12 Julho 2023
A reportagem é de Paola Calderón, publicada por Religión Digital, 12-07-2023.
Comunicando a Amazônia: visualizando riquezas para superar preconceitos é o título da conferência proferida por Luis Miguel Modino na sessão inaugural do 35º Congresso Internacional da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER), que acontece de 11 de julho a 14 em Belo Horizonte, com o tema: A Amazônia e o futuro da humanidade: povos originários, atenção integral e questões ecossociais.
Luis Miguel Modino tornou-se sacerdote na Arquidiocese de Madri. Em 2006, chegou ao Brasil e, desde 2016, mora na Amazônia, o que hoje lhe permite compartilhar uma série de reflexões que surgem do encontro com as pessoas, daquela escuta que ele considera uma atitude fundamental, pois verificou que somente ouvindo, somos capazes de valorizar e descobrir as riquezas que ali existem, o esplendor da Amazônia em que afirma que devemos insistir, porque apesar dos dramas seculares ela não perde sua força, antes nos chama a comunicá-la.
Esse conhecimento consegue abrir a mente para superar os conceitos que nos foram transmitidos sobre a Amazônia e seus povos. Condicionamento mental e emocional, distante da realidade sobre o que se deve e o que não se deve fazer nesses ambientes, por isso destaca que “a mente aberta é condição essencial para vencer os preconceitos”.
Para o comunicador “é evidente que o conhecimento da realidade e a escuta nos oferecem essa possibilidade, nos ajuda a entrar na vida do outro, entendendo assim o que motiva a sua forma de entender a realidade”. Nesse sentido, ele garante que é preciso sonhar e realizar sonhos junto com os povos que habitam a Amazônia, reconhecendo que eles a preservam há milênios e que infelizmente por muito tempo foram "colocados à margem da decisões, porque são consideradas contrárias ao progresso dos brancos". Além disso, porque a Amazônia sempre foi vista do ponto de vista lucrativo ou do que ela pode oferecer do ponto de vista econômico.
É uma situação que, além de lamentável, pode ser verificada em certos episódios da história do Brasil que ele listou em seu discurso. É é o caso do governo de Getúlio Vargas, que entre 1930 e 1946 se concentrou em considerar a Amazônia uma fonte de riqueza para o país, conceito que nessa época atingiu seu nível mais profundo. Sem esquecer todos aqueles que chegaram nos últimos quatro séculos em busca de "borracha, madeira, soja, minérios, gado, peixe, terra... e uma longa lista de produtos que em diferentes momentos da história sustentaram a economia do Brasil e do economia mundial", alerta.
Na sua perspectiva, o jornalista afirma tratar-se de “uma atitude que se perpetuou ao longo dos anos, promovendo uma política de dominação, que se opõe claramente à atitude de cuidado presente nos povos nativos”, que acaba por desconhecer a riqueza cultural daqueles que ancestralmente povoaram a região amazônica. São circunstâncias que levaram à depredação de recursos em benefício de poucos em tempos de Ditadura Militar e que ainda vigoram, mesmo que tenham deixado de usar o lema "Integrar para não Entregar", é uma ação que é mantida.
Assim, Luis Miguel Modino aborda as consequências desses episódios: o sofrimento dos povos da Amazônia que se agrava com o tempo "numa região de extrema riqueza, a população é muito carente e as políticas públicas garantidas pela Constituição brasileira de 1988 estão ausentes na região”, especifica.
É uma política que pensa “antecipar para que poucos se beneficiem”, realidade que acompanha a história da Amazônia até hoje. As consequências do fenômeno são claras para o padre. A essa constante violação dos direitos fundamentais da população soma-se o falso conceito de civilização que acompanha quase todos nós e que explica como a relação estabelecida entre povos indígenas e seres selvagens faz parte do subconsciente da cultura ocidental e que agora também é assumidos pelos próprios povos indígenas.
Uma declaração que lembra as palavras de Dona Siloca, a indígena do povo Baré, que lhe disse no Alto Rio Negro: “Já somos civilizados”. Estas são as atitudes sobre as quais devemos refletir, o falso conceito de civilização que impede e acaba por marginalizar visões de mundo e culturas, relacionando-as com algo inferior.
