20 Mai 2015
Celebrar o Concílio Vaticano II – especificamente seus 50 anos – é reconhecer com modéstia, não apenas um acontecimento eclesial e teológico, mas um “evento de Deus” na vida da humanidade a partir do testemunho sincero, eloquente e livre dos cristãos católicos na sua experiência eclesial, social e pública. Nesse espírito de celebração, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU promove um Colóquio Internacional (19 a 20 de Maio de 2015) – com o rigor científico que lhe é próprio –, e nos convida a refletir sobre “A Igreja no contexto das transformações tecnocientíficas e socioculturais da contemporaneidade”. Ao longo desses dias diversos(as) pesquisadores(as) e professores(as) nacionais e internacionais empenhados(as) na reflexão crítica e vital, auxiliaram na reflexão da temática proposta.
O relato é de Jeferson Rodrigues, mestre em Teologia pela PUC-RS, e que atua no Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
1ª Conferência
Vaticano II: a crise, a resolução, o fator Francisco
Foto: Jéferson Rodrigues |
A reflexão de John O’Malley é perpassada pela hermenêutica da reconciliação (João XXIII) – como experiência possível e esperada – para a Igreja em sua relação consigo mesma e com os seus interlocutores externos, sobretudo no momento histórico que propunha uma renovação de suas estruturas eclesiais. Nesse sentido, a “reconciliação” encontra-se como resposta vital a “crise” ocasionada pela modernidade – entendida como “o longo século XIX” –, ou ainda, a partir de sua “abertura ao mundo” reconciliar os desentendimentos históricos que afastaram os ambos interlocutores de um autêntico entendimento.
John O’Malley acena cinco elementos que norteiam o enfrentamento da “crise moderna” pela Igreja: multiculturalismo, pluralismo religioso, mudanças radicais na política e na sociedade, consciência histórica, a questão dos “homens e mulheres de hoje”. Enfrentada os elementos de “crise” é oportuno precisar o estilo adotado pelo Concílio – retórica epidíctica ou demonstrativa. É um estilo articulado por três elementos: forma, vocabulário e intertextualidade. Com isso, os documentos conciliares não podem ser tomados isoladamente, compõem um corpus unitário e coerente. A pastoralidade é um “fio condutor” visível e salutar. Não fixado nos “anátemas”, mas ampliado a compreensão e a consciência de uma Igreja “mãe amorosa de todos” (cf. João XXIII). O espírito de abertura e de reconciliação encontra no serviço exercido pelo papa Francisco um chão fecundo.
John O’Malley acentua que Francisco não é uma papa conciliar, ou seja, que este não interviu diretamente no Concílio. Mas, através de palavras e de ações - permeadas do “espírito do Concílio” – demostra uma autêntica recepção e interiorização do Concílio. Nesse sentido, a hermenêutica da reconciliação – desejada por João XXIII – encontra no ministério de Francisco, como bispo de Roma, um lugar primordial e torna-se expressão eloquente de uma vivência humana e libertadora – denunciando as estruturas que não auxiliam o progresso humano no mundo de hoje: a globalização da indiferença, o sofrimento dos pobres, o sofrimento dos migrantes, etc. Enfim, a hermenêutica da reconciliação – desde João XXIII até Francisco – é um elemento teológico fundamental não apenas para reconciliar um passado de amarguras, mas pensar um presente e um futuro mais humano e solidário, que transparece verdadeiramente a “face materna e amorosa” da Igreja.
1ª Mesa Redonda
O Concílio Vaticano II e a Igreja no Brasil: Olhares prospectivos
Sérgio Coutinho - Paulo Suess - José Oscar Beozzo
Foto: Jéferson Rodrigues |
Sérgio Ricardo Coutinho apresenta uma reflexão sobre “O Concílio Vaticano II e a Igreja no Brasil: olhares prospectivos”. Inicialmente perpassa uma Historia dos Conceitos (Koselleck), passando por três dimensões: conceitos podem ser registrados em seu surgimento original (tempo curto), podem ser continuados por meio de sua reprodução (tempo médio) ou reescrito, ressignificados, ressemantizados, ou até mesmo, esquecidos.
