24 Agosto 2021
“Há ainda outro tipo de indiferença encoberta pela piedade religiosa. É a indiferença dos quais se acostumaram a viver a religião como uma 'prática externa' ou uma 'tradição rotineira'. Todos temos de escutar a queixa de Deus. Jesus nos recorda com as palavras proferidas do profeta Isaías: 'Este povo me honra com os lábios, porém seu coração está distante de mim'”, escreve José Antonio Pagola, teólogo espanhol, autor de diversos livros, como “Jesus: Uma aproximação histórica” (Ed. Vozes, 2007), em artigo publicado por Religión Digital, 23-08-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eis o artigo.
A crise religiosa vai se decantando pouco a pouco rumo à indiferença. De ordinário não se pode falar propriamente de ateísmo, nem sequer de agnosticismo. O que melhor defina a postura de muitos é uma indiferença religiosa, onde já não há perguntas, nem dúvidas, nem crises.
Não é fácil descrever esta indiferença. O primeiro que se observa é uma ausência de inquietude religiosa. Deus não interessa. A pessoa vive despreocupada, sem nostalgias nem horizonte religioso algum. Não se trata de uma ideologia. É, pois, uma “atmosfera envolvente” onde a relação com Deus fica diluída.
Há diversos tipos de indiferença. Alguns vivem, neste momento, um distanciamento progressivo; são pessoas que vão se distanciando cada vez mais da fé, cortam laços com o religioso, se afastam da prática; pouco a pouco, Deus vai se apagando em suas consciências. Outras vivem simplesmente absorvidos pelas coisas de cada dia; nunca se interessaram muito por Deus; provavelmente receberam uma educação religiosa frágil e deficiente; hoje vivem esquecidos de tudo.
Em alguns, a indiferença é fruto de um conflito religioso vivido às vezes em segredo; sofreram medos ou experiências frustrantes; não guardam boas recordações do que viveram quando crianças ou adolescentes; não querem escutar falar de Deus, pois lhes machuca; defendem-se esquecendo-o.
A indiferença de outros é mais resultado de circunstâncias diversas. Saíram do pequeno povo e hoje vivem de maneira diferente em um ambiente urbano; casaram-se com alguém pouco sensível ao religioso e mudaram de costumes; separaram-se de seu primeiro cônjuge e vivem em uma situação de casal “não abençoado” pela Igreja. Não é que estas pessoas tenham tomado a decisão de abandonar Deus, mas de fato suas vidas vão se distanciando dele.
Há ainda outro tipo de indiferença encoberta pela piedade religiosa. É a indiferença dos quais se acostumaram a viver a religião como uma “prática externa” ou uma “tradição rotineira”. Todos temos de escutar a queixa de Deus. Jesus nos recorda com as palavras proferidas do profeta Isaías: “Este povo me honra com os lábios, porém seu coração está distante de mim”.
Nota do Instituto Humanitas Unisinos – IHU
De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.

XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição
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Deus já não interessa? Artigo de José Antonio Pagola - Instituto Humanitas Unisinos - IHU