Reflexão Cristã sobre a Caravana de Migrantes para os EUA. Artigo de Padre Melo

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07 Novembro 2018

A Caravana de Migrantes é um fenômeno social migratório que sobrecarrega qualquer previsão política e institucional. É notícia mundial. Em todos os meio internacionais, que nunca dizem nada sobre Honduras, hoje colocam o país no olho do furacão de notícias. É um fenômeno que transbordou às igrejas, aos setores da sociedade civil, às ondas e aos governos. É uma avalanche que em seu início dessa etapa dramática começou com umas quantas centenas de hondurenhos até se converterem em um número incontável, crescente e incontrolável, que se responde com simples gestos solidários, generosos e espontâneos por patê do povo que vê os migrantes passarem, até com as respostas do mais alto nível militar como ameaça à administração Trump, e como está fazendo o regime hondurenho ao tratar de criar sem sucessos uma muralha policial na fronteira entre Honduras e a Guatemala.

O artigo é de Pe. Ismael Moreno, também conhecido como Padre Melo, jesuíta, diretor da Radio Progreso e importante liderança dos movimentos sociais hondurenhos, publicado por Reflexión y Liberación, 05-11-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Eis o artigo.

 

Nasceu na “Ciudad Juárez del sur”

Não é somente uma caravana. É um fenômeno social liderado por milhares de moradores rurais e urbanos empobrecidos que se manifesta em amplas e massivas caravanas espontâneas e improvisadas, sem mais organização que a que aconselha a sobrevivência e a manifesta decisão de avançar para o norte até alcançar o território estadunidense. Não é a primeira vez. No ano passado, 2017, no mês de abril, houve uma caravana de uns 800 centro-americanas, com uns 75% de hondurenhos. Por sua vez, existe um movimento de uns 300 hondurenhos que diariamente buscam cruzar a fronteira de Aguascalientes, entre Honduras e Guatemala, muitos deles vão ficando pelo caminho.

Essa avalanche humana e social explodiu como uma poderosa bomba expansiva com uma notícia de segunda ou de terceira importância justamente na cidade de San Pedro Sula, conhecida mundialmente como uma das mais violentes e que diversos investigadores e analistas costumam chama-la como “Ciudad Juaréz del Sur”, pela sua semelhança com o boom de maquilas nessas cidade mexicana, fronteiriça com El Paso, Texas, se promoveu na década de 1970, como resposta à pobreza, deixando o que já todo mundo conhece como subprodutos: um interminável aluvião de migração interna, violência delinquencial juvenil, o narcotráfico. Qual foi a notícia? Um grupo de uns 200 hondurenhos anunciaram que organizavam uma caravana para emigrar para o norte, saindo do terminar de ônibus de San Pedro Sula, na costa atlântica hondurenha, no sábado 13 de outubro.

Quem a puxou?

No início, a caravana identificou o nome de Bartolo Fuentes, um líder social e política com sede na cidade de El Progreso, que deixou dito em uma entrevista aos meio de comunicação locais, que se uniria por alguns dias. Bartolo Fuentes esteve acompanhando como jornalistas a caravana de abril de 2017. Sendo ademais um político do partido LIBRE (Libertad y Refundación), de oposição ao atual governo, Bartolo Fuentes se tornou o “bode expiatório”. Assim o acusou em entrevista coletiva a ministra de Relações Exteriores enquanto a acompanhava a Ministra de Direitos Humanos: “Bartolo Fuentes é o responsável da caravana, ele organizou e instigou muitas pessoas até manipulá-las e conduzi-las nesse perigoso trajeto”, ao mesmo tempo que fez um chamado ao Ministério Público para que procedesse contra a pessoa que o regime descarregou toda a responsabilidade como representante da oposição política radical de Honduras. Como ocorre com tudo, o nome de Bartolo ficou atrás, e foram surgindo outros bodes expiatórios, ainda mais poderosos que um líder social e político nacional e social.

Padre Ismael Moreno, o Padre Melo, sj. Foto: America Magazine

Quando a caravana cruzou a fronteira no posto de Aguascalientes rumo à Guatemala, já somavam umas quatro mil pessoas, as quais conseguiram romper com o cerco policial que Honduras e Guatemala estabeleceram na fronteira. E assim foi aumentando na medida em que cruzava o território guatemalteco e se aproximava da fronteira mexicana. O regime hondurenho, sem dúvidas com financiamento do governo dos Estados Unidos, implementou um plano entre os dias 17 e 20 de outubro com o propósito de convencer os migrantes a retornar ao país. Conseguiu que algumas centenas de pessoas aceitassem, muitos dos quais foram transportados em ônibus, e outra parte por avião, e a cada pessoa se prometeu ajuda imediata e um pacote de serviços posteriores. Contam testemunhas que não poucas das pessoas que voltavam eram ativistas do Partido Nacional que serviram de isca, e sobretudo de publicidade governamental. Não obstante, a partir do dia 23 de outubro e com cifras que aumentavam conforme passam os dias, já falava de um número de 10 mil migrantes cruzando o território chiapaneco, no México.

