06 Junho 2022
Segundo o bispo de Fréjus-Toulon, o Papa Francisco não aboliu o missal de João XXIII, mas quer garantir que aqueles que o seguem permaneçam na unidade da Igreja universal e que permaneçam fiéis ao desejo de reconciliação desejado por seu predecessor Bento XVI.
Na diocese de Fréjus-Toulon, numerosas comunidades religiosas e paróquias praticam a forma extraordinária do missal romano, em plena comunhão com o Ordinário local e em fidelidade ao Concílio Vaticano II. Isso basta para mostrar a incompreensão que esses fiéis podem sentir diante das restrições introduzidas pelo motu proprio do Papa Francisco no uso da Missa Tridentina.
Para D. Dominique Rey, que se alegra com a "grande força missionária" das comunidades tradicionais de sua diocese, o motu proprio pode contribuir para reforçar o diálogo e a integração de todos os fiéis em relação à missão evangelizadora da Igreja, sem renunciar a uma "liturgia tão fecundo em termos de santidade e vocações". Entramos em contato com ele para conversar a respeito.
A entrevista com Dominique Rey é editada por Philippe de Saint-Germain, publicada por Aleteia, 28-07-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como outros bispos da França, o senhor também se alegra com o "espírito evangélico e a comunhão eclesial" dos fiéis e padres ligados à Missa Tridentina e presentes em sua diocese. O senhor entende a perplexidade e a inquietação que o motu proprio Traditionis Custodes despertou neles?
No Var, a grande maioria dos católicos ligados à Missa Tridentina procura realmente integrar-se no tecido diocesano, tecer relações fraternas com os outros fiéis e com outros sacerdotes e trabalhar em conjunto com eles, na mesma caridade. Essa decisão tomada pela Igreja universal pode, portanto, dar a impressão de negar seu desejo de unidade, vivido na minha diocese como em muitas outras dioceses francesas.
Além disso, essa carta apostólica também pode ter sido mal interpretada por numerosos católicos ligados ao missal reformado, que frequentaram ou não as riquezas da anterior. Todos devemos receber esse motu proprio em obediência e em confiança. Acredito que os fiéis ligados à Missa Tridentina que se associarão aos cuidados para a unidade manifestados pelo Santo Padre mostrarão aos bispos que a forma extraordinária pode ter em suas dioceses o seu lugar. Já estou convencido disso, no que diz respeito à minha.
Você compartilha da dupla “angústia” do Papa Francisco diante das derivas litúrgicas, mas também diante da atitude dos católicos que teriam abusado da proteção de Bento XVI para rejeitar o ensinamento do Concílio Vaticano II?
O Papa Francisco tem razão em desconfiar de qualquer tendência ao monopólio, de qualquer tendência a "fazer a própria justiça", segundo a expressão de São Paulo aos Romanos [10,3]. Mais uma vez, porém, não foi isso que experimentei em minha diocese, onde as comunidades tradicionalistas me deram a impressão de alguém que oferece prova de grande fidelidade a todo o magistério da Igreja e, em particular, ao Concílio Vaticano II.
Além disso, de fato, essa tendência não é propriedade peculiar e exclusiva das comunidades ligadas ao missal antigo, e o papa lembra em Traditionis Custodes que o missal reformado está sujeito a inúmeros abusos. Todas as comunidades, especialmente se seguem regras específicas ou se não estão enraizadas na Tradição, podem tentar arrogar-se a lei, os sacramentos e até a graça. Esses bens, porém, não são propriedade privada de ninguém: são dons divinos, e cabe à Igreja recebê-los e administrá-los para todos. Nesse sentido, a missão dos cristãos não é aquela de “apropriar-se” da liturgia ou dos sacramentos, mas conquistar o coração dos pecadores. A Igreja existe para todos os homens [2Cor 12,14], e o papel do bispo e dos sacerdotes é, portanto, fazer com que eles possam se incorporar cada vez mais ao Corpo de Cristo, do qual recebam plenamente a vida divina.
O Papa Francisco o confirmou, como bispo, como guardião da vida litúrgica de sua diocese. Que medidas pretende tomar para aplicar o motu proprio?
