20 Junho 2023
Os bispos católicos mexicanos marcaram o primeiro aniversário dos assassinatos de dois jesuítas idosos com missas especiais celebradas em 18 de junho em memória dos milhares de desaparecidos no México e das famílias dos muitos mexicanos assassinados nas últimas duas décadas.
A reportagem é de David Agren, publicada por National Catholic Reporter, 19-06-2023.
Na Basílica de Nossa Senhora de Guadalupe, o cardeal Carlos Aguiar Retes, da Cidade do México, rezou pela paz e pela "reconciliação nacional" e também "pelos migrantes, desaparecidos e suas famílias e familiares dos falecidos devido à violência".
“É preciso sempre começar em casa, testemunhar nas famílias e depois passar para as relações cidadãs, para os ambientes de trabalho e de negócios, fomentando um ambiente político capaz de se tornar o lugar onde todas as propostas que favoreçam relações respeitosas sejam ouvidas”, disse Aguiar. "Este é o círculo virtuoso dos bons pastores que transmitem o perdão e a reconciliação, que criará uma sociedade reconciliada e alcançará a paz social que tanto desejamos", acrescentou o cardeal.
Serviços semelhantes foram celebrados em todo o México, com famílias de vítimas convidadas a comparecer e trazer fotos de seus entes queridos desaparecidos ou assassinados. Os sinos também tocarão nas igrejas em todo o México às 15h do dia 20 de junho – aniversário dos assassinatos dos padres jesuítas Javier Campos Morales e Joaquín César Mora Salazar, mortos a tiros por um notório chefão do crime enquanto abrigavam uma pessoa em sua paróquia na região acidentada de Sierra Tarahumara, no norte do estado de Chihuahua.
Os assassinatos de Campos e Mora provocaram indignação na Igreja Católica mexicana e na sociedade em geral, ao mesmo tempo que reforçavam a reputação ruinosa do México como um dos países mais assassinos para padres. Pelo menos nove padres foram assassinados durante o governo do atual presidente Andrés Manuel López Obrador, que assumiu o cargo em dezembro de 2018, segundo o Centro Multimídia Católico.
Apenas três dias antes de os bispos se reunirem para rezar pelas vítimas da violência, pelos desaparecidos e pela paz em todo o país, duas catequistas, Gertrudis Cruz de Jesús e Gliserina Cruz Merino, foram mortas a caminho de uma procissão eucarística. As jovens foram assassinadas quando seu veículo foi atacado em 15 de junho em uma região conflituosa do sul do estado de Oaxaca, segundo a diocese de Huajuapan de León.
Os bispos responderam aos assassinatos dos jesuítas com apelos à ação – levantando a voz sobre um tema incômodo para os prelados, que preferiram não provocar políticos ou colocar em risco a vida de seus padres. "Os eventos de Cerocahui", onde os padres foram assassinados, "marcam um antes e um depois", disse o Pe. Luis Gerardo Moro Madrid, provincial jesuíta no México.
"(O atirador) invadiu uma igreja onde havia dois padres idosos e os matou. Um espaço sagrado foi profanado. Isso significa que o tráfico de drogas, que a violência, pode chegar a qualquer lugar (…) Isso quebra as regras do jogo", disse o padre. “Creio que também foi um momento de conscientização entre religiosos e sacerdotes de que algo está errado, algo já está podre no sistema mexicano e que merece uma resposta imediata”, acrescentou.
A violência no México já custou mais de 400 mil vidas desde 2006, quando o então presidente Felipe Calderón iniciou uma repressão aos cartéis de drogas. Mais de 100 mil pessoas também desapareceram durante esse período.
“A violência no México não é uma coisa nova, é um dos maiores flagelos que nos atinge há anos, e parece que não temos trégua, pelo contrário, está piorando”, escreveu a publicação Desde la Fé da arquidiocese da Cidade do México em um editorial de 18 de junho. “Milhares de vítimas da violência se acumulam, assassinadas e desaparecidas, corpos não identificados, sepulturas clandestinas, são expressões desse terrível mal que sofremos”.
A demanda da Igreja por mudanças em questões de segurança a colocou em conflito com López Obrador, que rejeitou os apelos para mudar uma estratégia de segurança que ele descreve como "abraços, não balas". O jesuíta Pe. Javier Ávila disse na missa fúnebre dos padres mortos: "Abraços não bastam para parar as balas. (...) Peço respeitosamente ao presidente da República que reveja seu projeto de segurança pública, porque não estamos indo bem".
Pouca coisa mudou na Serra Tarahumara desde os assassinatos, disse Ávila à OSV News, embora os jesuítas continuem servindo a população indígena local em meio à insegurança desenfreada. Uma capela no município de Guachochi foi atingida com 700 balas em 6 de junho, enquanto uma caminhonete foi incendiada na frente e um corpo decapitado foi deixado na porta. "Para mim", disse Ávila, "acho que é uma mensagem contra o governo, dizendo a eles: 'Vejam até onde iremos, e eles não fazem nada contra nós. Gostamos da impunidade'".
O suspeito do assassinato dos jesuítas, José Noriel Portillo Gil – conhecido como "El Chueco" ou "O Trapaceiro" –, aterrorizou a região, segundo Ávila, que trabalha na Serra Tarahumara há 49 anos e fundou um centro de direitos humanos. Gil foi morto a tiros em março, no que as autoridades eclesiásticas descrevem como um acerto de contas – um resultado insatisfatório para os jesuítas. “A falta de um julgamento de acordo com a lei para este homicídio implica uma falha do Estado mexicano em seus deveres básicos”, disse o Pe. Luis Geraldo. "Também confirma que as autoridades não têm controle territorial na região".
Mapa político do México (Fonte: Geology.com)