Uma panela de pressão

O governo hondurenho acusa a oposição e a grupos criminais como responsáveis das caravanas com propósitos políticos desestabilizadores. A essa acusação se une o governo dos Estados Unidos, o qual chegou ao extremo de acusar o Partido Democrata de instigar, financiar grupos políticos e criminais para que os migrantes invadam território estadunidense a fim de desestabilizar o governo. Todas essas acusações não têm fundamentos reais. O fenômeno das caravanas é a expressão da desesperança de uma população para a qual cada vez fica mais arriscado viver em um país que nega emprego, segurança cidadã e a beira de viver em um estado permanente de esmolas. A caravana é a explosão de uma onda de pressão que o governo hondurenho em associação com uma reduzida elite empresarial e transnacional vem atiçando há pelo menos uma década. Um governo que abandonou as políticas públicas sociais e as substituiu com programas de compensação social, ao tempo que consolida o modelo de desenvolvimento baseado no investimento na indústria extrativista e na privatização e concessão de bens comuns e serviços públicos.

Estado e corrupção entendidos como negócio

A administração pública está conduzida por um setor de políticos que entendem o Estado como seus negócios, saquearam instituições públicas, como o Instituto Hondurenho de Seguridade Social, o sistema de saúde em geral, as empresas de energia elétrica, entre muitas outras. E se protegem a si mesmas com o controle político do sistema de justiça. A população foi progressivamente experimentando desamparo e abandono, experiência e sentimento que se aumentou com as eleições de novembro de 2017 quando o governo se reelegeu violando a Constituição da República e premiou um triunfo que de acordo com cerca de 70% da população foi o resultado de uma fraude organizada. A população deixou de confiar nos políticos, no governo e nas altas empresas privadas. As caravanas são um fenômeno que expressam a desesperança e a angústia de um povo que deixou de acreditar em soluções dentro do país. Se vão como expressão extrema da decisão da população de fazer a justiça com as próprias mãos.

Cada um buscando a quem culpar e tirar vantagens

O governo de Honduras e o governo dos Estados Unidos parecem necessitar a quem responsabilizar. Isso é assim porque afinal de contas representam um setor elitista da sociedade que despreza sistematicamente as populações com baixos recursos econômicos e nunca lhes dão crédito às suas iniciativas. Tudo o que provém desses setores é entendido como ameaça, e e em muitas ocasiões como a que agora se observa com os migrantes, as iniciativas são percebidas como atos delinquentes ou de criminalidade. Não acreditam, nem aceitas as decisões, iniciativas e criatividade do povo. É a expressão de desprezo, discriminação e racismo. Dão como fato que o povo não pensa, não decide por si só. Tem que existir um fator, um ator externo que puxa, que manipula essas decisões. Obviamente, o fenômeno da caravana busca ser capitalizado por diversos setores. Há setores opositores em Honduras, e talvez nos Estados Unidos, que buscam se beneficiar com a instabilidade que produz esse movimento migratório.

Seguramente, a extrema-direita de Trump está especialmente interessada em capitalizar esse fenômeno para fortalecer a luta anti-migrante, uma das políticas fundamentais da sua administração. As eleições de “meio-tempo” nos Estados Unidos são um termômetro para estabelecer se Trump prosseguirá em um segundo mandato. Acusar os Democratas de financiar as migrações, é um argumento estupendo para empoderar Trump no triunfo republicano nas eleições de novembro. Enquanto isso, setores políticos opositores em Honduras dão amostras de aproveitar esse fenômeno para enfraquecer ainda mais o governo de Juan Orlando Hernández, o qual igualmente está interessado em usar os migrantes para acusar à oposição de ser responsável de provocar maior instabilidade a seu governo.

