Al Gore: o mundo precisa escutar o Papa Francisco sobre a defesa do ambiente

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06 Julho 2018

O Vatican News entrevistou, com exclusividade, o ex-vice-presidente dos Estados Unidos e prêmio Nobel da Paz sobre o compromisso do Papa Francisco com a defesa do ambiente e sobre a importância de uma “revolução da sustentabilidade”.

Prêmio Nobel da Paz, Al Gore é, sem dúvida, um dos líderes mais apaixonados pela defesa do ambiente em nível planetário. O compromisso contra o superaquecimento do globo foi assumido incansavelmente pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos nos últimos 20 anos. Em 2007, seu documentário “Uma Verdade Inconveniente” ganhou o Prêmio Oscar, mas, acima de tudo, levou o tema das mudanças climáticas – até então uma questão “de especialistas” – ao alcance da opinião pública mundial.

Nos últimos dias, o Nobel da Paz liderou um encontro em Berlim da sua organização Climate Reality Project, com centenas de participantes de todo o mundo. Nesta entrevista exclusiva com o Vatican News, Al Gore se debruça sobre o compromisso do Papa Francisco com a defesa do ambiente, sobre a importância da encíclica Laudato si’ e lança um apelo em favor da “revolução da sustentabilidade”.

A reportagem é de Alessandro Gisotti, publicada em Vatican News, 04-07-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

Al Gore, a sua voz é uma das mais fortes em nível mundial pela defesa do ambiente. Por que o senhor é tão apaixonado pela “batalha verde” pelo nosso planeta?

Eu acredito que o propósito da nossa vida é glorificar a Deus; continuar acumulando desprezo e destruição contra a criação de Deus é grotescamente incoerente com o modo como deveríamos viver a nossa vida. Além disso, a crise climática é hoje o mais grave desafio existencial que a humanidade jamais enfrentou. E não só a humanidade está em risco: de acordo com biólogos de renome internacional, quase a metade de todas as espécies vivas com as quais compartilhamos a vida sobre esta Terra correm o perigo de se extinguirem durante este século. O Senhor ordenou a Noé que reunisse na sua arca dois exemplares de cada espécie para “mantê-los vivos com você”: eu acredito que esse pedido também é válido para nós.

Neste momento, estamos usando aquela casca fina que é a atmosfera que circunda o nosso planeta como um “lixão a céu aberto”, despejando lá, diariamente, 110 milhões de toneladas de poluição produzida pelo homem, o que cria superaquecimento e que captura o calor. No total, até hoje, acumulou-se tanta energia térmica em excesso quanto a que seria liberada por 400 mil bombas como a que caiu sobre Hiroshima explodindo a cada 24 horas. As consequências dessa energia térmica extra são evidentes: tempestades mais fortes, chuvas mais violentas, inundações mais destrutivas e grandes deslizamentos de terra, secas extremas e prolongadas, colheitas escassas, escassez de água em muitas regiões, aumento dos incêndios, difusão de doenças, derretimento das geleiras e elevação do nível do mar, junto com a acidificação do oceano e muito mais. Então, realmente não temos escolha. Devemos resolver a crise climática. Como disse o Papa Francisco, “se destruirmos a criação, a criação nos destruirá”.

Tive sorte porque pude investir cada grama de energia no esforço de contribuir para a solução dessa crise. Nisso, me sinto apoiado por milhões de ativistas e líderes de todo o mundo que estão orientando o desenvolvimento de energia limpa para a “revolução da sustentabilidade”. A verdadeira paixão e a energia que eu tenho, provêm justamente desses ativistas e líderes.

Em uma recente entrevista, o senhor que as mudanças climáticas não são uma questão política, mas sim “uma questão moral e espiritual”. Que importância atribui ao fato de que um líder espiritual como o Papa Francisco está tão comprometido coma defesa do ambiente?

A liderança do Papa Francisco serve de inspiração para todos nós, em nível mundial, particularmente pela sua vigorosa e repetida ênfase em favor de uma solução para a crise climática. Sou grato e admirado pela clareza da força moral que ele encarna. O Papa Francisco também fala de modo muito eficaz sobre os mais vulneráveis entre nós, ou seja, os pobres, e ajuda aqueles que o escutam a entenderem que todos nós, indistintamente, somos afetados pela crise climática. Em particular, sua encíclica Laudato si’ marcou um passo crucial para a Igreja Católica ao guiar o mundo a se comprometer a enfrentar a crise climática antes do Acordo de Paris.

Desse e de muitos outros modos, o papa tem estado na vanguarda ao guiar o mundo em uma ação construtiva sobre o clima. Praticamente todos os meus colegas e amigos católicos estão “eletrizados”, desde os ossos, pelo fato de ele estar oferecendo essa liderança espiritual. Assim como eu também.

De maneira mais geral, acho que o ensinamento espiritual obviamente desempenha um papel crucial nas comunidades do mundo inteiro. O papa é um modelo para os líderes de outras tradições religiosas: ele os inspira ao comunicar os perigos decorrentes da crise climática e o nosso dever como “administradores” da Criação para resolvê-la.

Como o senhor sabe, na encíclica Laudato si’ sobre a defesa da casa comum, que o senhor citou, o Papa Francisco afirma que as mudanças climáticas e a pobreza estão profundamente ligadas em muitas regiões do mundo. Como o senhor avalia essa afirmação?

Como o Papa Francisco assinalou, aqueles que vivem na pobreza são afetados de modo desproporcional pela crise climática, que tem um impacto prejudicial sobre o seu acesso aos recursos de primeira necessidade e ameaça a sua saúde. Por exemplo, Porto Rico, onde mais de 40% da população vive abaixo da linha da pobreza, ainda está tentando se recuperar das consequências do furacão Maria, que devastou a rede elétrica do país e as redes de telefonia móvel. E inundou bairros inteiros.

Além disso, a poluição do monóxido de carbono (CO), junto com o dióxido de carbono (CO2) decorrente das emissões de carbono na atmosfera, está adoecendo as pessoas. Sabe-se que permitir uma maior poluição atmosférica nas nossas cidades e nas comunidades menores está adoecendo ainda mais pessoas. Com base no documento Princípios de Justiça Ambiental (declaração aprovada em Washington em 1991), sabemos que os efeitos dessa poluição tem mais probabilidade de afetar aquelas comunidades que foram privadas do poder político e econômico necessário para se defenderem. É aqui que os danos são sentidos primeiramente.

Não são apenas os pobres que são afetados de modo desproporcional pela crise climática. A lista inclui as pessoas com doenças mentais, as pessoas com problemas de saúde pré-existentes, os idosos, os recém-nascidos e as crianças, os sem-teto e as comunidades minoritárias. Por exemplo, nos Estados Unidos, as crianças afro-americanas têm uma probabilidade três vezes maior do que a população em geral de sofrer de doenças ligadas à poluição atmosférica, duas vezes maior de ter asma e dez vezes maior de morrer de asma, em comparação com as crianças das comunidades maioritárias.

 Recentemente, o Papa Francisco exortou os dirigentes das companhias petrolíferas, recebidos no Vaticano, a se comprometerem a produzir energia limpa. O que é necessário para que esse “sonho” se torne realidade?

Estou muito feliz que o Papa Francisco tenha convocado os principais dirigentes no campo da energia e de investimentos para entrarem em acordo sobre a importância de um imposto sobre as emissões de dióxido de carbono. Para alcançar esse objetivo, acima de tudo, é preciso haver uma alternativa válida aos combustíveis e à emissão de poluentes no ar. Felizmente, ela existe. A energia renovável e outras soluções para a crise climática são agora economicamente competitivas em comparação com os combustíveis fósseis. Consequentemente, as grandes companhias de combustíveis fósseis são forçadas a reexaminar seus modelos de negócios. Espero que, uma vez eliminada a dimensão econômica da equação, a escolha moral se torne inevitável para muito mais pessoas e, no fim, prevaleça.

Estamos no início de uma “revolução da sustentabilidade” global, que tem as dimensões e o impacto da Revolução Industrial, mas com a velocidade da Revolução Digital. Facilitadas também pelo surgimento de novas tecnologias e de consumidores cada vez mais informados, as atividades comerciais sustentáveis se difundiram rapidamente nos últimos anos.

Por causa da crescente pressão social e política – e do crescente custo do dióxido de carbono – os governos de todo o mundo, portanto, estão aprovando legislações para reduzir suas emissões. No fim de 2017, a China instituiu um “mercado de CO2”, unindo-se à União Europeia e a outros países, como o Chile e a Colômbia, países que aderiram à imposição de um imposto sobre as emissões de CO2.

A conferência convocada pelo Papa Francisco no Vaticano com os dirigentes das companhias petrolíferas é um sinal realmente encorajador de que essa transição para um futuro sustentável pode se tornar rapidamente realidade e não continue sendo um sonho. Mas precisamos nos mover ainda mais rápido para garantir que essa transição ocorra em tempo útil para evitar os efeitos mais devastadores da crise climática.

 O Climate Reality Project, que o senhor fundou, acaba de realizar o seu 38º encontro de ativistas em Berlim, de 26 a 28 de junho. O que o senhor espera obter com eventos como esse?

Em Berlim, 700 estagiários provenientes de 50 países e de todas as classes sociais se reuniram para três dias de formação intensiva com renomados cientistas e comunicadores, especialistas em clima, para aprenderem como inspirar e orientar suas comunidades para resolver a crise climática. A formação ofereceu uma vasta gama de sessões abertas (e muitas sessões de aprofundamento sobre aspectos particulares da crise e das suas soluções), todas voltadas a identificar modos para sensibilizar a opinião pública sobre a crise climática, criar apoio para as soluções práticas à nossa disposição e pressionar os nossos representantes para que ajam.

Realizamos essa formação em Berlim em um período em que a Alemanha e a União Europeia estão sofrendo gravemente os efeitos da crise climática. Sem uma ação concertada dos líderes governamentais, prevê-se que tais efeitos piorarão significativamente nos próximos anos. A Alemanha, por exemplo, está implementando de modo eficaz uma transição energética do carvão e, desse modo, espera-se que ela servirá de força motriz para que as outras nações da União Europeia revejam suas próprias políticas de ação sobre o clima.

O Climate Reality formou até agora mais de 15 mil ativistas que trabalham em 141 países. O nosso encontro anterior de formação foi realizado na Cidade do México em março passado e, em agosto próximo, realizaremos outro em Los Angeles, na Califórnia.

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