Eis então... Conto acolher e aplicar esse motu proprio no sentido de uma maior comunhão missionária entre os fiéis, porque a missão é o nosso denominador comum: a Igreja existe para evangelizar, disse Paulo VI; existe para o que ainda não é a Igreja. Essa comunhão realiza-se através de uma fé, uma esperança e uma caridade comuns. A comunhão não se faz por decreto: é recebida na Eucaristia e se desenvolve no serviço e no diálogo.
Essa unidade não procede apenas da liturgia, mas também do empenho fraterno e da vida pastoral. Não é uma justaposição de sensibilidades nem uma uniformização administrativa: aspira a ser integradora e missionária. É claro que a incorporação ao Corpo de Cristo nunca é alcançada tão bem quanto na Eucaristia e por meio da Eucaristia. A diversidade das formas litúrgicas - latinas ou orientais - dentro do catolicismo não prejudica essa unidade, porque seu coração é o mesmo, graças à presença real e substancial de Deus. O Papa Francisco, aliás, não aboliu o missal de São João XXIII, mas quer certificar-se de que aqueles que o seguem não se afastem da Igreja universal, que permaneçam fiéis ao desejo de reconciliação desejado por seu predecessor Bento XVI.
A Igreja é muito apegada ao princípio da subsidiariedade, e é por isso que o Santo Padre quer que o motu proprio seja aplicado segundo o discernimento dos Bispos, de acordo com as realidades de cada diocese. Na diocese de Fréjus-Toulon, no ano passado elaboramos a “Carta São Leôncio”, que organiza em particular dentro da diocese o acolhimento e a integração de padres e das comunidades ligadas à missa tridentina. Essa carta, votada por unanimidade pelo conselho presbiteral, pede a todas as pessoas e realidades eclesiais da diocese a aceitação do Concílio Vaticano II, em particular a sua reforma litúrgica, bem como a do magistério do Santo Padre.
Como exige o motu proprio, nomearei um delegado episcopal que encarregarei de acompanhar essas comunidades para favorecer sua integração em nossa diocese. Como pastor do rebanho que me foi confiado, devo estar próximo de todos os católicos do Var, reuni-los na fé da Igreja, mas também mobilizá-los para o anúncio do Evangelho a todos aqueles que estão distantes da fé e da Igreja. Não pretendo, portanto, deixar inertes os fiéis ligados à liturgia tridentina, que têm uma grande força, e por isso encontrarei soluções para que esses católicos possam estar perfeitamente unidos à vida eclesial, sem serem obrigados a renunciar a uma liturgia tão fecunda em termos de santidade e de vocações, através dos séculos e até aos nossos dias.
Vamos fazer uma previsão. Na sua opinião, é possível realmente progredir no sentido de um enriquecimento das duas formas do rito romano, de modo que a tensão entre as sensibilidades litúrgicas cesse?
Tal enriquecimento mútuo das duas formas do rito romano já foi experimentado em muitas comunidades, mas as reformas litúrgicas devem ser conduzidas com pedagogia, delicadeza e perseverança, para que deem frutos. Além disso, o missal de São João XXIII sofreu algumas mudanças, sob os pontificados de Bento XVI e de Francisco: isso é normal na Tradição viva da Igreja. Além de um enriquecimento estritamente litúrgico das duas formas do rito, já pude constatar um autêntico enriquecimento fraterno, digamos mesmo, um fenômeno emulativo entre cristãos de sensibilidades diferentes. De um grupo a outro, constato nas gerações mais jovens um verdadeiro apego ao Magistério, a busca pela evangelização de uma liturgia bem cuidada, o desejo de integrar-se numa grande família paroquial e a necessidade de um anúncio querigmático vivido juntos. E assim, esse diálogo entre comunidades e grupos de diferentes sensibilidades deve ser benéfico para a vida eclesial, bem como um testemunho de unidade.
Na França, as tensões entre fiéis de diferentes sensibilidades litúrgicas serão - espero - amplamente superadas em poucos anos. A reconciliação desejada por Bento XVI já deu grandes frutos em numerosas dioceses.
Acredito que a vitalidade das comunidades tradicionais, nas quais a idade média dos padres é de 38 anos, poderá ser uma promessa para o futuro da Igreja, na medida em que desenvolvemos aquela comunhão missionária que Cristo e o mundo esperam de nós.
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D. Dominique Rey: “Receber Traditionis Custodes em obediência e confiança” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU