Discriminar as mulheres na igreja é um insulto à glória divina

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11 Mai 2022

 

Ela escreve sobre gênero, violência institucional, marginalização das mulheres, que não podem se expressar senão "por cortesia" dos homens. O cenário é a Igreja Católica e ela é Simona Segoloni, 48 anos, professora de Teologia Sistemática do Instituto Teológico de Assis.

 

A reportagem é de Federica Tourn, publicada por revista Jesus, de maio de 2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Ela escreve e fala com determinação, sem esconder um misto de impaciência e rebeldia pela evidente desconexão entre a realidade de paixão e serviço das mulheres engajadas na Igreja e a frustração de quem registra, mais uma vez, o desconhecimento dos talentos femininos. "É como se tivéssemos muitos bilhões à nossa disposição para investir no país e não os usássemos", explica Segoloni. “Aquela das mulheres é uma pertença eclesial óbvia: a Igreja simplesmente não existiria sem elas. E, no entanto, apesar desta constatação, experimentam todos os dias a dificuldade de encontrar um espaço no mesmo nível dos homens e a dificuldade de ter um dom específico reconhecido no testemunho evangélico”.

 

Em uma palavra, vivenciam a exclusão: são a lâmpada colocada sob o alqueire, e ainda são o “segundo sexo”, como escrevia Simone de Beauvoir já em 1949, estigmatizando a condição de inferioridade das mulheres na história e na sociedade. Segoloni não vai longe, quando em Sorelle tutte, livro escrito junto com Elizabeth Green e Selene Zorzi para discutir sobre a inclusividade a partir da encíclica do Papa Francisco Fratelli tutti, enfatiza que “há uma descrição do feminino abstrata e conduzida por subtração: a mulher não pode ser o que se pensa ser masculino (e que é simplesmente o humano) e, portanto, deve ser o que resta”.

 

A pista de obstáculos para a igualdade é feita de um passo à frente e dois passos atrás, como as mulheres bem sabem. “O mais desarmante é que a discriminação de gênero na Igreja é justificada chamando em causa a vontade de Deus”, explica Segoloni, “uma operação terrível, porque leva as mulheres a pensar que é justamente Deus quem as quer inferiores”.

 

Rebelar-se contra essa interpretação e a visão depressiva que decorre, Evangelho nas mãos significa, porém, entrar em um doloroso conflito com a Igreja. No entanto, a teologia feminista captura uma "verdade antiga e irrefutável", como Elizabeth Johnson aponta em Alla ricerca del Dio vivente, quando anuncia que as mulheres são "os seres prediletos de Deus": qualquer violência feita às mulheres é para a religiosa estadunidense - não por acaso muito apreciada por Simona Segoloni - "um insulto à glória divina".

 

Nada de "machos incompletos", como Tomás de Aquino as define, ou destinadas a ficar em casa "como um prego na parede", segundo a pitoresca expressão atribuída a Lutero. E se é certo que hoje existem associações e movimentos femininos, mesmo no mundo católico, que se organizam para tornar eficaz a presença e a visibilidade das mulheres, segundo a teóloga, persistem nas hierarquias eclesiásticas “obtusas resistências” à mudança. É a ilusão conservadora - como a define Segoloni - de uma Igreja que identifica sua própria identidade com aquela de uma certa cultura de meados do século XX, nostálgica de um sistema social em que há âmbitos bem distintos e as mulheres são relegadas à esfera privada. A teóloga é clara: “Esta narrativa, que justifica uma interpretação dos Evangelhos a partir de uma leitura clerical, serve para sustentar uma estrutura eclesiástica em que não é verdade que somos irmãos e irmãs”. Como se supera essa fratura? "Com uma conversão", sugere Segoloni, e com a realização de uma sinodalidade plena, como pede o Papa. "É preciso dar à Igreja outra forma, na qual se decida juntos, mesmo na assimetria dos carismas, pedindo o fim os privilégios e do sistema clerical", explica a teóloga, e acrescenta: "Para fazer isso é preciso coragem, sobretudo por parte daqueles que devem renunciar ao poder".

 

Antes de tudo, porém, deveríamos ouvir o grito de dor daqueles que não se sentem acolhidos, sejam mulheres ou pessoas LGBT:

 

"Você pode reclamar o quanto quiser, simplesmente não é levado a sério", diz Segoloni. "É como se te dissessem: o problema é você, que não se encaixa."

 

Criada em uma família "de fé tradicional não particularmente empenhada", Simona Segoloni experimenta a verdade do Evangelho na paróquia de Perugia. "Adorava ler e era apaixonada por textos que agora definiríamos como regressivos", recorda, "desde as obras do teólogo suíço von Balthasar ao Senhor de Romano Guardini, uma tentativa de refletir sobre a vida de Cristo que retomei em meu livro Jesus, masculino singular". Ela se matriculou em Direito, mas logo deixou seus estudos de lei para se dedicar em tempo integral à teologia: primeiro frequentou o Instituto Teológico de Assis e depois continuou sua especialização em Florença. Ela se casa, e no período de uma década nascem três filhos e uma filha, enquanto ela continua a estudar e a trabalhar meio período no Instituto Teológico de Assis. Anos intensos: "Apresentei a minha tese de doutorado quando estava grávida de oito meses do meu último filho", lembra.

 

Se pudesse viajar com a máquina do tempo, não teria dúvidas: iria à Palestina para ver com os próprios olhos o filho do carpinteiro caminhando sobre o Mar da Galileia. Apaixonada pela leitura narrativa de textos - entre os autores que prefere está o belga André Wénin - ela se interessa pelas figuras menores da Bíblia, enquanto não suporta Davi, "narcisista e violento: para entende-lo é preciso ler o Acorde Secreto de Geraldine Brooks". Entre seus sonhos para o futuro está uma pesquisa em teologia, porque acredita que tenha chegado a hora de reescrever boa parte da doutrina: "Estamos sobrecarregados de palavras e estruturas inadequadas para transmitir a beleza do Evangelho", diz. "Para conseguir, no entanto, é preciso liberdade e possibilidade de se sustentar, duas condições que talvez ainda não existam na Itália".

 

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