De vergonhoso a dignificante

O fenômeno da caravana significou uma explosão de uma realidade cotidiana. A caravana vem ocorrendo diariamente, e seguramente em menos de um mês saem a quantidade certa de pessoas que saíram massivamente em um só dia. Foi uma caravana silenciosa, assolapada, discreta, privada, invisibilizada e até vergonhosa que com essa explosão se converteu em uma caravana visível, publica e até dignificante. Desmontou esse triunfalismo que sustentou que o país está melhorando. Deixou em evidência que os programas de compensação social não somente não resolvem, como também aprofundam o estado de precariedade da maioria da sociedade. Descobriu-se que uma sociedade que garante somente 35% da população na economia formal é insustentável. A caravana massiva é a expressão de um fenômeno massivo de um modelo de exclusão social sistêmico.

Elites e regimes, feridos em seu amor próprio

A caravana que partiu dia 13 de outubro, e que abriu a válvula para caravanas subsequentes despertou de vez os setores políticos e a elite empresarial acostumados a ter férreo controle sobretudo o que ocorre no país, e se esforçam em evitar surpresas indesejáveis, ou inclusive são especialistas em capitalizar ao seu favor os mal-estares ou escaramuças de protestos e reivindicações dos setores sociais. As elites gozam de privilégios do Estado e só reagem quando seus lucros infinitos se veem entorpecidos por reações adversas, como está ocorrendo com a oposição das comunidades e organizações aos projetos extrativistas e concessões outorgadas pelo governo às empresas nacionais e transnacionais. É assim que se explica que as elites empresariais reagem com agressividade extrema quando existem pessoas que entorpecem seu processo de acumulação, até ao extremo de assassinar os seus líderes como ocorreu em março de 2016, com o assassinato de Berta Cáceres.

De igual maneira, esses setores se sentem golpeados em seu amor próprio quando, sentindo-se à vontade em seus privilégios, a realidade dos excluídos desmascara com um só fato as suas mentiras. Isso é o que fez a caravana. Depois que as elites e o regime de Juan Orlando Hernández investiram milionárias somas em publicidade que o país vai por um bom caminho, que a economia está saudável, que os programas sociais contentam as pessoas, irrompe a caravana de milhares de cidadãos, uma notícia que alcança nível mundial. A vergonha das elites se transforma em acusações à oposição e se dedicam a investir para buscar bodes expiatórios, que nos últimos dias de outubro passou de uma pessoa concreta, à oposição política radical, aos Democratas, ao empresário George Soros, até culminar com a responsabilidade ao eixo do mal, conformado por Cuba, Venezuela e a Nicarágua de Daniel Ortega. É a resposta a uma vergonha que dói às elites hondurenhas na medida que aqueles que os desmascaram são aqueles setores que não merecem ser considerados iguais, porque são cidadão de segunda, terceira ou quarta categoria.


Policiais mexicanos na fronteira de Chiapas e Oaxaca bloqueando a passagem dos migrantes. Foto: Plaza Pública

Pistas que ajudam a interpretar o êxodo massivo

Esse fenômeno de massas que se dispara para o exterior, denota igualmente algumas pistas que contribuem a interpretar o que é subjacente na sociedade hondurenha:

Primeiro fator: A dependência extrema do exterior. Buscar fora do país as respostas e soluções às necessidades e problemas. É uma mentalidade que foi acentuando ao longo de mais de um século, depois da implantação do enclave bananeiro em começo do século vinte. Colocar o olhar e empreender o caminho para o EUA, é a reminiscência dramática de uma sociedade que configurou sua mente e seu coração em torno do “sonho americano”, querer ser como um estadunidense, com seus dólares, com a esperança de ganhar dólares para comprar coisas, para ser como se gasta dinheiro nos Estados Unidos. Sair para os EUA é esse desejo profundo de buscar o amor de um capitalismo que dentro do país não foi experimentado.


Caravana de migrantes seguindo a marcha em Chiapas. Foto: Plaza Pública

É um movimento espontâneo por ir em busca da terra prometida, é uma defesa desesperada do país do consumo e da “terra de pan llevar (como terras férteis, em português)”, como disse o poeta hondurenho Rafael Heliodoro Valle. Não é um movimento massivo anti-sistema. É uma avalanche intra-sistema de esfarrapados que seguem teimosos em buscar acima, no norte, o sonho que dentro de Honduras viveram como pesadelo. Não sabem os migrantes famintos que sua iniciativa está estremecendo o sistema; eles o que fazem é buscar no centro do sistema uma resposta para as suas necessidades e problemas. Como de outras maneiras fazem os políticos e as elites bem de vida, sempre colocam em posto seu olhar e seu coração para acima, para os Estados Unidos, em franca atitude serviçal. É a mesma atitude de milhares de migrantes, mas de uma posição de capatazes, de protetores internos dos interesses do império.