Dessa forma, a proposta de Modino é assumir a interculturalidade como fundamento de qualquer processo de comunicação, por isso ele lembra o Papa Francisco quando afirma que cada cidade que conseguiu sobreviver na Amazônia "tem uma identidade cultural própria e uma riqueza num universo multicultural, pela estreita relação que os habitantes estabelecem com o seu meio, numa simbiose, de tipo não determinista, difícil de compreender com os esquemas mentais dos outros". A esse respeito, alerta que essa referência aos esquemas mentais é fundamental na hora de superar preconceitos e “nos desafia a avançar no caminho da interculturalidade, mesmo sabendo da dificuldade de assumir algumas realidades que fazem parte das culturas amazônicas”.
O desafio é construir pontes, por isso convida a questionar: como me aproximar das culturas amazônicas? Uma questão fundamental para superar os preconceitos, que explica que eles estão subjacentes "no nosso subconsciente e, sem dúvida, interferem no nosso pensamento, no nosso olhar, no nosso modo de falar, no nosso modo de abordar os outros, especialmente aqueles que são diferentes ou aqueles que sempre nos fizeram notar que são diferentes”.
A esse respeito, afirma que não devemos esquecer que a diversidade, seja ela cultural ou de qualquer outro tipo, nos enriquece e é condição essencial para a superação de preconceitos. “Quando uma pessoa não aceita a diversidade, será difícil para ela superar os preconceitos que foram introjetados em sua personalidade ao longo da vida”, insiste, e não podemos esquecer que “a desconstrução de preconceitos é uma dinâmica que leva tempo e esforço, mas que avança mais rapidamente quando mergulhamos na riqueza que nos é oferecida por quem é diverso, diferente, mas disposto à escuta e ao diálogo, atitudes que não podem faltar a cada um de nós”.
Atualmente, Luis Miguel Modino trabalha no Centro de Comunicação do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam), atuação que se alterna com a função de assessor de comunicação da Região Norte1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), correspondente na América Latina do Religión Digital, colaborador do Vatican News, do Instituto Humanitas Unisinos - HU Unisinos e pároco da Área Missionária São José do Rio Negro, na Arquidiocese de Manaus.
Vários papéis que lhe permitem compartilhar sua própria trajetória na Amazônia e na comunicação amazônica, jornadas das quais emergem dez conceitos que o ajudaram a pensar outros caminhos de comunicação para uma região que ele alerta ser desconhecida da maior parte da humanidade e que, apesar de viver em durante anos, ele sente que o conhece de forma limitada, tanto geográfica como existencialmente. A oportunidade de levar a escuta à vida e superar os preconceitos que nunca nos são estranhos.
Uma proposta criativa que nasce do deslumbramento, de uma profunda admiração, da percepção da beleza da Amazônia e de seu povo. Uma beleza que sacode, questiona e supera, que para um jornalista como Luis Miguel Modino é a possibilidade de abrir um novo mundo para os outros, provocando-os, deixando-os desconfortáveis diante do duro cotidiano e compartilhando um pouco dessa dissonância com o mundo que o questiona e o encoraja a seguir seu caminho como missionário que comunica as realidades dos povos amazônicos.
Um decálogo de atitudes para comunicar o mundo que para muitos é sem nome ou sem sentido, mas também uma fonte inesgotável de conhecimento para muitos outros e que vem a calhar face à proposta reflexiva que no âmbito do 35º Congresso Internacional SOTER convida a pense nas formas de comunicar a Amazônia:
Trata-se de um posicionamento perante a vida e as pessoas que vivem na periferia que, ao se comunicarem, enchem a vida de uma sociedade ávida por saber o que é que completa de riqueza a vida dessas pessoas. As "histórias das periferias" e de quem as habita, "marcam-nos, ajudam-nos a conhecer e compreender realidades ocultas", diz.
“Não basta chegar, é preciso escutar, e escutar com calma”. Isso porque, segundo a experiência do padre amazônico, "eles ouvem mais do que falam, mas também gostam de ser ouvidos, até ouvidos com o coração, deixando que suas histórias de vida penetrem no coração daqueles com quem convivem eles interagem".
