"A profecia continua a nos conquistar, porque nos leva a todos os lugares e nos faz sentir tudo", escreve Marco Ventura, professor de Direito canônico e eclesiástico da Universidade de Siena, em artigo publicado por La Lettura, 18-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nos próximos 50 anos, o Islã se tornará a maior religião do mundo. Cerca de um terço da população do planeta seguirá Maomé, o Profeta último dos profetas, e a revelação trazida pelo anjo Gabriel, transcrita e recitada no Alcorão. Se considerarmos também as outras religiões, a começar pela fé cristã, e se escutarmos demógrafos e teólogos, as religiões proféticas parecem destinadas a dominar o mundo de amanhã tanto quanto dominaram o mundo de ontem. A profecia continua a nos conquistar, porque nos leva a todos os lugares e nos faz sentir tudo.
De fato, é o conhecimento superior que não podemos alcançar sozinhos, mas para o qual se tornam indispensáveis a nossa disposição, o nosso discernimento. É o futuro, alimentado pelo passado e pelo presente, e é a eternidade. É o vislumbre no final, a luz sobre o resultado e ao mesmo tempo é o plano, a direção. É o fim dos tempos e, entretanto, ao longo do tempo, o caminho para a liberdade, no Mar Vermelho aberto à passagem de Israel, no deserto da migração entre Meca e Medina, a hegira da qual nasce o Islã. Enfim, a profecia é um equilíbrio entre conhecimento e mistério, imanência e transcendência, é a precariedade da condição humana e é a certeza para além da conjuntura, a bússola na tempestade.
Do valor persistente de tudo isso, da força da profecia, parece testemunhar o sucesso da religião do Profeta e de todas as religiões dos profetas. Em vez disso, o sucesso da profecia é apenas aparente em nosso mundo global. Se existe, quando existe, é muito frágil. O fato é que nenhum profeta, nenhuma profecia parece à altura da incerteza do nosso tempo, dos traumas vividos, do medo pelo que nos espera; da ameaça de autodestruição ecológica que pesa sobre nós. A força da profecia, a capacidade de guiar na perplexidade e iluminar o futuro, torna-se sua fraqueza quando prevalece a desorientação, quando o horizonte se fecha.
Então, incapaz de responder, a profecia se dilui e as profecias se atropelam, cancelando-se mutuamente. Nenhum triunfo do bem pode reverter o declínio das utopias, nenhum apocalipse pode competir com o surgimento das distopias. Nenhum profeta, nem mesmo Maomé, nem mesmo aquele Issa (Jesus) que os cristãos acreditam ser o filho de Deus, é grande o suficiente para o mundo global; nenhuma multiplicação de produtos proféticos satisfaz a ânsia dos consumidores. Nenhuma voz do céu pode superar as promessas dos cientistas nem compensar os fracassos da ciência. O desencanto da secularização obriga as profecias a um cabo de guerra desigual com a evidência, a multirreligiosidade planetária as condena a uma concorrência exaustiva. "Querida, está acontecendo", diz o "profeta" mórmon de 96 anos à esposa, enquanto no meio da noite o Senhor o acorda e lhe dita novas revelações. Então, contou recentemente em um vídeo a esposa, Russell M. Nelson pega sua caneta com luz embutida, "senta-se na beira da cama e escreve."
Em fevereiro passado, Ruth Graham contou no New York Times sobre a proliferação de profetas estadunidenses e seu fracasso retumbante na previsão da reeleição de Trump. Os Estados Unidos exasperam a banalização da profecia, mas capturam um fenômeno mundial, do qual nada nem ninguém pode escapar. Coincidem temporalmente, quarenta anos atrás, o atentado ao Papa Wojtyla na Praça de São Pedro, anunciado em Fátima na visão do Anjo "com uma espada de fogo na mão esquerda" e do "esplendor que Nossa Senhora emanava de sua mão para ele" e a primeira profecia de Sibila Trelawney em que se anuncia o destino de Harry Potter, "o único com o poder de derrotar o Lorde das Trevas”. Por mais incomensuráveis que sejam, as duas profecias habitam o mesmo tempo, expressam a mesma necessidade de mobilizar mais energias para mudar a história; por mais especiais que sejam para os seus povos, não podem deixar de se misturar e influenciar-se, relativizar-se, até a superação de toda fronteira entre política e religião, entre crônica e ficção, entre verdade histórica, verdade de fé e verdade narrativa.
Nos últimos vinte anos, a crise da profecia se tornou mais espetacular. Em 11 de setembro de 2001, a batalha final do Armagedom foi levada ao coração de Nova York: apareceu o poder daqueles que realmente acreditam nas profecias e sabem tornar-se seu instrumento, amplificou-se consequentemente o terror de quem não foi capaz de prever e prevenir e, portanto, afundou em um amanhã de conspirações e catástrofes. Um mês depois do 11 de setembro, a derrota do Oakland Athletics no playoff no beisebol deu início à revolução do esporte estadunidense, contada dez anos depois no filme Moneyball. Impulsionado pelo crescente desequilíbrio entre os clubes ricos e pobres, o gerente geral do Atletismo contrata um graduado em economia de Yale e monta o time com base em dados estatísticos dos jogadores e sobre as relativas previsões.
No duro confronto com o diretor do time, convencido de que “não se forma um time com um computador”, pois “o beisebol não é apenas números, não é ciência”, o gerente-geral interpretado por Brad Pitt, promessa fracassada do beisebol profissional, ataca o colega por sua excessiva confiança na experiência: “Você não tem uma bola de cristal, não pode olhar para um jovem e prever seu futuro como jogador”. Entre o atentado na Praça de São Pedro e a revelação do terceiro segredo de Fátima em 2000, entre a profecia de Sibila Trelawney e o sucesso editorial de Harry Potter na década 1997-2007, e depois entre a temporada triunfante dos Athletics em 2002, graças a uma equipe formada no computador, e o filme de 2011, torna-se cada vez mais evidente como a sobrevivência da profecia coincide com seu enfraquecimento e com a contaminação entre profecias religiosas e profecias científicas.
Em 2014, na revista estadunidense "Current Anthropology", Carlo Caduff publicou um estudo sobre os preparativos dos cientistas dos EUA para lidar com as futuras pandemias. A força e a fraqueza dos cientistas observadas pelo antropólogo do King's College of London está em seu carisma, na sua relação com o público, enfim, na sua dimensão profética. A "profecia pandêmica", escreve Caduff, aposta na "fé na razão" para acompanhar a humanidade no limiar entre o conhecido e o desconhecido. Não apenas no beisebol, não apenas na epidemiologia, a previsão baseada em dados é o que importa. No ano seguinte, em 2015, é publicado o bestseller Superprevisões de Philip Tetlock.
A inovação científico-tecnológica e a fecundação mútua dos conhecimentos tornaram a previsão "uma arte" que é também "uma ciência". Graças ao aprimoramento computacional, argumenta Tetlock, alguns indivíduos de habilidade extraordinária mostraram que agora possuímos as ferramentas para previsões de qualidade superior: a nossa é a era do super, também no exercício preditivo. Cinco anos depois, a pandemia de coronavírus acaba com todos. Se a profecia com os big data sofre um golpe terrível - não nos preparou para essa catástrofe e tem dificuldade para nos tirar dela - a profecia religiosa parece ainda menos útil do que os modelos matemáticos e promete cedo demais a vida após a morte.
Abre-se no front digital e no religioso, cada vez mais entrelaçadas, um tempo de crise e de oportunidade. As comunidades da inteligência artificial e das ciências sociais computacionais estão divididas: por um lado existe um verdadeiro trabalho preditivo, mais potente e, no entanto, freiável, devido à a obviedade dos resultados e a superioridade dos imprevistos; e por outro lado existe o desafio da explicação, porque de pouco serve prever a curva epidêmica se não entendo os fatores determinantes e serve-me menos ainda o automatismo na concessão das hipotecas e na seleção dos recursos humanos se escapa-me como funciona o algoritmo.
O jogo decisivo está justamente sendo jogado na integração entre explicação e previsão, como um grupo de pesquisadores internacionais relembrou duas semanas atrás na Nature. O desafio para as profecias religiosas não é tão diferente, visto que não nos satisfazemos com as projeções dos demógrafos e as previsões dos teólogos, pois a nada serve saber que o Islã será a maior religião do mundo daqui a 50 anos, se não sabemos porque, em que condições isso aconteceria e de que Islã se trataria. Um século atrás, os futuristas italianos e russos profetizaram um novo homem na civilização das máquinas.
Hoje chamamos de "futuristas" os cultores dos future studies, ou seja, os estudiosos e consultores do futuro cuja competência é extremamente procurada por empresas e governos. Seu sucesso depende da capacidade de incluir tecnologias em uma rede de conhecimentos para superar a tradicional coleta e processamento de dados. Os "futuristas" contemporâneos não preveem, mas antecipam, e com suas hipóteses, seus cenários, seus futuros, sempre no plural, preparam para as surpresas, para as mudanças, para as novidades. Seu desafio à mentalidade do tomador de decisão, seja ele um executivo público ou privado, é o mesmo sobre o qual se joga o destino da profecia religiosa. O pensamento do futuro pode ser entrincheiramento, repetição, congelamento, impotência; e a profecia é então determinismo, destino, inevitabilidade.
Ou o pensamento do futuro pode ser desmarcar, experimentar, possibilidade; e a profecia é então surpresa, responsabilidade, conversão. A alternativa é válida para todos, cientistas computacionais e "futuristas", engenheiros e crentes, porque - como escreveu Ruth Graham no "New York Times", em seu artigo sobre os profetas evangélicos trumpianos - "a profecia não é apenas um instrumento de previsão, mas é uma lente analítica com a qual podemos apreender o sentido dos eventos do passado e do presente”. A crise da profecia nos coloca em uma encruzilhada. Alguns profetas nos impedem de buscar um sentido, de raciocinar de maneira diferente, de buscar uma margem de ação. Eles predizem sem explicar. Outros profetas nos empurram para além dos álibis, nos fazem imaginar, nos fazem descobrir espaços. Eles preveem porque explicam.
Isso é exatamente o que nos interessa sobre a religião do Profeta daqui a 50 anos. Se for a maior do mundo pelo temor de descobrir religiões melhores, por povos escravos de si mesmos, por ignorância, por perseguição de cristãos e homossexuais, pela violência do Isis e dos talibãs, ou porque é profecia de liberdade e desenvolvimento, de igualdade e justiça, de arte e cultura, e sobretudo de homens e mulheres capazes de visão. De fato, são o ver e o não ver, a visão e a cegueira, as possibilidades oferecidas por Alá ao homem. É a capacidade de ver, em todos os sentidos, a prova final. "Uma luz" é a resposta do Profeta para aqueles que se perguntam qual é a "visão de Alá": "Você verá o seu Senhor como a lua cheia ou o sol ao meio-dia".