15 Outubro 2020
Uma multidão de bens e serviços são vendidos ou atribuídos por meio de mecanismos de leilão: alguns que nos tocam mais de perto, como os anúncios publicitários no Facebook, as frequências de rádio para transmitir dados entre os nossos telefones, e outros menos, como os direitos de extração de lotes petrolíferos.
A opinião é do Tortuga, um think tank de estudantes, pesquisadores e profissionais do mundo da economia e das ciências sociais, nascido em 2015. (Site oficial disponível aqui)
Atualmente, ele conta com 51 membros, espalhados pela Europa e pelo restante do mundo. O grupo escreve artigos sobre temas econômicos e políticos, e oferecem às instituições, associações e empresas apoio profissional para as atividades de pesquisa ou de formulação de políticas.
O artigo foi publicado em Business Insider, 13-10-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Paul R. Milgrom e Robert B. Wilson são os ganhadores do Prêmio Nobel de Economia de 2020 pelos seus estudos sobre o funcionamento dos mecanismos de leilão. Ambos são professores da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e receberam o Prêmio da Academia Sueca por terem “contribuído com a teoria dos leilões e inventado novos formatos de leilão em benefício de compradores, vendedores e contribuintes”.
Quando pensamos nos leilões, provavelmente vêm à nossa mente bens de luxo e obras de arte. Na realidade, uma multidão de bens e serviços são vendidos ou atribuídos por meio de mecanismos de leilão: alguns que nos tocam mais de perto, como os anúncios publicitários no Facebook, as frequências de rádio para transmitir dados entre os nossos telefones, e outros menos, como os direitos de extração de lotes petrolíferos.
Todos esses são exemplos de leilões. Mas os mecanismos de leilão também encontraram novas aplicações com a digitalização: os anúncios publicitários do Facebook se baseiam em mecanismos de leilão, por exemplo. E como não pensar no leilão do Fantasy Football. Contribuir com a descoberta de mecanismos mais eficientes, portanto, significa incidir diretamente sobre a vida de bilhões de pessoas.
A ciência econômica olha para os leilões assumindo que os participantes são racionais e utiliza a estrutura da teoria dos jogos, um ramo que estuda os comportamentos estratégicos dos sujeitos. Um elemento que influencia as escolhas dos participantes durante o leilão são as informações disponíveis para eles. O objeto do lance pode ter características e um valor conhecido por todos – um valor comum, como o valor de um imóvel ou a capacidade de uma jazida de gás – ou um valor privado, que depende de elementos subjetivos que não são compartilhados com os outros participantes, como o custo de extração do gás que depende da própria tecnologia.
Entre os anos 1960 e 1970, Wilson estudou principalmente a primeira situação. Se um bem tem um valor intrínseco igual para todos os participantes, existe o risco de que o vencedor tenha oferecido um preço excessivo, caso contrário, os outros participantes teriam elaborado lances médios mais altos. Essa situação é chamada de “maldição do vencedor” e induz os concorrentes a oferecerem valores mais baixos em relação à sua própria estimativa real do valor do bem, justamente para evitar o risco de pagar demais por ele.
Milgrom, em vez disso, refletiu sobre situações em que todos os participantes compartilham informações sobre o bem antes do leilão (common value) e têm informações privadas. Aqueles que fazem lances mais altos provavelmente serão levados a fazer isso porque confiam que podem explorar melhor o bem do que os outros. No caso da jazida, poderiam ter uma tecnologia extrativa melhor, aumentando o valor do bem para esse determinado sujeito. Esses licitantes, portanto, explorarão as suas informações privadas ao formular um lance mais alto.
Wilson e Milgrom também criaram novos sistemas de leilão que foram utilizados concretamente. O caso emblemático frequentemente proposto é o do leilão das radiofrequências nos Estados Unidos em 1994. As radiofrequências podem ser utilizadas para vários tipos de telecomunicação móvel, desde o sinal de televisão até a telefonia. Elas são, por si sós, um bem limitado, de propriedade pública, que o governo de um país decide como alocar entre as operadoras de telecomunicação privadas que, depois, distribuem os serviços aos cidadãos.
