15 Fevereiro 2024
A informação é publicada por Religión Digital, 13-02-2024.
Precisamente por sua experiência vital, Santo Inácio de Loyola viu com muita clareza que cada cristão está envolvido em uma batalha que define sua vida. É uma luta para vencer a tentação de nos enclausurarmos em nós mesmos, para deixar que o amor do Pai habite em nós. Quando abrimos espaço para o Senhor que nos salva de nossa autosuficiência, nos abrimos para toda a criação e todas as criaturas, e nos tornamos canais da vida e do amor do Pai. Só então percebemos a vida como ela realmente é: um dom do Pai que nos ama profundamente e deseja que pertençamos a Ele e aos outros.
Esta batalha já foi vencida para nós por Jesus, através de sua morte ignominiosa na Cruz e sua ressurreição. Assim, o Pai revelou de maneira definitiva e para sempre que seu amor é mais forte do que todos os poderes deste mundo. Mas ainda assim a luta continua para aceitar e tornar real essa vitória: continuamos tentados a nos fechar a essa graça, a viver mundanamente, na ilusão de sermos soberanos e autosuficientes. Todas as crises mortais que nos assolam no mundo, desde a crise ecológica até as guerras, injustiças contra os pobres e os frágeis, têm sua raiz nesse rejeição de nossa pertença a Deus e aos outros.
A Igreja nos ajuda de muitas maneiras a lutar contra essa tentação. Suas tradições e ensinamentos, suas práticas de oração e confissão e a celebração regular da Eucaristia são "canais de graça" que nos abrem para receber os dons que o Pai deseja derramar sobre nós.
Entre essas tradições está o retiro espiritual, e entre eles, os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola.
Devido às incessantes pressões e tensões de uma sociedade obsessivamente competitiva, os retiros para "recarregar as baterias" tornaram-se muito populares. Um retiro cristão é muito diferente das férias de "bem-estar". O foco não somos nós, mas sim Deus, o Bom Pastor, que, em vez de nos tratar como máquinas, responde às nossas necessidades mais profundas como seus filhos de quem ele está enamorado.
O retiro é um tempo para que o Criador fale diretamente às suas criaturas, inflamando nossas almas com seu "amor e louvor" para que possamos "servir melhor a Deus no futuro", nas palavras de Santo Inácio (E.E. 15). O amor e o serviço: são os dois eixos dos Exercícios Espirituais. Jesus sai ao nosso encontro, quebra nossas correntes para que possamos caminhar com ele, como seus discípulos e companheiros.
Quando penso nos frutos dos Exercícios, vejo Jesus dizendo ao paralítico junto à piscina de Betesda: "Levanta-te, pega tua maca e anda!" (João 5,1-16). É uma ordem a ser obedecida e, ao mesmo tempo, seu convite mais suave e amoroso.
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— Loyola Press (@loyolapress) February 12, 2024
O homem estava paralisado internamente. Sentia-se um fracassado em um mundo de rivais e competidores. Ressentido e amargurado pelo que sentia que lhe havia sido negado, estava preso na lógica da autosuficiência, convencido de que tudo dependia dele e de sua própria força. E como os outros eram mais fortes e mais rápidos do que ele, ele caíra na desesperança. Mas é aí que Jesus sai ao seu encontro com sua misericórdia, e o chama a sair de si mesmo. Uma vez que se abre ao poder curativo de Jesus, sua paralisia, tanto interna quanto externa, é curada. Agora ele pode se levantar para caminhar adiante, louvando a Deus e trabalhando por seu Reino, libertado do mito da autosuficiência e aprendendo cada dia a depender mais de sua graça. Assim, torna-se discípulo, capaz de enfrentar melhor não apenas os desafios deste mundo, mas de desafiar o mundo a funcionar de acordo com a lógica do dom e do amor.
Como Papa, tenho procurado encorajar nossa pertença "primeiro" a Deus, e depois à criação e aos nossos semelhantes, especialmente aos que nos gritam. Por isso, quis ter em mente as duas grandes crises de nossa época: o deterioro de nossa casa comum e as migrações e deslocamentos em massa de pessoas. Ambas são sintomas da "crise da não pertença" descrita nestas páginas. Pela mesma razão, quis incentivar a Igreja a redescobrir o dom de sua própria tradição de sinodalidade, porque quando se abre ao Espírito que fala no Povo de Deus, toda a Igreja se levanta e caminha adiante, louvando a Deus e contribuindo para a realização de seu Reino.
Fico feliz em ver esses temas tão presentes em Primeiro Pertencer a Deus, ligados às contemplações de Santo Inácio que me formaram ao longo dos anos. Austen Ivereigh nos prestou um grande serviço ao reunir, por um lado, as palestras de retiro que dei ao longo de muitas décadas e, por outro, meus ensinamentos como Papa, permitindo que ambos iluminem, e sejam por sua vez iluminados por, os Exercícios de Santo Inácio.
Não é tempo de se enclausurar e se fechar. Vejo claramente que o Senhor nos chama a sair de nós mesmos, a nos levantarmos e caminharmos. Ele nos pede que não nos afastemos das dores e gritos de nosso tempo, mas que entremos neles, abrindo canais de sua graça. Cada um de nós é esse canal, em virtude de nosso batismo. A questão é abri-lo e mantê-lo aberto.
Que estes oito dias para desfrutar de seu amor te ajudem a ouvir o chamado do Senhor a se tornar fonte de vida, esperança e graça para os outros, e a descobrir assim a verdadeira alegria de sua vida. Que você encontre o "magis" de que fala Santo Inácio, esse "mais", que nos chama a descobrir a profundidade do amor de Deus na maior entrega de nós mesmos.
E, por favor, sempre que se lembrar, não esqueça de rezar por mim, para que nos ajude a pertencer sempre primeiro a Deus.