicamente em suas redes sociais sem sofrer qualquer repreensão interna de suas dioceses. Ao que tudo indica, a Igreja tem priorizado caminhos de reconciliação, o que é compreensível até certo ponto, especialmente em sintonia com a proposta da encíclica Fratelli Tutti, que inspirou a Campanha da Fraternidade de 2024 sobre a Amizade Social. “Não ferir quem te feriu” é o mote proclamado diariamente pelo sacerdote mais atacado por discursos de ódio no Brasil, o Monsenhor Júlio Renato Lancellotti.
Mas, para além dos laços de irmandade e dos esforços de tolerância, é necessário constituir e fortalecer ambientes pastorais de acolhida psicológica — e até mesmo de apoio psiquiátrico — para aqueles que propagam tanto ódio. Muitas dessas pessoas, sem dúvida, atravessam momentos tormentosos em suas vidas pessoais. Como sempre nos lembra Frei Betto, “o ódio é um veneno que se toma esperando que o outro morra”. Eis aí uma desafiadora missão para a Pastoral da Saúde: ajudar na cura de quem se envenena diariamente com doses elevadas de ódio e ressentimento, sem perceber que está, aos poucos, também se autodestruindo.
Nesse contexto, e de modo especial neste ano jubilar, somos chamados a peregrinar na esperança. E o Padre Josileudo Queiroz, caminhando ao lado de mais de um milhão e setecentos mil seguidores, nos conduz com leveza e profundidade. Com clareza doutrinária e refinado senso de humor, enfrenta temas difíceis sem arrogância. E, sobretudo, recusa transformar o altar em palanque ou o púlpito em palco de vaidades — o que, convenhamos, passou a ser quase revolucionário.
Não por acaso, sua solidez pastoral está amparada por uma formação intelectual igualmente robusta: mestrado e doutorado em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense de Roma. Além das responsabilidades como pároco da Paróquia São José Operário, em Caucaia (CE), ele atua como advogado e procurador canônico no Tribunal Eclesiástico Regional e de Apelação do Ceará. Sabe do que fala. Em contraste com muitos dos chamados “influenciadores católicos” — de formação obscura, para dizer o mínimo.
Em tempos tão barulhentos e divididos, Padre Josileudo nos recorda que ainda é possível ser Igreja como lugar de comunhão, escuta e discernimento. Que ainda é possível anunciar a fé com coragem e ternura. Que ainda existem ilhas de sanidade — e é nelas que precisamos ancorar. Porque a Igreja não deve ser palanque, nem trincheira. Deve ser casa. E casa de todos.
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