28 Março 2024
"Por que alguém que fica em silêncio tem necessariamente que ser alguém que está mal? Estamos tão pouco acostumados ao silêncio que não conseguimos mais interpretá-lo?", escreve a jornalista e professora Mariangela Mianiti em artigo publicado por, "Il manifesto" de 26-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
“O Papa com a voz cansada não lê a homilia”, “Os esforços do Papa que não lê a homilia”, “O Papa está cansado e não lê a homilia”, “Sem homilia no Domingo de Ramos: ansiedade pelo silêncio do Papa”, “O Papa cansado pula à homilia”. Essas são algumas manchetes com as quais os jornais e a TV informaram uma notícia inusitada, o Papa que no Domingo de Ramos, diante de 60 mil fiéis, no momento de ler a homilia permanece sentado e em silêncio. Quase todos viram nisso um problema de saúde.
Mas observem com atenção as imagens, as expressões faciais, a postura do pontífice, a sequência dos gestos.
Um prelado à sua esquerda se levanta e tira do bolso um estojo onde provavelmente guarda os óculos, aproxima o rosto do Papa Francisco que está sentado e concentrado, algumas palavras são sussurradas, o prelado volta a sentar-se, recolocando o estojo no bolso, o Papa permanece na sua pose com o rosto absorto, o olhar abaixado, mudo diante da praça à espera da palavra.
Nada fala de cansaço, de sofrimento físico, de dores que tomam conta, e de fato o Papa falou antes e depois. Tudo indica, ao contrário, que aquela foi uma escolha, a escolha de permanecer em silêncio, um silêncio simbólico, porque o que se pode dizer a um mundo que está avançando vertiginosamente para o abismo das guerras, que palavras podem tornar-se eficazes aos ouvidos de quem não quer ouvir, que sentido podem ainda ter os avisos para parar, para ter a coragem da negociação para aqueles que pensam que os conflitos só podem ser resolvidos com as bombas, o sangue, o ódio, a vingança, as armas, a destruição do inimigo? Quando todos esperam que você diga alguma coisa, porque é praxe, porque esse é o seu papel, porque sempre foi feito assim, ficar calado é um ato de rebelião, um aviso, é a representação plástica do silêncio que você evoca. É como dizer “Basta! Parem." Funciona?
É eficaz? Provavelmente não, porque se sabe que os piores surdos são aqueles que não querem ouvir, e além disso, quando o poder está envolvido, a sobrevivência do próprio poder, os ditadores só depõem as armas se forem obrigados pela catástrofe, os oportunistas somente se a via alternativa lhes der mais vantagens. No meio estão as pessoas, o chamado povo cuja vida, nesses contextos, torna-se um efeito colateral, um acessório. Fiquei surpresa ao constatar que a maioria dos jornais interpretou o silêncio do Papa como um sinal de fraqueza física.
Por que alguém que fica em silêncio tem necessariamente que ser alguém que está mal? Estamos tão pouco acostumados ao silêncio que não conseguimos mais interpretá-lo?
Ou nos preocupamos mais em destacar as doenças de um homem, de um Papa, que está envelhecendo?
Olhos estranhos que temos. Muitas vezes veem apenas o que querem ver, mas o olhar não é apenas uma questão de visão, de córneas, de dioptrias. O olhar está conectado com a sensibilidade interior e pode, se quiser, se for treinado, ir além da imagem. A mesma coisa acontece com os silêncios. É preciso interpretá-los, os silêncios, são necessários os silêncios, principalmente nesta época de cacofonias.
Há um botão no controle remoto de que gosto cada vez mais e é o botão Mudo. Eu o ativo quando me deparo, sei lá, com Gasparri, a publicidade, Salvini, Bocchino, muitas vezes Meloni e seus acólitos, as matérias gerais nos noticiários, os jogos de prêmios. As imagens, até dá para aguentar; às vezes vislumbro-as de passagem, outras vezes olho como uma entomologista que estuda uma espécie que fala, fala e fala, e quanto mais fala, menos tenho vontade de ouvir o que diz.