Segundo fator: uma sociedade presa por sobrevivência. Na batalha do dia a dia, cada qual buscando pelo seu, cada um e individualmente arranhando migalhas para o sistema, sem questioná-lo. O êxodo massivo de hondurenhos, não tem mais organização que a proteção dos demais no caminho do interesse individual de batalhar pela vida em outro país, no país do norte. Porque a decisão de sair do país, não é resultado organizativo dos pobres, mas sim a expressão de procurar cada qual, individualmente, a solução dos seus problemas.

Essa marca da mentalidade e comportamento da sociedade hondurenha, submete seu povo ao confinamento, no mal político do confinamento, que leva a que cada um se feche em sua própria busca, na vivência de cada um ocupado em resolver os seus assuntos, sob o adágio de que “o boi sozinho se lambe, ou o que dizem nos caminhos e ruas de nossos bairros e aldeias: “Cada um se livrando da sua ‘carga’”. É a lógica da sobrevivência, cada um procura resolver do seu modo e estabelecendo compromissos com quem seja, em vista de sair adiante. Os demais estorvam, o encontro com outros para se reunir e buscar juntos, estorva. Todo mundo culpa o outro pelo que acontece, pelo aumento do combustível, da água, da energia elétrica.

Todo mundo protesta contra o governo, mas no momento de buscar soluções conjuntas, que façam os outros. A saída massiva para o norte revela que o povo segue sem por confiança nos outros, na comunidade, expressa o rechaço à organização, aos partidos políticos e à toda institucionalidade. A saída massiva é o fracasso de todo tipo de resposta pública, e o triunfo retumbante da busca individualista. O fenômeno das caravanas é a expressão extrema das saídas individuais a um problema estrutural e sistêmico. Em um ambiente assim, tudo o que vem de cima e de fora se recebe, e até se pode dar um voto em quem amassa o povo, em troca de uma “bolsa solidária” ou de diversas regalias. Em uma sociedade agarrada na luta diária, os programas compensatórios têm um enorme êxito, mas ao deixar os problemas intactos, se aprofundam as políticas privatizantes ou de concessões, a vida da sociedade vai se deteriorando, até acabar com explosões como as caravanas massivas de migrantes.

Terceiro fator: uma sociedade que acentua a relação vertical. Em detrimento das relações horizontais. O povo vai para o norte, para cima. O olhar dos migrantes está posto para fora e acima, deixaram de ver o seu lado, cada um caminha, avança com os seus próprios passos para frente, sem ver quem está ao seu lado. É a síndrome da “república da banana” que semearam os norte-americanos e deixam esperando, embelezados, o retorno dos brancos. São muitos, milhares que vão dando os mesmos passos, mas cada um buscando o seu, o particular, o individual. Nessas condições individualistas nasceram, assim aprenderam, assim cresceram, assim sofreram. E assim buscam sua saída para o norte. Individualmente. Ainda que sejam caravana, ainda que sejam milhares. É uma caravana de individualidades.

As relações hondurenhas se baseiam no olhar para cima, na verticalidade, depender dos “de arriba” em uma relação em onde a linha vertical é a decisiva. É o paradigma do poder, do patriarca, do caudilho no caso hondurenho. O caudilho que vai resolver meu problema pessoal ou familiar, o caudilho que resolve a troca da minha lealdade. É os Estados Unidos, o máximo dos caudilhos, o pai dos caudilhos. Essa linha vertical se sustenta a custo de enfraquecer a linha dos lados, dos iguais. A linha horizontal é tão tênue que é quase invisível, não existe, no máximo nos vemos uns aos outros, para ver quem as pode mais com aquele ou aqueles que estão acima, par ver quem tem mais poder entre os que estão mandando.

Essa mentalidade vertical permeou com força as organizações sociais, as organizações comunitárias, as ONGs e suas lideranças. Nisso contribuiu com especial força o fenômeno da cooperação internacional. As relações que se estabelecem com especial destaque são bilaterais entre o organismo doador e a organização beneficiária, a qual, por sua vez, acentua as relações diretas e verticais com as organizações de base. E essas, por se beneficiarem de fundos da cooperação, fortalecem as relações de dependência com a ONG, a qual, tem uma dependência vertical com o organismo doador.

Essa linha vertical se prioriza sobre as linhas horizontais. As relações entre as organizações de base, os encontros entre as diversas lideranças de base, estão unidos por uma tênue linha horizontal, porque a força está posta na linha vertical, na dependência para cima. Finalmente, as organizações sociais e as ONGs vão ficando sozinhas, com muito pouca incidência para o povo. Quando o povo age vira para a força, não somente rebaixa a capacidade das organizações existentes, mas também que as primeiras surpreendidas são as organizações e lideranças sociais e populares. Nessas, há muitas palavras e muitas formulações, mas pouquíssimo povo.

