18 Agosto 2022
Como a morte do Fundo Nacional de Meio Ambiente reflete o abandono pelo governo do suporte financeiro à agenda ambiental.
A reportagem é publicada por EcoDebate, 17-08-2022.
Dentro da série de estudos intitulada “Caminhos para o financiamento da política socioambiental no Brasil”, o Inesc anuncia o lançamento do segundo estudo, destacando como o Fundo Nacional de Meio Ambiente (FNMA) foi se deteriorando ao longo dos anos.
Criado em 1989, o FNMA nasceu com a missão de contribuir de forma ampla com o financiamento da implementação da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA (Lei Nº 6.938/18), mas padeceu com poucos recursos, depois de muitas tentativas e erros na sua execução. “Na prática, hoje ele não existe mais”, sentencia Alessandra Cardoso, autora do documento e assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos.
Neste panorama completo sobre sua natureza legal, governança e gerenciamento, é possível conhecer o desmonte, em cinco atos, deste importante instrumento para auxiliar na conservação, pesquisa, proteção e desenvolvimento ambiental para o Brasil. A análise do Inesc conclui com recomendações para a retomada do Fundo e o seu fortalecimento. Acesse o documento pelo site do Inesc.
1º Ato – Fim da participação da sociedade civil no Conselho Deliberativo
Faz parte do Fundo a existência de um Conselho Deliberativo, que trata da destinação dos recursos. Contudo, nos últimos anos ele sofreu de diversas modificações com fragilização das suas atribuições e com a extinção da participação da sociedade civil por meio do Decreto Nº 10.224/2020, de Jair Bolsonaro, o mesmo que extinguiu a participação social em diversos Conselhos. Em abril de 2022, o Supremo Tribunal Federal no âmbito da ADPF 651, declarou inconstitucional o artigo 5º do tal decreto, exigindo o reestabelecimento da participação social no Conselho do FNMA.
2º Ato – Restrição na autonomia do Conselho
Com relação às competências do Conselho, em 2020, uma Portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA 353/2020), restringiu suas atividades ao mesmo tempo que centralizou as decisões na própria autarquia federal, que se tornou responsável por administrar o FNMA no âmbito orçamentário, financeiro e patrimonial, além de analisar os projetos encaminhados.
3º Ato – Burocratização dos editais
O excesso de exigências estabelecidas nos editais do Fundo levaram a uma execução aquém dos seus já restritos recursos. Um exemplo foi a obrigação de a proponente aos recursos do Fundo ter implantado coleta seletiva há mais de 2 anos, com envio de relatórios sobre sua abrangência e efetividade. Houve ainda exigência de certidão de quitação de tributos e contribuições, bem como certidão de quitação de dívida ativa – algo que eliminava as chances de cidades com déficit no orçamento. Exigências estas não condizentes à realidade de deficiência estrutural da maior parte dos municípios.
4º Ato – Cortes de recursos
A Lei que criou o Fundo não especificou suas fontes de receitas, o que coube à regulamentação do ano de 2008 a destinar 20% dos valores arrecadados em pagamento de multas aplicadas pelo Ibama e pelo ICMBio. No entanto, esse Decreto também estabelecia que o percentual poderia ser alterado a critério dos órgãos arrecadadores. Mas, infelizmente, até hoje os 20% permanecem, sendo a única fonte de recursos no orçamento do FNMA. Cabe lembrar que, no passado, além da verba que entrava pelo pagamento de multas, o Fundo também contava com outras fontes de dinheiro, incluindo recursos da cooperação internacional e de parcerias com outros fundos e Ministérios.
5º Ato – Sacrifício fiscal
Desde 2017, parcela crescente dos seus recursos passou a ser destinada a “Reserva de Contingência”, o que, na prática, é um mecanismo utilizado para reduzir o gasto efetivo do órgão garantindo, assim, o cumprimento do Teto de Gastos. Em 2021, 98% dos recursos do Fundo, da ordem de R$ 30 milhões, tiveram sua execução obstruída na forma de reserva de contingência.
“Os valores destinados à Reserva de Contingência em Fundos de natureza contábil, como é o FNMA, não seguem um padrão ou parâmetro, sendo a escolha definida politicamente, sem transparência”, alerta Alessandra. “Em outras palavras, não existe hoje uma blindagem às regras fiscais vigentes para os fundos com propósitos tão vitais ao País, como é o caso do FNMA.”

Foto: Reprodução
O último edital do Fundo foi lançado em 2018, refletindo tanto o abandono pelo governo de estratégias de suporte financeiro à agenda ambiental construída ao longo de décadas, quanto o completo desmonte financeiro do FNMA. “É a morte de um instrumento financeiro absolutamente necessário para a urgente Política Nacional de Meio Ambiente que o Brasil tanto precisa”, conclui.
Leia mais
- Bolsonaro prometeu dobrar recursos, mas cortou verba do meio ambiente
- Fusão de ministérios antecipa desmonte ambiental no Brasil de Bolsonaro
- O desmonte geral da política ambiental brasileira e seus reflexos. Artigo de Berenice Gehlen Adams
- “No mínimo, é prevaricação”, diz deputado sobre desmonte da fiscalização ambiental por Ricardo Salles
- Nomeação de Colato é mais um sintoma do desmonte ambiental do governo Bolsonaro
- Termômetros não têm ideologia. A anatomia do desmonte das políticas socioambientais
- Alta no desmate coroa desmonte ambiental de Bolsonaro e Salles
- Desmonte dos órgãos de fiscalização leva indígenas a realizarem autodemarcação de suas terras para tentar evitar genocídio completo. Entrevista especial com Luísa Pontes Molina
- 'A proteção do meio ambiente não pertence a nenhuma corrente política ou ideológica'
- Desmonte sob Bolsonaro pode levar desmatamento da Amazônia a ponto irreversível, diz físico que estuda floresta há 35 anos
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
5 atos do desmonte do Fundo Nacional de Meio Ambiente – FNMA - Instituto Humanitas Unisinos - IHU