14 Março 2019
Amigo pessoal e padrinho de Marielle Franco na política, o deputado federal Marcelo Freixo, do PSOL, coleta assinaturas para a instalação de uma CPI das Milícias na Câmara dos Deputados. Em 2008, ele liderou uma bem-sucedida investigação contra milicianos no Rio de Janeiro e, desde então, vive sob proteção policial, alvo constante de ameaças. Na entrevista a seguir, ele lamenta a demora da Polícia Civil em avançar nas investigações da morte da vereadora, executada há um ano com quatro tiros na cabeça na região central da capital fluminense, ao retornar de carro de um evento político na Lapa.
A entrevista é de Rodrigo Martins, publicada por CartaCapital, 14-03-2019.
Para o parlamentar, é “estapafúrdia” a tese de que os executores de Marielle agiram por conta própria, em um crime de ódio, como aventado pelo delegado Giniton Lages, responsável pela investigação. “O assassino é um matador de aluguel conhecido na história do Rio. É um psicopata violento, muito perigoso, mas que sempre foi contratado para executar pessoas, faz parte do chamado Escritório do Crime. De repente, no caso de Marielle, ele muda completamente o perfil de sua psicopatia e resolve agir por conta própria, por razões ideológicas? Não faz o menor sentido”, diz Freixo.
O delegado responsável pela investigação classificou o assassinato de Marielle como um “crime de ódio”. O senhor teme que a polícia possa se contentar com essa versão, em vez de ir atrás dos mandantes?
Essa tese é completamente estapafúrdia. O assassino é um matador de aluguel conhecido na história do Rio de Janeiro. É um psicopata violento, muito perigoso, mas que sempre foi contratado para executar pessoas, faz parte do chamado Escritório do Crime. De repente, no caso de Marielle, ele muda completamente o perfil de sua psicopatia e resolve agir por conta própria, por razões ideológicas? Não faz o menor sentido. A Polícia Civil cometeu muitos erros ao longo do último ano. É inadmissível que se conclua ser um crime de ódio, descartando a existência de mandantes. Isso pode passar impressão de que estão tentando proteger alguém, o que não é bom para a imagem da corporação nesse momento.
O senhor vive sob proteção policial desde que presidiu a CPI das Milícias em 2008. No caso de Marielle, há motivos para acreditar que ela também era um alvo dos milicianos, como aponta a investigação?
Marielle não tinha proteção policial porque não era ameaçada, não havia razão de ter. A sua esposa, a sua mãe, a família inteira, ninguém imaginava que ela pudesse ser alvo de um crime como esse. Depois da morte de Marielle é que se vira uma chave, e começamos a entender o Rio de Janeiro de outra maneira. Ela trabalhou comigo por dez anos, acompanhou de perto um conjunto enorme de ameaças que recebi, mas contra ela não havia nada. Por isso, não sabemos quem mandou matar, qual era a motivação, a razão política. Enquanto não for esclarecido isso, não há democracia no Rio. Não pode haver uma força política que usa a violência como método, como forma de eliminar adversários, livre para matar novamente.
A polícia levou um ano prender os suspeitos de sujar as mãos na morte de Marielle. Faz sentido tanta demora?
Não. A Polícia Civil cometeu erros muito profundos, eles sabem disso. Há um novo comando que vem dialogando muito com a gente, é mais responsável. O delegado Marcus Vinícius Braga mudou a postura da corporação em relação aos familiares e amigos de Marielle. Esperamos que a prisão dos executores facilite a descoberta dos mandantes do crime. O que não pode é para a investigação sem descobrir quem contratou esses assassinos. Precisamos saber o quanto os suspeitos presos abrem espaço para revelar algo sobre os mandantes.
O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, sugeriu que os assassinos de Marielle podem fazer uma delação premiada e indicar quem os pagou para executar o crime. Como o senhor avalia essa proposta?
Isso não cabe ao governador. Só por não estar mais ao lado de quem rasgou placa em homenagem a Marielle, Witzel melhorou muito, fez um avanço enorme. A discussão sobre delação premiada cabe ao Ministério Público. O governador pode, e deve, dar melhores condições para a polícia realizar o seu trabalho.
O governador não está mais ao lado de quem rasgou a placa de Marielle, mas esteve durante as eleições. Boa parte da base do presidente Jair Bolsonaro apoiou esse tipo de ataque. O que explica tanto ódio contra uma vereadora, uma ativista de direitos humanos?
Esse episódio é um divisor de águas. No dia seguinte à morte de Marielle, havia um grupo que queria matá-la novamente, por não aceitar que uma mulher negra, pobre e da favela estar na Câmara dos Vereadores e ser homenageada no mundo inteiro. De outro lado, havia a esperança, tomando conta da praça, falando em Marielle como um símbolo. Acho que o tempo será implacável com os medíocres, vai condenar ao esquecimento esses boçais que rasgam placa. Ninguém irá lembrar desses medíocres, enquanto a luta de Marielle jamais será esquecida.
O PSOL anunciou que irá pleitear a instalação de uma nova CPI das Milícias, desta vez na Câmara dos Deputados. O senhor acredita que a base governista pode impor obstáculos à investigação, uma vez que integrantes da família Bolsonaro têm laços de amizade e chegaram a propor homenagens a certos milicianos?
Pode haver obstáculos, sim, mas isso não depende do apoio da maioria. Tenho grande experiência parlamentar no Rio. Presidi uma CPI das Milícias com muito sucesso e acho que está mais do que na hora de o Congresso se debruçar sobre o tema, investigar as milícias e suas metástases pelo Brasil. Você tem toda razão em mencionar os laços da família Bolsonaro com essa turma. Eles podem e vão tentar bloquear. Mas, se algumas bancadas nos apoiarem, vamos conseguir efetivar essa investigação.
O deputado Jean Wyllys e a escritora Márcia Tiburi deixaram o Brasil em virtude de ameaças. O senhor teme pela sua vida? Cogita seguir o mesmo caminho deles?
Convivo há dez anos com esse tipo de ameaça. Tenho um respeito muito grande por quem não se sente seguro de continuar no Brasil, essa é uma decisão muito pessoal, mas isso não passa pela minha cabeça. Tenho uma estrutura de segurança da qual não descuido nunca. Tenho as minhas precauções, nunca normalizo isso. O que mais pode garantir a minha segurança e a dos demais companheiros do PSOL é a revelação de quem mandou matar Marielle, que grupo político ordenou essa execução. Esse é o elemento de segurança que a gente quer.
Como tem sido a espera por Justiça por parte dos familiares e amigos mais próximos de Marielle?
Muito angustiante, o tempo é nosso inimigo. Falo com a família dela todos os dias. A Mônica (Benício, viúva de Marielle) trabalha comigo, mas estou sempre em contato com Dona Marinete, com o Seu Toninho (pais da vereadora). Estou sempre na casa deles. É uma dor muito profunda, não passa. Pedir justiça é diferente de desejar vingança. Saber quem mandou matar não nos traz de volta Marielle, mas pode evitar a morte de outras Marielle. Se a gente se contentar em descobrir só quem apertou o gatilho, achar que o caso está resolvido, esse grupo político que usa a violência como método vai continuar matando.
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“O tempo é nosso inimigo”, diz Freixo sobre investigação do caso Marielle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU