A flutuação internacional do preço do petróleo e as platitudes do presidente da Petrobrás

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05 Abril 2021

"Como já é amplamente sabido, esta desativação instantânea da economia mundial teve impacto “ensurdecedor” sobre a demanda do petróleo, com uma queda vertiginosa dos preços, que chegaram a ser negativos durante alguns dias", escrevem José Luís FioriMahatma R. dos Santos em artigo enviado pelos autores. 

 

José Luís Fiori é professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Economia política Internacional (PEPI), coordenador do GP da UFRJ/CNPQ “O poder global e a geopolítica do Capitalismo”, coordenador adjunto do Laboratório de “Ética e Poder Global”, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (INEEP), autor de “O Poder global e a nova geopolítica das nações”, “História, estratégia e desenvolvimento” e “Sobre a Guerra”.

 

Mahatma Ramos dos Santos é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ e assistente de pesquisa do INEEP.

 

Eis o artigo.

 

No dia 10 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde diagnosticou a existência de uma pandemia de escala global que estava dando seus primeiros passos fora da China, onde havia sido identificada nos últimos dias do mês de dezembro de 2019. Em seguida, a suspensão quase automática da atividade econômica urbe et orbi provocou uma queda instantânea e imediata da produção, do emprego e do consumo, com um efeito em cascata mais rápido, acentuado e universal do que na grande crise econômica da década de 1930. Como já é amplamente sabido, esta desativação instantânea da economia mundial teve impacto “ensurdecedor” sobre a demanda do petróleo, com uma queda vertiginosa dos preços, que chegaram a ser negativos durante alguns dias: queda de 40,04% do preço médio do barril de petróleo no mês de março de 2020, seguida de nova queda de 29,23% em abril, desabando de US$ 63,60 b/d em fevereiro, para US$ 23,34 no mês de abril do mesmo ano. Depois disso, apesar do agravamento da pandemia em todo o mundo, em particular nos Estados Unidos, que se transformaram no epicentro mundial de propagação da doença, os preços do petróleo se recuperaram de forma lenta e gradual durante todo o ano de 2020, com exceção dos meses de setembro e outubro, quando houve pequeno recuo de -7,16%, no primeiro mês, e de 1,51 no segundo. Depois desta pequena flutuação negativa, os preços retomaram sua tendência ascendente, alcançando a casa do US$ 50 no último mês do ano.

 

No início de 2021, vários estudos e análises feitas por consultorias privadas – Deloitte, Barclays Bank e Wood Mackenzie – e organizações internacionais e nacionais – OPEC e EIA – sublinharam em conjunto a importância decisiva dos fatores sociais, políticos e geopolíticos na variação dos preços internacionais do petróleo – Brent e WTI – desde o início da pandemia global do coronavírus. E todas essas organizações apostam que nos próximos dois anos estes mesmos fatores terão um peso decisivo nas flutuações futuras dos preços dessa commodity ao longo de 2020, que estará condicionado pela capacidade demonstrada pelo sistema mundial de controle do vírus (e suas novas variantes) e das disputas geopolíticas em torno do nível de produção do petróleo e da velocidade da transição energética; além de eventuais eventos climáticos inesperados, como aconteceu recentemente no estado do Texas, no sul dos Estados Unidos..

 

Tais efeitos negativos foram mitigados incialmente e deram início a um lento processo e permitiram uma lenta e gradual recuperação dos preços ao longo de 2020, em virtude dos avanços nas pesquisas de imunizantes ao vírus, a contenção relativa da velocidade de transmissão do vírus em alguns países e, principalmente, as duas decisões estratégicas de atores centrais na economia política do petróleo: os Estados-membros da OPEP, os demais grandes Estados produtores e consumidores de petróleo, e também suas grandes petroleiras estatais ou privadas. A OPEP+ (os 13 membros da OPEP acrescidos da Rússia), primeiro em abril, com corte de cerca de 10% da oferta global de petróleo e, depois, em dezembro de 2020, com novo anúncio de corte de 500 mil barris/dia da oferta global, que caiu de 7,7 MB/d para 7,2 MMb/d. Ademais, nessa conferência de dezembro, a OPEP+ anunciou que pretendia, em 2021, retomar de forma gradual a produção adicional de dois milhões de b/d, condicionada a avaliações periódicas realizadas por todos os países-membros em reuniões mensais. Em março de 2021, as medidas de contenção da oferta, aplicadas em janeiro e fevereiro, a despeito de pressões da Rússia, foram prorrogadas até pelo menos o mês de abril de 2021.

 