Como bem público e estratégico para cidadãos e empresas, é importante que os critérios de atribuição dessas faixas de espectro sigam alguns princípios, como maximizar o seu valor de venda e, ao mesmo tempo, selecionar o comprador que depois oferecerá os melhores serviços aos usuários.
Nos anos 1990, quando o governo dos Estados Unidos se viu obrigado a confiar a gestão da rede de frequências a um gestor específico, houve uma certa confusão sobre qual poderia ser o melhor mecanismo: de um procedimento de atribuição direta, que se baseava principalmente em uma intensa atividade de lobby por parte das empresas de telecomunicação, passou-se depois a uma loteria, que confiava partes do espectro de forma totalmente aleatória. Claramente, esses dois métodos eram extremamente ineficientes à luz dos dois critérios mencionados acima.
A Federal Communications Commission (FCC), autoridade pública responsável pela gestão do espectro de rádio, decidiu então optar pelo mecanismo de leilão. Isso apresentava muitas dificuldades.
De fato, as radiofrequências são um produto muito complexo, pois o valor de uma única porção do espectro para um licitante não é fixo, mas depende da sua combinação com as outras porções de sua posse. As bandas individuais, portanto, não têm um valor independente umas das outras para as empresas participantes, mas podem ser complementares ou alternativas umas às outras. Um leilão mais tradicional, que atribuísse lotes diferentes em rodadas separadas (leilão sequencial), não parecia adequado para esse tipo de produto: os licitantes, de fato, não teriam nenhuma garantia de obter as combinações de frequências desejadas e isso poderia resultar em lances mais prudente ou até na falta de participação.
Ao mesmo tempo, unir diversas porções de banda a serem leiloadas em “pacotes” era uma operação extremamente complicada. Alguns anos antes, entre outras coisas, um leilão muito semelhante havia sido realizado na Nova Zelândia de acordo com uma modalidade amplamente difundida em vários âmbitos (leilão “em envelope fechado ao segundo preço”) e havia evidenciado todos os pontos críticos de um mecanismo de leilão que funcionava mal, reunindo recursos muito inferiores ao valor efetivo estimado das bandas.
Nesse contexto, em 1993, a FCC valeu-se da consultoria de inúmeros economistas para identificar o mecanismo de leilão que deveria garantir os melhores resultados. Dentre todos, as soluções propostas por Milgrom e Wilson foram as mais inovadoras e convincentes, e depois foram adotadas pela autoridade no leilão de espectro de rádio realizado no ano seguinte.
O sistema elaborado a partir das indicações dos dois economistas foi definido como “leilão de rodadas múltiplas e simultâneas” (SMRA, na sigla em inglês). Esse esquema prevê que um grande número de licenças por porções de espectro sejam leiloadas ao mesmo tempo. Os participantes fazem os seus lances, que podem se referir a qualquer combinação de frequências, e eles são tornados públicos. Essa operação se repete de acordo com as mesmas modalidades por várias rodadas até que os lances sejam tais que nenhum licitante deseje modificar os seus.
Esse sistema permite superar de forma engenhosa as dificuldades evidenciadas acima: os participantes podem escolher as combinações de espectro desejadas e monitorar gradualmente a evolução dos preços, decidindo a cada rodada em quais pacotes vão apostar e quanto vão oferecer.
Portanto, é eliminado aquele componente de incerteza típico dos formatos de leilão descritos acima, levando os participantes a fazerem lances menos conservadores e mais próximos das suas avaliações reais. O formato “aberto” também permite mitigar a “maldição do vencedor”.
Para favorecer uma ampla participação no leilão, Milgrom elaborou depois a chamada “regra da atividade”, que proíbe apostar em mais licenças do que na rodada anterior. Os participantes, portanto, são naturalmente incentivados a participar de um grande número de lotes desde a primeira rodada do leilão, favorecendo, assim, uma concorrência mais forte sobre o preço.
Arrecadando cerca de 7 bilhões de dólares aos cofres do Estado estadunidense, o leilão de 1994 foi considerado unanimemente um sucesso histórico no campo da microeconomia e demonstrou ao mundo como podem ser significativos os resultados teóricos de estudiosos como Milgrom e Wilson para a vida concreta de cada um de nós.