O eixo do mal. No lugar de buscar bodes expiatórios dentro e fora de Honduras, o problema fundamental é Honduras nas mãos de alianças as quais podem se nomear como o eixo do mal. Essas alianças estão conformadas por uma reduzida elite política que viveu encrustada no Estado e usa seus recursos como sua propriedade, em conluio com uma elite empresarial autenticamente oligárquica que maneja os fios de toda a economia e investimento ao qual é sócia menor do capital de empresas transnacionais. Esse triplo conluio conforma o verdadeiro governo hondurenho, que se estrutura em torno de um modelo de acumulação infinita a custo de negar crescentemente oportunidades e uns seis milhões dos nove milhões de hondurenhos que formam a população.

Esses três atores estão encorpados por outros três poderosos atores: a Embaixada Americana com sede na capital, as forças armadas lideradas por altos oficiais das Forças Armadas, e por personagens públicos e ocultos do crime organizado. Esses seis atores em aliança conformam o eixo do mal, onde reside a mais alta cota de responsabilidade daquilo que ocorre com a deterioração já quase sem fim da sociedade hondurenha. Nesse eixo do mal e seu modelo de desenvolvimento, baseado na acumulação de riquezas com o controle corrupto e exploração dos bens naturais e a privatização dos bens e serviços públicos, é onde se encontra a resposta fundamental à pergunta de porquê os hondurenhos se vão e porquê se organizam caravanas que provocam a atração de milhares de hondurenhos.

Como nos situamos ante os migrantes nesse fenômeno de caravanas?

1) Antes de tudo acompanhar com a análise e a investigação, para escrutinar seus dinamismos internos e aportar elementos par que a sociedade possa ter seu próprio critério, e evitar manipulações por parte de setores políticos, meios corporativos e oficias interessados em manipular e capitalizar ao seu favor a tragédia humana. A população migrante tem algo que nos diz, tem em si mesma uma palavra, buscar em tudo aos atores estranhos à ela, é importante, mas o ator mais importante é o povo que emigra, que se desenraiza. Não escutá-lo por buscar forças que o empurrem, é cair no mesmo que faz Trump e Juan Orlando Hernández. O povo migrante tem uma palavra que diz, o seu sofrimento e exclusão lhe outorga o direito a ser sagrado, e nos cabe respeitá-lo e escutá-lo.

2) Acompanhar, estar próximo das caravanas para escutar sua voz e contribuir na atenção às suas necessidades imediatas e básicas, é uma condição que faz valer a análise e a reflexão. Não necessariamente acompanhar significa dar ajudas materiais, pode ser que seja necessário apoiar com recursos, mas pode ser uma tentação para nos livrar o peso da impotência de não saber dar respostas às perguntas de fundo que surgem de seus sofrimentos e angústias.

3) A coordenação entre instâncias nacionais e com redes centro-americanas, mexicanas e continentais, resulta fundamental pressuposto que se trata de um fenômeno que se origina em Honduras, porém com repercussões e conotações internacionais. Nenhuma é o suficiente, a realidade do fenômeno das caravanas vai além de todos os esforços. Porém os esforços solitários fazem mais estéril o serviço. A eficácia está em unir esforços com o maior número de instâncias.

4) Denunciar e desvelar o discurso governista da manipulação política da caravana. Os diversos setores internacionais deveriam ajudar a buscar respostas em primeiro lugar, a partir de Honduras, e dos hondurenhos, não do governo hondurenho, mas sim dos setores que se despontam nas caravanas. Essa busca de respostas partiu de uma constatação principal: a responsabilidade política reside fundamentalmente no atual regime hondurenho e no modelo de desenvolvimento baseado no investimento em extrativismo e privatização de bens e serviços públicos, unido à corrupção e impunidade. A partir desta denúncia, nós hondurenhos demandamos que hajam eleições para um retorno imediato à ordem constitucional, que com um novo governo se convoque um grande diálogo nacional para dar consenso às prioridades para uma reversão do atual estado de calamidade social que explodiu nessa migração massiva.

5) Uma pastoral direta de consolo, misericórdia e solidariedade com a dor e desespero do nosso povo, que se expressa em estratégias de comunicação que vincule os meios tradicionais, como o rádio, a televisão e os meios escritos, com as redes sociais.

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Reflexão Cristã sobre a Caravana de Migrantes para os EUA. Artigo de Padre Melo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU