A glória e o amor, as memórias de maio, em tempos de Leões! (Ap 21,1-5; Jo 13,31-33a.34-35). Comentário de Frei Jacir de Freitas Faria

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16 Mai 2025

"Fé em Jesus que morreu, mas continua vivo. Ele é o Cordeiro imolado pelo amor, mas que voltará para inaugurar um novo tempo de paz. Resistência diante da dominação do Império Romano que mata os cristãos. O cristão é chamado a não se deixar ser marcado na fronte e no braço pelo número da Besta, Nero, o 666. Quem resistisse viveria para sempre! A esperança alimentava as comunidades da Ásia Menor e os cristãos perseguidos pelo Império Romano em três modos: 1) Tudo vai passar! 2) A Besta será derrotada. 3) A ideologia do império desaparecerá", escreve frei Jacir de Freitas Faria

Jacir de Freitas Faria é doutor em Teologia Bíblica pela FAJE (BH). Mestre em Ciências Bíblicas (Exegese) pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Professor de Exegese Bíblica. Presidente da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sacerdote Franciscano. Autor de treze livros e coautor de quinze. Publicou recentemente Bíblia Apócrifa: Segundo Testamento (Vozes, 2025). São 784 páginas com a tradução de 67 apócrifos do Novo Testamento sobre a infância de Jesus, Maria, José, Pilatos, apocalipses, cartas, atos etc. Canal no YouTube: Frei Jacir Bíblia e Apócrifos.

Eis o comentário.

Os textos sobre os quais vamos refletir são Ap 21,1-5 e João 13, 31-33a.34-35. Os temas tratados são a glória de Jesus, o amor entre os cristãos e o sonho de um novo céu e uma nova terra. O que Jesus quis dizer ao afirmar que ele seria glorificado? Que glória esperavam os primeiros cristãos perseguidos pelo Império Romano? Glória no céu ou na terra? O que significa amar o próximo? Nessa perspectiva, o que dizer das memórias de maio: a abolição da escravatura no Brasil e a aparição em Fátima? O Papa Leão XIII tem algo a dizer?

Iniciemos a nossa reflexão pela passagem do Apocalipse. João, exilado na ilha de Patmos, juntamente com outros cristãos, tem uma visão e sonha com um novo mundo. Ele escreve: “Vi um novo céu e uma nova terra. Pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe.” (Ap 21,1). E acrescenta: “Vi a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus, vestida qual esposa enfeitada para o seu marido.” (Ap 21,2). Depois, de afirmar que Deus fará a sua morada no mundo, João conclui: “Deus enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não existirá mais, e não haverá mais luto, nem choro, nem dor, porque passou o que havia antes.” (Ap 21,4).

Apocalipse é um livro enigmático. Todos se perguntam pelo sentido de suas palavras. Trata-se do fim do mundo? Não! A sua mensagem se resume em três coisas: fé, resistência e esperança.

Fé em Jesus que morreu, mas continua vivo. Ele é o Cordeiro imolado pelo amor, mas que voltará para inaugurar um novo tempo de paz. Resistência diante da dominação do Império Romano que mata os cristãos. O cristão é chamado a não se deixar ser marcado na fronte e no braço pelo número da Besta, Nero, o 666. Quem resistisse viveria para sempre! A esperança alimentava as comunidades da Ásia Menor e os cristãos perseguidos pelo Império Romano em três modos: 1) Tudo vai passar! 2) A Besta será derrotada. 3) A ideologia do império desaparecerá.

Seguindo os ensinamentos de Jesus, em João 13, os cristãos que resistissem iriam chegar à glória divina, pois, em vida eles amaram como Jesus. Quando pensamos em glória, imaginamos um troféu nas mãos, a vitória. Como Jesus poderia falar de glória pessoal se ele sabia que estava marcado para morrer? A cruz não podia ser sinal de glória. Por isso, Ele fala de amor, de solidariedade entre irmão na fé. Amar é dar a vida pelo outro. É acolhê-lo como irmão, apesar das diferenças de raça, cor e religião. A glória de Jesus é a sua paixão, morte e ressurreição, pois ela é expressão máxima de amor. Deus é amor! Quem ama está glorificado em Deus.

A expressão desse amor está no texto de Apocalipse 21 que, inspirado em Is 65,17-25, fala de um novo céu e de uma nova terra. Isaías sonha com um novo tempo para os judeus que voltavam do exílio da Babilônia, em 536 a.E.C. O profeta sonha com uma nova Jerusalém, onde não haverá mortalidade infantil, exploração do trabalho do agricultor e do operário da construção, conflito de gerações e violência. Deus estará no meio de seu povo para sempre. Sofrimento, dor e luto vão passar. Todos haverão de ver um novo céu e uma nova terra, na certeza de que Deus tem algo muito especial para os que em vida o amam plenamente.

Na história de nossas vidas, a humanidade sempre viveu o sonho de liberdade, atrelada ao sofrimento. Um novo céu sempre desponta no horizonte e nas curvas sem fim de uma vida sofrida.

Nas lembranças de maio, para os católicos o mês de Maria, o 13 de maio de 1888, marcou o começo de um fim que nunca se concretizou, a escravidão de negros oriundos da mãe África, desde a chegada de Cabral. A Princesa Isabel se viu forçada a decretar o fim da escravidão no Brasil, o último país das Américas a tomar essa decisão.

O Papa Leão XIII, que inspirou o atual Papa Leão XIV, em 5 de maio de 1888, escreveu uma carta aos bispos do Brasil, intitulada de “Entre muitos”, conclamando o fim da escravidão, por ser ela contrária à dignidade dos batizados, o que aconteceu oito dias depois. O Papa Leão XIII louvou a atitude da Princesa Isabel, enviando-lhe uma rosa de ouro.

A abolição da escravatura foi importante no seu tempo, mas ela não trouxe a igualdade social para os negros. O racismo e as desigualdades sociais continuam imperando no Brasil do século XXI. A glória não aconteceu, pois a falta de amor impede a igualdade social.

Outro 13 de maio, o de 1917, num local chamado Cova de Iria, em Portugal, país que estava em crise econômica, política e religiosa, três crianças pobres dos arredores de Fátima diziam ter visto Nossa Senhora num raio de luz, e que dela haviam recebido mensagens que foram conservadas como segredos, os quais foram revelados décadas mais tarde e tratavam de uma convocação à devoção ao Sagrado Coração de Maria, à retomada da visão medieval do pavoroso inferno. Nessa relação medieval, ao terço foi acrescentada a jaculatória: "Ó meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente as que mais precisarem." O terceiro segredo era sobre a conversão da Rússia, pois a Revolução Russa ganhava seu curso. A Primeira Guerra Mundial caminhava para o fim.

O céu que as ingênuas crianças, Jacinto, Francisco e Lúcia, contemplaram na Cova de Iria, poderia ter sido um vislumbre do novo céu e da nova terra, se não fosse a condição humana marcada pela força do mal.

O amor e a glória de Jesus, refletidos na comunidade do Apocalipse, passam por caminhos de transformação, por políticas de inclusão social para todos, negros e brancos, pela economia solidária, por uma ecologia integral e por religião que liberta. Quando ainda era cardeal, o norte-americano Prevost criticou o presidente de seu país, Trump, por causa de suas injustas políticas imigratórias, as quais não refletem o amor cristão e impedem a glória dos imigrantes.

Que Prevost, agora, Papa Leão XIV, peruano de coração, calce logo os sapatos de seu antecessor, Francisco, o argentino ‘bom de pastoreio’ que marcou muitos gols no seu papado à moda de Francisco de Assis. Que Papa Leão XIV aponte caminhos de um novo céu e uma nova terra, a partir de uma Igreja que estabeleça pontes de diálogo e inclusão social. Paz e bem!

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