Durante o ano de 2020 e, em particular, depois do mês de abril, logo no início da pandemia do coronavírus, pesaram decisivamente na lenta mas regular retomada dos preços do petróleo, em 2020, o controle chinês da epidemia e sua recuperação econômica, que fizeram da China o único país do mundo com crescimento médio positivo de 2,3% do PIB. Já no final do ano, a vitória democrata de Joe Biden, nos Estados Unidos, criou uma imediata expectativa de vacinação maciça e controle da pandemia americana, com a retomada e recuperação de sua atividade produtiva – o mesmo devendo ser dito com relação aos países-membros da União Europeia. Ao mesmo tempo, os principais analistas do mercado financeiro e de petróleo apostaram na retomada da produção dos países da OPEP, que haviam estabelecido, em abril de 2020, um corte médio de aproximado de 10% da oferta global de seus países-membros e também da Rússia, que não faz parte oficialmente da organização. Uma decisão que foi referendada e reforçada em dezembro do mesmo ano de 2020, quando a OPEP e a Rússia anunciaram um novo corte de 500 mil barris/dia da oferta global, que caiu então de 7,7 MB/d para 7,2 MMb/d. Assim mesmo, nessa mesma conferência de dezembro, a OPEP+ anunciou que pretendia retomar em 2021, de forma gradual a produção adicional de dois milhões de b/d, condicionada a avaliações periódicas realizadas por todos os países-membros em reuniões mensais. Além disto, a vitória de Joe Biden nas eleições presidenciais americanas de novembro de 2020, criou a expectativa de afrouxamento das sanções impostas ao Irã e à Venezuela, com o consequente aumento da oferta global do óleo por parte destes dois países acompanhando o aumento previsto da demanda mundial produzida pela retomada da atividade econômica prevista para o segundo semestre de 2021, sem que fosse necessário aumentar o nível dos preços muito acima de onde estavam logo antes do início da pandemia e da crise econômica de 2020. Por isso, o Morgan Stanley e várias outras agências e analistas do mercado petroleiro previram uma estabilização ou possível queda do preço do óleo, até o segundo semestre de 2021, em torno de US$ 50 ou US$ 55 dólares p/b/d.

 

Mas apesar deste aparente consenso estabilizador e para surpresa dos analistas, logo no início de 2021, entre os meses de dezembro de 2020 e fevereiro de 2021, o preço do óleo deu um salto de quase 35%, chegando a US$ 73,38 nos primeiros dias de março, nos mercados asiáticos. Logo em seguida, recuou 1,6%, indo para US$ 68,24, e tudo indica que deva permanecer neste patamar a menos que ocorram novas surpresas sanitárias ou novos “solavancos geopolíticos” característicos deste mercado estratégico. Que fatores, entretanto, terão provocado esta abrupta subida dos preços, do início do mês de março? Do nosso ponto de vista, uma soma de decisões e acontecimentos encadeados com a própria pandemia e suas consequências econômicas, políticas, e geopolíticas

 

Por uma lado, sanitário, político e econômico: i) a rápida desaceleração do contágio nos Estados Unidos depois da posse de Biden, e do desencadeamento de uma campanha de vacinação massiva da população, somados à aprovação, pelo Congresso americano, de um pacote de estímulo econômico no valor de US$ 1,9 trilhão, elevando para US$ 5 trilhões os gastos em programas de ajuda econômica contra a pandemia, valor equivalente a 25% do PIB americano; ii) o pacote econômico da mesma natureza – no valor de 750 bilhões de euros – que foi aprovado pelo Parlamento Europeu como ajuda aos países mais atingidos pelos efeitos sanitários e econômicos da pandemia; e finalmente, iii) a previsão de um crescimento de 6,5% da economia chinesa em 2021, que deve ter impacto em toda a região asiática, que controlou de forma mais eficiente a expansão da pandemia e seu contágio econômico.

 

E, por outro lado, mais geopolítico: i) a queda da produção de petróleo do estado do Texas, nos Estados Unidos, provocada por uma inesperada onda de frio; ii) os ataques rebeldes Houthis do Iêmen, primeiro ao porto de Ras Tanura, utilizado pela Arábia Saudita para exportação do seu petróleo, e uma semana depois, um conjunto de poços e refinarias sauditas; iii) os ataques de origem ainda não identificada contra instalações petroleiras no território da Síria; iv) a perda da confiança dos analistas e investidores com relação à possibilidade de relaxamento das sanções americanas contra o Irã e a Venezuela, que poderia facilitar o aumento da oferta de petróleo por parte dos países detentores de grandes reservas; v) e, na mesma linha de argumentos, o fato de que as primeiras iniciativas do governo de Joe Biden estarem apontando na direção da manutenção ou agravamento da competição e rivalidade dos norte-americanos com relação à Rússia, com expectativa de novas sanções, sobretudo contra seu grande projeto de construção do gasoduto entre a Rússia e a Alemanha, através do mar Báltico, o Nord Stream II, ainda mais depois das agressões pessoais do presidente Biden ao presidente russo, Vladimir Putin; vi) e por fim, com relação à China, sobretudo depois da realização, no dia 12 de março de 2021, da primeira reunião do QUAD, “Diálogo de Segurança Quadrilateral”, reunindo Estados Unidos, Japão, Índia e Austrália, que decidiram fortalecer seus laços econômicos e militares, com a construção de um novo anel militar em torno da China, que foi seguida de uma reunião extremamente tensa entre chefe do Departamento de Estado norte-americano, Antony Blinken, e o ministro de Relações Exteriores chinês, Wang Yi, realizada no Alasca nos dias 18 e 19 de março de 2021.

 

Somando e subtraindo, tudo indica que o preço do petróleo deva permanecer ou flutuar entre os valores de US$ 55-65 nos próximos meses, enquanto ele estiver dependendo dos fatores exclusivamente de mercado. Mas o mais provável é que ele venha a ser afetado por alguns “soluços geopolíticos” que devem se suceder e intensificar no segundo semestre de 2021, podendo elevar este preço até 70-75 dólares, para surpresa microeconômica do Sr. Castelo Branco.

 

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