31 Agosto 2024
“Sem uma lei sobre o fim da vida, estamos indo de encontro a uma situação perigosamente desarticulada, em um tema muito delicado”. Essa é a opinião de D. Vincenzo Paglia, que acaba de publicar Destinati alla vita (Destinados à vida, em tradução livre, editora San Paolo, 2024). O presidente da Pontifícia Academia para a Vida liderou a comissão ministerial que criou a lei 33/2024, que reformou a assistência para as pessoas idosas.
A reportagem é de Domenico Agasso, publicada por La Stampa, 28-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O senhor está fortemente empenhado com a questão da terceira idade: quais são seus objetivos?
Você se lembra das dezenas e dezenas de milhares de idosos que morreram de Covid? Para eles não havia mais espaço nem mesmo nos cemitérios. Daí o empenho com uma nova lei, que o governo aceitou e o Parlamento aprovou. Qual é o foco da lei? A sociedade, em suas diversas articulações, deve cuidar de todos os seus idosos, assistindo-os em casa. Somos, hoje, 14 milhões. E vamos crescer em número e idade.
Mas não se trata de uma lei escrita no papel, sem fundos para a sustentar?
Espero que, depois de aprovar a lei, sem nenhum voto contrário, o governo não cometa a bobagem de não encontrar um mínimo de financiamentos. Seriam suficientes 250 milhões para o atendimento domiciliar. São suficientes para iniciar o experimento. É uma reforma que muda a cara do país.
No livro, o senhor fala sobre a vocação dos idosos. É uma contradição com a cultura que os vê como pesos a serem descartados.
Como é amarga a cultura do descarte. Eu a conheço bem. Com os amigos de Santo Egídio, estamos lutando contra essa forma de incivilidade há décadas. Hoje é possível vencer essa batalha. Mas há uma coisa que eu gostaria de enfatizar que tem pouco a ver com a lei. No entanto, está no cerne da velhice. Nós, idosos, devemos viver e testemunhar ao mundo que a nossa próxima etapa, a morte, não é o fim, é o nascimento para a eternidade.
Em que sentido a morte é uma passagem?
Sêneca já dizia isso. É contra a razão pensar que a morte seja o fim. Não é razoável sustentar a afirmação de Sartre: "Somos um parêntese entre dois nada". Se assim fosse, o que aconteceria com todas as coisas belas que realizamos, com os afetos... Em suma, tudo isso é nada? As coisas belas são eternas.
No livro, o senhor relembra as duas últimas linhas do Credo: “Creio na ressurreição da carne, na vida eterna”.
Sim, e ninguém sabe realmente o que elas significam. Parece-me que ninguém está "esperando"; na verdade, deixe-me dizer-lhe que não é nada empolgante ouvir muitos crentes dizerem: "Sim, o Paraíso, mas o mais tarde possível...!"
Vamos ser claros, eu entendo perfeitamente, mas é um pouco triste. A ressurreição da carne faz parte de nosso destino, da plenitude da vida. No entanto, nunca se fala nisso. E muitos acham que todos nós acabaremos em "energia". Que "deleite", eu diria! A ressurreição da carne significa que não seremos espíritos puros - nossa alma não ressurge, seremos ressuscitados nós com a nossa história, os nossos afetos, os nossos relacionamentos... Em suma, no Além com Deus seremos plenamente humanos, precisamente porque ressuscitados, como Jesus ressuscitado que também preparou o desjejum para os discípulos na margem do lago.
Mas como é o corpo ressuscitado?
Nós não sabemos! De qualquer forma, seremos nós. E quanto ao "como", vamos guardar algumas surpresas finais.
Uma coisa é certa, de acordo com as Escrituras, não sabemos como, mas nos reconheceremos, nos abraçaremos e haverá uma grande festa, cheia de vida. Jesus fala do Paraíso como um grande banquete. Essa é a esperança para o mundo. Se todos nós estamos destinados ao "banquete da festa", por que continuamos a guerrear uns contra os outros? No livro, há um parágrafo: o melhor ainda está por vir. Essa é a esperança que eu gostaria de sugerir a todos nós, idosos.
Qual é o objetivo do Pequeno Léxico do Fim da Vida publicado pela Pontifícia Academia para a Vida? Contém aberturas ou não?
O texto confirma o claro 'não' tanto à eutanásia quanto ao suicídio assistido. Mas queremos inserir um ressalte de método eclesial que faz uma diferença em relação a algumas posições que não levaram em conta as modulações do magistério em matéria moral. O Léxico, em particular, quer superar a estratégia intransigente dos chamados ‘valores não negociáveis’, que se presta a uma espécie de fundamentalismo bioético. E, ao mesmo tempo, reafirma o não à obstinação terapêutica. Em alguns casos, portanto, não sempre - os Papas também já disseram isso -, os chamados tratamentos de suporte à vida podem ser retirados. É urgente propor um novo estilo eclesial.
E quanto àqueles que combatem o Pequeno Léxico afirmando que a vida é indisponível?
Dizer que a vida é indisponível deve ser explicado. Caso contrário, corremos o risco de esvaziar o sentido do dom.
É claro que é um dom de Deus, mas Ele o faz por meio da mãe e do pai. E o Senhor nos dá esse dom para o gastarmos pelos outros. Em minha opinião, é muito mais eficaz afirmar que a vida é minha, mas não apenas minha. E que o dom recebido é para ser gasto com os outros. A vida é dada a mim e não é apenas minha, mas também dos outros. Aqui está a batalha a ser travada em face da "autonomia absoluta". Sim, minha vida não é apenas minha. O umbigo me lembra disso. Ninguém é autonascido. E assim também ninguém precisa morrer na solidão.
Qual é o espaço para a busca de mediação no plano legislativo?
A comunidade cristã não é chamada a fazer leis, mas a formar as consciências. E, portanto, também a tarefa de se esforçar para estabelecer uma relação com a cultura voltada para o bem comum, não para fazer pesar seus números de acordo com a lógica do lobby. Há necessidade de um diálogo virtuoso que ajude toda a sociedade. É isso que o Papa Francisco sugere na encíclica Fratelli tutti: "A busca duma falsa tolerância deve dar lugar ao realismo dialogante por parte de quem pensa que deve ser fiel aos seus princípios, mas reconhecendo que o outro também tem o direito de procurar ser fiel aos dele. Tal é o autêntico reconhecimento do outro, que só o amor torna possível e que significa colocar-se no lugar do outro para descobrir o que há de autêntico ou pelo menos de compreensível no meio das suas motivações e interesses”.
A Itália precisa de uma lei? Será que finalmente conseguirá encontrar um entendimento?
Ouso dizer que, sem as regras, estamos indo de encontro a situação perigosamente desarticulada. Ainda mais, em um tema muito delicado. No entanto, deixe-me dizer uma coisa. O verdadeiro problema, em minha opinião, não é ‘lei sim’ ou ‘lei não’, mas que os responsáveis encontram uma regra. Obviamente, espero que sim. O que me preocupa muito mais do que a lei é o abandono dos doentes terminais, a falta de acompanhamento. É realmente urgente uma revolução cultural que favoreça a proximidade com os doentes: estar perto deles, mesmo que seja apenas para segurar a sua mão.