Uma Igreja para o futuro: questões e sinais. Artigo de Francesco Cosentino

Foto: Pexels

05 Julho 2022

 

"O desafio está lançado: é urgente “imaginar novas formas de ser Igreja no território, propor ‘caminhos experimentais’”. Isso só é possível na corresponsabilidade eclesial. Enquanto permanecermos no funil [...] - com o padre e os padres no topo de tudo, líderes solitários de uma caravana de executores passivos - poderemos experimentar bem pouco", escreve Francesco Cosentino, teólogo, professor de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Gregoriana, Roma e membro da Secretaria de Estado do Vaticano, em artigo publicado por Settimana News, 01-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo. 

 

São os eventos cotidianos de um tempo em constante mudança que trazem à tona, de tempos em tempos, a evidente crise de fé que marca a experiência de nossas sociedades ocidentais, juntamente com o sentimento generalizado de indiferença religiosa e de distanciamento da instituição eclesial que agora se respira entre nós.

 

Como brasas sob as cinzas, porém, emerge também a força do Evangelho, ainda que o faça com o estilo que lhe é próprio: de forma discreta, com a mansidão de um rio subterrâneo que corre lentamente, na forma de fermento e semente. E se trata de ideias, estímulos e reflexões que vêm para perturbar a respeitabilidade de nossa religiosidade inofensiva, para nos acordar.

 

É de se perguntar se a agenda da vida eclesial - na Itália e em outros lugares - ainda esteja a tempo de acolher esse anseio de renovação e reforma que nasce do coração da vida da Igreja e que o Papa Francisco estimula e repassa com determinação. Mas enquanto isso estamos aqui, e vale a pena nos determos em algumas questões e alguns sinais.

 

Fim da cristandade

 

São muitas as questões, mas, para oferecer uma visão sintética, podem ser agrupadas em duas teses básicas: o fim da cristandade e a baixa recepção do Concílio Vaticano II.

 

A cristandade acabou. Por ordem do tempo, um dos últimos a afirmá-lo é o filósofo Massimo Borghesi, que analisa com grande lucidez a desconfiança em relação ao pontificado de Francisco, aquela da direita neoconservadora, mas também de setores mais progressistas.

 

Certamente, o antigo mundo cultural em que a religião se inseria plenamente, moldando a consciência pessoal e coletiva e influenciando as instituições e as formas de vida social, definitivamente desapareceu. Se Nietzsche foi seu precursor com o anúncio da "morte de Deus" em A Gaia Ciência, também não faltaram reflexões de considerável profundidade sobre o tema na esfera teológica.

 

 

A novidade dos últimos tempos, porém, é representada pela figura e pelo magistério do Papa Francisco que, já com a Evangelii gaudium, inspira e convida a uma mudança de paradigma: de um cristianismo da resistência a um cristianismo da imaginação. Efetivamente, aqueles que supõem um mundo, uma sociedade e um tecido familiar e social ainda cristãos, de fato resistem: pensam que, afinal, a Igreja e sua pastoral carecem apenas de algum retoque estético e ajustes formais, sem colocar em discussão as estruturas e as formas de crença eclesial.

 

O Papa Francisco tem outro paradigma: uma Igreja e uma pastoral ousadas por uma “nova imaginação do possível”. Ele indicou isso desde o início, falando de conversão pastoral em chave missionária, mas, ao que parece, amplos setores da vida eclesial não se preocupam em acolher a Evangelii gaudium e torná-la uma hermenêutica para a renovação pastoral.

 

Um Concílio ainda não implementado

 

O Concílio Vaticano II ainda não foi implementado. Pode ser que tal afirmação pareça genérica e superficial, ou viciada por uma visão polarizada e ideológica. Basicamente, no entanto, o problema permanece. Serena Noceti escreveu sobre isso no Concilium, afirmando que a Evangelii gaudium nos provoca a nos medirmos com a nova visão eclesiológica que emergiu no Concílio Vaticano II: a superação do eurocentrismo e a "descentralização" institucional necessária à evangelização e à missão.

 

Isso requer não apenas alguns ajustes, mas uma reforma estrutural: e – afirma Noceti – não basta mudar as ideias ou as normas, mas “é preciso redesenhar a forma relacional e promover uma mudança na institucionalização das relações eclesiais”. Em outras palavras, o nível das estruturas sociais e relacionais da Igreja, com formas anexas de governo e gestão do “poder”, não pode ser subestimado.

 

E nisto é inútil ficar dando voltas: temos a coragem profética de Francisco, muitas boas intenções, mas dois grandes fardos, o clericalismo e o machismo. Uma normativa de tipo "funil" que, em matéria de vida eclesial e até mesmo naquelas de competência laical, coloca no topo da pirâmide apenas aqueles que têm o sacramento da ordem, com graves danos que recaem também sobre os próprios padres.

 

E isso produz em cadeia, mesmo quando isso não é diretamente atribuível à intenção do indivíduo (e justamente por isso exige uma reforma estrutural), duas questões que continuam a penalizar a vida da Igreja e a imagem que ela oferece de si mesma à sociedade atual: a exclusão dos leigos e das mulheres.

 

 

Presença eclesial

 

Alguns sinais não faltam e são pequenas luzes na noite do universo eclesial atual, úteis para imaginar sem medo a Igreja do futuro.

 

Um primeiro ponto de partida é oferecido pela carta do arcebispo de Turim, Mons. Roberto Repole (cf. aqui na Settimana News), que nos dá um bom vislumbre de um estilo e uma forma de Igreja diocesana rumo à qual queremos nos encaminhar. O objetivo básico já contém um elemento decisivo: repensar a presença eclesial no território.

 

Repole afirma que é necessário “tomar uma consciência cada vez mais profunda de que nossa sociedade não é mais 'normalmente cristã'. E, no entanto, ainda estamos estruturados - a partir das nossas paróquias - no implícito de que todos sejam cristãos”.

 

O resultado é um sério obstáculo à evangelização e à missão da Igreja, que o arcebispo descreve com extraordinária clareza: na convicção de estarmos no mundo "cristão" de antes, em vários níveis investimos recursos em atividades pastorais tradicionais que nos parecem não dar frutos, "quando seria uma questão de ousar algum novo caminho", investindo em outro lugar.

 

Daí as perguntas, que na realidade deveriam envolver toda a Igreja italiana, especialmente em tempo de Sínodo:

 

"Devemos simplesmente continuar a manter todas as infinitas estruturas de que nos beneficiamos (instalações, casas, igrejas, oratórios ...) mesmo que, em vez de servir para viver uma autêntica vida cristã e eclesial e ser instrumentos de evangelização, constituem um fardo insuportável...? Podemos continuar a manter todas as paróquias, imaginando que ali aconteça tudo o que acontecia no passado, pedindo a um padre que em vez de ser pároco de uma comunidade seja pároco de várias, sem mudar nada? Como se pode imaginar, fazendo isso, que os padres possam viver uma vida serena, possam encontrar tempo para cultivar a oração e a leitura e oferecer um serviço qualificado, possam encontrar a serenidade certa para se relacionar com as pessoas ...?".

 

O desafio está lançado: é urgente “imaginar novas formas de ser Igreja no território, propor ‘caminhos experimentais’”. Isso só é possível na corresponsabilidade eclesial. Enquanto permanecermos no funil citado acima - com o padre e os padres no topo de tudo, líderes solitários de uma caravana de executores passivos - poderemos experimentar bem pouco.

 

Ministério inclusivo

 

Motivadora, nesse sentido, mais uma contribuição recente, escrita por Assunta Steccanella. Pensando na Igreja de hoje e de amanhã, algumas digressões em torno das novas nomeações e transferências de padres: de cada "dom" fala-se algo para o que foi nomeado, mas também outra coisa. E nesse "também" aparece de tudo: "espaços a ocupar, mais e mais pessoas para cuidar, mais e mais coisas para fazer, concentradas nas mãos de um número cada vez menor de sujeitos, mais precisamente padres".

 

E - por fim, uma leitura que também seja compassiva e não apenas julgadora - "a multiplicação de seus encargos, que não diminui, os expõe, no mínimo, à impossibilidade de serem pastores como gostariam, obrigados a correr para lá e para cá, negligenciando muitas coisas ou agindo de modo apressado; e no limite, coloca-os em sério risco de burnout”.

 

Essa pastoral não tem futuro, a menos que seja dado a esse "também" um significado diferente: "Dom S. mantém o cargo de diretor ... também os três ministros instituídos - a leitora N., o acólito P., o catequista R .- serão corresponsável pela vida da paróquia”. E a autora continua com outros exemplos, imaginando outras nomeações diocesanas e paroquiais em que um padre é nomeado, mas “junto com”: um “também” que finalmente se torna inclusivo de ministros instituídos, catequistas, famílias, freiras, leigos e leigas.

 

Quase dá vontade de se perguntar, junto com o Cardeal Martini: por que a Igreja não se sacode? Estamos com medo? Medo em vez de coragem?

 

 

Leia mais