Quando andamos com pressa não percebemos a riqueza das pessoas e da realidade que nos cerca e, segundo o padre, essa é uma das coisas mais apreciadas pelas comunidades da Amazônia. Aproveite o tempo para conhecer e, portanto, respeitar, valorizar a grandeza da simplicidade.
As diversas formas de dominação contra os povos indígenas não cessam e deve ser prioridade de qualquer comunicador preservar suas próprias culturas e visões de mundo em cada narrativa. “A luta é grande contra um inimigo, que se materializa de formas muito diversas e está determinado a destruir culturas, discriminadas”, declara.
É preciso lembrar que juntos somos mais e isso também acontece no campo da comunicação. É preciso tecer redes que fortaleçam as dinâmicas comunicativas que permitam compartilhar a vida da região e dos povos que a habitam. Além disso, porque constitui um instrumento de resistência contra ataques que muitas vezes partem de poderosos grupos de comunicação.
Os comunicadores locais “têm uma visão da realidade amazônica difícil de ser assumida e transmitida por quem vem de fora”. Um exemplo disso são os "lancers digitais", que se apresentam como mulheres e homens comunicadores comunitários das nacionalidades, organizações e federações de base do Movimento Indígena na Amazônia equatoriana, focados em mostrar as realidades de sua comunidade. É muito mais fácil comunicar o que se sabe através da experiência.
Aqui o padre se refere à paixão que “muda perspectivas, que ajuda a mergulhar na realidade, a encantar a si mesmo e aos outros com o que está presente na vida da Amazônia”. Ao contrário do que podemos afirmar, a paixão contagia, desperta o interesse de outras pessoas, encanta vidas e corações e é um dos maiores desafios para superar as ameaças que pesam sobre a Amazônia e os povos que a habitam.
Consiste em entender que cabe a todos nós ser guardiões da obra de Deus. A atitude de comunicar o cuidado é um instrumento que nos ajuda a entender que temos o desafio de promover o cuidado da criação, a exemplo das comunidades amazônicas, só assim a sociedade global perceberá a necessidade da solidariedade nesse cuidado, contra a destruição que pesa sobre a Amazônia e o planeta.
Valorize cada pessoa. "Dar voz aos menos nos mostra realidades que fazem parte da vida das pessoas". Conhecer pessoas que falam com o coração nos leva a considerar a realidade como ela é vivida, sem passar pelos filtros intelectuais que muitas vezes a distorcem. “Viajando pela Amazônia, encontramos essas pessoas, situadas fora da história, mas que enriquecem a história de outras quando são ouvidas”.
“Os processos demoram, mas permanecem no tempo, sedimentam a história, fazendo-a responder melhor à realidade vivida”, afirma o comunicador, insistindo que os acontecimentos costumam ser fogos de artifício que deslumbram, mas iluminam apenas por um momento. Assim, por nossa vocação de comunicadores, não podemos ter medo dos processos, pois, mesmo que sejam demorados, não podemos deixar de reconhecer que nada muda em um instante. “São os processos que nos ajudam a entender que a vida pode ser diferente. Tem que ser diferente para construir uma nova história, onde o valor de cada ser humano seja reconhecido por todos”.
Luis Miguel Modino encerrou suas reflexões lembrando que "experimentar e comunicar elementos presentes no processo do Sínodo para a Amazônia marcou sua vida de comunicador, mas também sua vida pessoal, assim como sua experiência de fé, pela qual considera que as palavras do Papa Francisco, no encerramento de Querida Amazônia: "exorto todos a avançar por caminhos concretos que permitam transformar a realidade da Amazônia e libertá-la dos males" devem ser uma prioridade para quem quer comunicar a Amazônia. Porque, no fim das contas, "comunicamos para mudar a realidade, para tornar melhor a vida das pessoas, de todas as pessoas, mesmo as descartadas pela sociedade, e a felicidade vista como um objetivo alcançado".
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Luis Miguel Modino: “Processos de comunicação devem ajudar a escrever uma nova história na Amazônia” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU