23 Março 2023
É cada vez maior, mais evidente e intransponível o fosso entre a Igreja alemã e o Vaticano. Uma rachadura que também aflorou poucos dias atrás quando o presidente da Conferência Episcopal, diante das câmeras de televisão, reiterou que a bênção dos casais gays, apesar do 'niet' do Papa, continua sendo um fato na Alemanha: continuará sendo garantida às pessoas homossexuais que a pedirem. Se não era um ato de guerra contra a inflexibilidade de Roma, faltava pouco. Também recentemente, o Papa, por meio do cardeal Pietro Parolin, proibiu substancialmente o episcopado alemão de modificar a doutrina e as regras até agora vigentes conforme sua vontade. Nada tão importante pode ser alterado unilateralmente.
A reportagem é de França Giansoldati, publicada por Il Messaggero, 22-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Para começar, é preciso dizer que a prática das bênçãos existe e queremos trazê-la à luz" afirmou Monsenhor Batzing apresentando-se na televisão. Ele explicou aos telespectadores que os bispos deveriam se perguntar se uma relação de amor entre duas pessoas deve ser considerada algo bom. "Porque se for bom, então as pessoas podem realmente receber a bênção de Deus, parece-me lógico". Em apoio a essa linha, ao lado dos alemães, também estão os bispos da Bélgica que "já implementaram essa prática".
O jornalista que entrevistava Batzing ao vivo perguntou-lhe se o Papa Francisco poderia aceitar isso diante de sua tomada de posição, ou se é um desafio ao poder constituído. A explicação dada pelo bispo alicerçou-se no longo trabalho coletivo realizado pela base católica que durante quatro anos, com a prévia aprovação papal, iniciou um complexo processo sinodal. "Ouvimos especialistas, escrevemos textos sólidos e apresentamos de forma extensiva pelas nossas regras." E ainda: "Estamos felizes em discutir isso, mas nossa ação não mudará." Praticamente um desafio.
Para Roma, no entanto, permanece impensável dar uma forma de bênção a uma família homossexual, visto que o catecismo descreve a homossexualidade como uma atividade desordenada e imoral e não pode ser transformada em "boa" simplesmente com base no fato de que o casal assim o deseja.
Há dois anos, o Vaticano também emitiu um responsum muito claro, publicado para dissipar as dúvidas dos episcopados e para repetir pela enésima vez que a prática das bênçãos na Igreja Católica é taxativamente proibida. “Não é lícito conceder uma bênção a relações, ou mesmo a uniões estáveis, que impliquem uma prática sexual fora do casamento (isto é, fora da união indissolúvel de um homem e uma mulher aberta em si à transmissão da vida), como é o caso das uniões entre pessoas do mesmo sexo (...) uma vez que as bênçãos sobre as pessoas estão relacionadas com os sacramentos, a bênção das uniões homossexuais não pode ser considerada lícita, pois constituiria de alguma forma uma imitação ou uma referência de analogia com a bênção nupcial, invocada sobre o homem e a mulher".
A situação na Bélgica a que fez referência o chefe dos bispos alemães causou uma verdadeira tempestade no ano passado. Apesar das proibições, a Igreja belga rompeu as amarras para proceder em total autonomia com a bênção de casais homossexuais. O cardeal Jozef de Kesel e os outros bispos flamengos diante de tantas pessoas que "frequentemente pedem um momento de oração durante os encontros pastorais para pedir a Deus que abençoe e perpetue esse compromisso de amor e fidelidade" adotaram de específico texto litúrgico. Naturalmente, iniciou-se uma violenta polêmica que ainda não se acalmou completamente.
Mas do que se trata? A liturgia dos párocos flamengos oferece uma leitura extraída da Sagrada Escritura, que precede “o compromisso dos dois interessados”. Para esse compromisso, propõe-se um texto que afirma a vontade do casal de “estar presentes um para o outro”, de “trabalhar pela felicidade do outro”, e que exige a força de ser “fiéis um ao outro”. Segue-se uma oração da comunidade para que a graça de Deus atue neles para cuidarem um do outro, para que sejam fiéis, tolerantes e atentos. Por fim, após um Pater, é dada uma bênção.
Na semana passada, o cardeal Pietro Parolin admitiu que a divergência existe. “A Congregação para a Doutrina da Fé já se pronunciou sobre o assunto. Agora o diálogo continuará" com as Igrejas alemã e belga. “Uma única Igreja, em qualquer caso, não pode tomar tal decisão que diz respeito à Igreja universal. É preciso tempo para o diálogo. Sempre houve posições diferentes, às vezes conflitantes, na Igreja. Agora tudo isso fluirá para o caminho sinodal”.
O cisma temido até agora não se concretizou. À medida que se aproxima o Sínodo sobre a Sinodalidade previsto para o final de 2024, aumenta também o fosso entre a Igreja do Sul, mais conservadora, e aquela do Norte. O acerto das contas já se vislumbra no horizonte.
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Alemanha, presidente da Conferência Episcopal: “Continuaremos a abençoar os casais gays” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU