09 Setembro 2023
Nos mesmos dias em que o Papa Francisco enalteceu as tradições do povo das estepes, na região chinesa da Mongólia Interior – onde um quinto da população é mongol – essa tradição cultural estava sendo rotulada como "nihilismo histórico" em nome da sinicização. Enquanto isso, Pequim proíbe as palavras de Francisco ao povo chinês de Ulan Bator: nenhum rastro nos meios de comunicação oficiais.
A reportagem é publicada por Asia News, 05-09-2023.
Mesmo nos dias em que o Papa Francisco, durante sua histórica viagem a Ulan Bator, elogiava a grande história do povo mongol, a poucas centenas de quilômetros além da fronteira mongol – na China – essa mesma tradição estava sendo retirada das prateleiras das livrarias. As autoridades governamentais da Mongólia Interior – região autônoma chinesa onde um quinto da população é de etnia mongol – ordenaram a retirada de um livro de 2004 intitulado "História geral dos mongóis", rotulando-o como um exemplo de "nihilismo histórico".
A notícia foi divulgada pelo jornal pró-Pequim de Hong Kong, o Sing Tao, que cita uma diretriz emitida em 25 de agosto pela filial da Mongólia Interior da Associação para Distribuição de Livros e Periódicos, um órgão governamental chinês. O que chama ainda mais a atenção é que o livro em questão – sendo obra de estudiosos do Departamento de Estudos Mongóis do Instituto de Educação da Mongólia Interior – já enquadrava a cultura mongol em uma perspectiva nacionalista chinesa. "Este é um livro que muitos estudiosos mongóis não gostam porque descreve os mongóis como um povo chinês", comentou Yang Haiying, professora da Universidade de Shizuoka, no Japão, à Radio Free Asia. No entanto, no fervor da sinicização, a grande palavra de ordem do presidente Xi Jinping, mencionar simplesmente a existência de uma identidade mongol comum hoje é ir longe demais para os aparatos do Partido. Além disso, não são apenas os uigures em Xinjiang que fervem com suas reivindicações identitárias nas margens do império chinês.
Isso também está por trás dos obstáculos impostos pelo governo chinês à participação dos bispos da China continental nos momentos da visita do Papa Francisco a Ulan Bator. Obstáculos que continuam mesmo após a viagem, embora alguns pequenos grupos de fiéis chineses – que viajaram independentemente com visto de turista – tenham participado agitando a bandeira da República Popular.
As palavras de grande abertura e amizade para o povo chinês proferidas pelo Papa Francisco no fim da Missa em Ulan Bator no domingo, incluindo seu apelo a todos os católicos para serem "bons cristãos e bons cidadãos", como era de se esperar, não apareceram nos meios de comunicação oficiais chineses. Mas o mais significativo é a ausência de qualquer referência na cobertura oferecida pelo Xinde, o site mais lido pelos católicos da China continental, que ainda assim atualiza constantemente seus leitores sobre o magistério do Papa. A narrativa da Missa de Francisco em Ulan Bator é retomada pelo site Vatican News, mas a mensagem dirigida ao povo chinês pelo pontífice, ao lado do cardeal John Tong e do bispo de Hong Kong, dom Stephen Chow, não está presente no Xinde. Não há motivo para acreditar que o site não quisesse relatar tal fato. No entanto, evidentemente, neste caso, havia uma linha vermelha que seria arriscado ultrapassar. Embora, é claro, as palavras de Francisco sobre a China estejam circulando entre os católicos chineses através de canais informais.
Além disso, na coletiva de imprensa habitual do Ministério das Relações Exteriores ontem, o porta-voz se recusou a comentar o programa paralelo do Papa em Ulan Bator, referindo-se de forma sucinta ao que já havia sido declarado após o telegrama enviado a Xi Jinping na ida, com a vontade de Pequim de "reforçar a confiança mútua" com o Vaticano. Por outro lado, na coletiva de imprensa a bordo do avião, o Papa Francisco indicou mais uma vez, com muito mais força, o caminho do diálogo: "Acredito que devemos progredir na questão religiosa, para nos entendermos melhor", disse ele. Que os cidadãos chineses não pensem que a Igreja não aceita sua cultura e seus valores, e que a Igreja depende de outra potência estrangeira. Esta abordagem amigável está sendo feita bem pela comissão presidida pelo cardeal Parolin: eles estão fazendo um bom trabalho, também do lado chinês, um bom trabalho; as relações são assim, em andamento, digamos em uma palavra. Tenho grande respeito pelo povo chinês".