20 Março 2024
"É verdade que as posições dos cristãos em relação a guerras e conflitos armados variaram ao longo do tempo: passando pelos diferentes graus que vão da 'guerra santa' à não-violência. No entanto, também é verdade que nós, europeus, viemos das duas grandes carnificinas das guerras mundiais, no final das quais foram reconhecidos princípios e foram criadas Instituições supranacionais, regras e procedimentos em nível nacional e internacional destinados a conter o recurso à violência armada e favorecer o caminho da negociação",escreve Hilda Girardet, autora, especialista em educação e professora da Universidade de Roma, em artigo publicado por Riforma, 22-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ela, "hoje, muitos de nós ficamos impressionados pela ferocidade e desumanidade do que está acontecendo e que questiona as nossas consciências. Nunca antes houve necessidade de locais onde refletir coletivamente, confrontar opiniões e análises, partilhar sentimentos, palavras e ações, sair do silêncio e recuperar com confiança aquele gosto pela “discussão em liberdade” da qual como protestantes sempre nos orgulhamos e que no passado também permitiu escolhas corajosas".
Cara Riforma e caras comunidades valdenses, metodistas e batistas, há dois anos a guerra se estabeleceu firmemente no território europeu e há cinco meses assistimos impotentes aos horrendos massacres do conflito israelense-palestino. Diante daquela que me parece uma reação absolutamente insuficiente, talvez motivada por um grave embaraço para com os nossos amigos judeus e a sua história, pergunto-me e pergunto a vocês: pensamos realmente que calar ou ignorar os crimes cometidos em Gaza - como me parece que está sendo feito - possa ser um expediente eficaz para defender e mostrar proximidade e lealdade aos tantos amigos judeus italianos com os quais estabelecemos laços de amizade estáveis?
Acreditamos realmente que o silêncio quase absoluto sobre Gaza poderá representar um freio ao antissemitismo que daqui há pouco corre o risco de estourar? E não seria mais eficaz, mesmo que certamente mais complicado, seguir o caminho da distinção entre governos e povo, entre entidade estatal e confissão religiosa, entre política e identidade, entre nação e direito internacional, escolhendo obstinada e meticulosamente não generalizar, reconhecendo, no entanto, a responsabilidade, denunciando crimes e solidarizando-se com as vítimas (todas), pedindo um cessar-fogo imediato?
E mais ainda. Acreditamos que o silêncio possa ainda não afetar a credibilidade que as igrejas Metodistas e Valdenses merecidamente conquistaram ao longo dos anos aos olhos de tantos italianos na árdua defesa dos direitos civis de migrantes, refugiados, homossexuais, mulheres, etc. quando todos sabemos que a universalidade dos direitos não pode coexistir com dois pesos e duas medidas em função de quem são as vítimas? Temo que a certa altura o silêncio se transforme em conivência. E penso também que a situação internacional, incluindo a guerra entre a Ucrânia e a Rússia, atingiu um tal ponto de gravidade e de risco para todos nós que já não é mais legítimo ficar apenas olhando. Penso que seja preferível arriscar um alarme a mais do que uma corresponsabilidade na ação de entorpecimento das consciências, já exercitada tão intensamente pela informação mainstream a que estamos diariamente submetidos.
É verdade que, como também recordaram os respeitáveis teólogos valdenses, as posições dos cristãos em relação a guerras e conflitos armados variaram ao longo do tempo: passando pelos diferentes graus que vão da “guerra santa” à não-violência. No entanto, também é verdade que nós, europeus, viemos das duas grandes carnificinas das guerras mundiais, no final das quais foram reconhecidos princípios e foram criadas Instituições supranacionais, regras e procedimentos em nível nacional e internacional destinados a conter o recurso à violência armada e favorecer o caminho da negociação. Para esse processo, os cristãos europeus, protestantes e católicos, trouxeram uma contribuição importante e significativa, também no plano da reflexão teológica. Basta mencionar a participação em campanhas pela paz e pelo desarmamento, pela educação para a paz, em campanhas antimilitaristas e na luta contra todas as formas de violência (até a violência verbal).
É dessa história que viemos. Do Nunca Mais dos nossos pais e avôs, do repúdio à guerra inserido na nossa Constituição, da opção pelo direito internacional, pelos seus princípios (Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão), as suas instituições (o próprio nascimento da Comunidade Europeia), os seus tribunais, os seus procedimentos, os seus regulamentos, os seus órgãos e as suas associações. Carentes e frágeis, certamente, mas a serem fortalecidas e não difamadas, denunciando a estratégia sistemática de “vetos” e apoiando os caminhos de negociação.
Hoje, muitos de nós ficamos impressionados pela ferocidade e desumanidade do que está acontecendo e que questiona as nossas consciências. Nunca antes houve necessidade de locais onde refletir coletivamente, confrontar opiniões e análises, partilhar sentimentos, palavras e ações, sair do silêncio e recuperar com confiança aquele gosto pela “discussão em liberdade” da qual como protestantes sempre nos orgulhamos e que no passado também permitiu escolhas corajosas.