29 Novembro 2024
"É preciso que as instituições católicas sejam capazes não apenas de cumprir as normas vigentes, mas de se posicionar, com transparência e integridade, como referência de boa gestão dos serviços sociais da cidade", escreve Thiago Lopes Ferraz Donnini, advogado e professor de direito, é integrante da rede de animadores(as) Laudato Si’. Autor de Parcerias sociais (Juruá, 2019) e de Marco regulatório das organizações da sociedade civil (FGV, 2020).
Um dos frutos do sínodo arquidiocesano de São Paulo foi o Vicariato Episcopal para a Caridade Social. Diante das pesquisas que realizei sobre as parcerias com organizações da sociedade civil e, de modo especial, em vista de minha trajetória junto às pastorais sociais, considerei oportuno apresentar uma breve reflexão sobre o tema, saudando essa iniciativa.
O papel assistencial desempenhado pela Igreja remonta ao período colonial. Com o advento da República, as organizações católicas prosseguiram em sua missão cumprindo o papel que tardaria, e muito, a ser assumido pelo Estado brasileiro no campo social. Esta circunstância certamente impulsionou o ordenamento jurídico a reconhecer categorias como a das instituições de utilidade pública, de interesse público e, depois, a própria concepção de serviços públicos não estatais.
Sob a Constituição de 1988 e das leis que lhe sucederam, passou-se a buscar mais sintonia entre Estado e sociedade civil para a construção dos objetivos de desenvolvimento do país. As diversas políticas setoriais — educação, saúde, assistência social, cultura, meio ambiente, dentre outras — têm por pressuposto a participação social orgânica (a “voz”) e colaborativa (os “braços”) das organizações da sociedade civil. E a Igreja, legitimamente, se faz presente nas várias formas de interação com o Poder Público, seja por meio das pastorais sociais, seja de suas instituições assistenciais. Nesse sentido, o Regulamento do Vicariato Episcopal para a Caridade Social, editado pelo Arcebispo, Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, indica grande convergência entre a ação caritativa da Igreja, as políticas públicas e suas instâncias deliberativas e de pactuação (como nos arts. 9º e 10º, por exemplo).
Na conformação do Vicariato, é bastante preciso o diagnóstico de que “numerosas instituições e iniciativas de caridade, voltadas para os mais pobres e excluídos na Arquidiocese e fora dela, encontram-se com frequência desarticuladas e dispersas” (art. 5º do Regulamento). Sob essa ótica, é necessário considerar, inclusive, a circunstância de que, dentro do território do município de São Paulo estão presentes, ao lado da Arquidiocese, outras quatro dioceses: Santo Amaro, Campo Limpo, São Miguel Paulista e Osasco.
Cada diocese tem sua própria rede de serviços assistenciais e os mantêm à luz da realidade e das diretrizes que lhes são próprias. No entanto, apesar da divisão da cidade em Igrejas particulares, devemos reconhecer que a unidade é um princípio que também se impõe em nossa organização eclesial. Logo, parece oportuno que se concebam formas de aproximação, auxílio e convergência entre a Arquidiocese e as quatro dioceses vizinhas na promoção da caridade. Nesse sentido, nos termos do art. 11 do Regulamento, o Vicariato poderia propor, eventualmente, articulações interdiocesanas, como encontros e fóruns setoriais para a troca de experiências no âmbito municipal.
Além disso, é sabido que o perfil institucional das entidades da Igreja é muito variado. Temos instituições centenárias, com estruturas de governança sólidas. Muitas delas são mantenedoras de grandes redes de serviços. Outras, no entanto, são pequenas organizações, eventualmente embrionárias e ainda carecedoras de suporte institucional e administrativo. Quanto a este aspecto, é bastante desejável que o Vicariato possa contribuir, dentro de seus limites, para que os conhecimentos e tecnologias administrativas acumuladas pelas maiores instituições sejam compartilhados, na medida do possível, com as menores. Poderiam ser sugeridas até mesmo estruturas consorciais de apoio para pequenas entidades, gerando economia de recursos e otimização de esforços.
Por fim, há o desafio de ser exemplo em meio a um universo de organizações, religiosas ou não, que vem se expandindo muito — e, por vezes, até parece se confundir com um mercado de serviços terceirizados. É preciso que as instituições católicas sejam capazes não apenas de cumprir as normas vigentes, mas de se posicionar, com transparência e integridade, como referência de boa gestão dos serviços sociais da cidade. Esta parece uma condição básica para que a caridade social seja praticada e compreendida como parte da missão evangelizadora da Igreja.