Sérgio Coutinho analisou os textos da Conferência dos Bispos do Brasil (CNBB) acentuando a recepção dos Concílios e os temas fortes trabalhados em cada década, como resposta possível:
1962, Plano de Emergência – Renovação (Pastoral), Igreja, Comunidade, Pastoral (conjunto), Paróquia, Realidade, Plano (planejamento);
1966-1975, Plano Pastoral de Conjunto – Renovação, Igreja, Comunidade, Pastoral;
1975-1985, Diretrizes Gerais da Ação Pastoral – Evangelização, libertação (integral), Pobres (opção preferencial), Comunicação e Participação;
1995-2015, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora – Nova Evangelização, Centralidade de Jesus Cristo, Pequenas Comunidades Eclesiais, Caminho para a santidade, Mudança de Época, culminando com a 53º Assembleia Geral dos Bispos e as palavras chaves acentuadas por Dom Murilo Krieger santidade, Jesus Cristo, contemplação, alegria, misericórdia, missões, leigos, liturgia, unidade e esperança.
Paulo Suess apresentou uma memória como “voo-conciliar: a permissão de rupturas” e “voo pós-conciliar recalcado”.
A primeira é acentuada por sete elementos: da pastoral dedutiva à pastoral indutiva, do monopólio salvífico ao diálogo inter-religioso, do caçador de borboletas ao jardineiro, da salvação de almas à salvação de vida, da adaptação à enculturação, da missão ad gentes à missão inter gentes e da missão clerical de uma igreja sedentária a missão de uma Igreja peregrina. A segunda é desenvolvida assim: amenizar as rupturas com costuras, o calcanhar de Aquiles: a historicidade como verdade, prospectiva anti-sistêmica.
José Oscar Beozzo apresentou uma análise da prospectiva do Concílio a partir do que nele faltou, ou seja, situações emergentes e concretas de nossos tempos: Juventude, Pastoral Urbana, Mulheres, etc. Explorou um universo hoje candente, o mapa demográfico das religiões no mundo e no Brasil, acentuando aos índices de crescimento dos Evangélicos Pentecostais e dos “Sem-religião”: os sujeitos do primeiro grupo desafiam a pensar um “ecumenismo” que amplie seu modo de ser; já os sujeitos do segundo grupo colocam duas questões interligadas – a impossibilidade dos contextos institucionais articularem uma “vivência de fé” carrega de sentido para vida da pessoa humana e a impossibilidade de uma linguagem comum capaz de dialogar com sujeitos, que normalmente são intelectuais de outras áreas do conhecimento.
2ª Mesa Redonda
Itinerários do diálogo da Igreja com a contemporaneidade
John O'Malley - Gilles Routhier - Christoph Theobald
Foto: Jéferson Rodrigues |
O diálogo é um “exercício de falar e ouvir”. Nesse sentido, John O’Malley propunha a reflexão a partir de algumas questões: quem fala? Quem escuta? Qual é a finalidade da fala e da escuta? É preciso ultrapassar a “linguagem eclesiástica” e adentrar num espaço mais amplo: articulando uma palavra e uma presença relevante, sobretudo enraizada no Evangelho – sempre tendo o cuidado para não fazer do Evangelho uma simples mensagem humanitária (mensagem do agrado), ou ainda, um evangelho moralizado (causa de peso para vida das pessoas). A radicalidade do Evangelho implica a encarnação fecunda de uma presença atuante, sempre respeitando aquilo que distingue e fundamenta – projeta e compromete.
Gilles Routhier acentuava um itinerário e elevava questionava a expressão corriqueira, sobretudo entre os estudantes: “a Igreja diz”. A base da sua reflexão não está numa “Igreja falante” compreendida como Roma, Bispos, mas nos “filhos e filhas da Igreja” que inseridos no mundo falam com seu testemunho eloquente. É uma presença infusa, que testemunha o “lugar” devido do Evangelho no espaço público e social. O diálogo não é algo abstrato, mas um conceito radicado no ato de reconhecer o outro e explicitado por uma prática e uma atitude: palavra, silêncio, resposta, encontro. É uma relação necessitada de simetria, para não ocorrer sobreposição nem desonestidade entre os articuladores de um autêntico encontro dialógico.
Christoph Theobald busca uma reflexão a partir do plural e mostra que nem sempre a coabitação é harmoniosa, inclusive bastante caótica e conflitiva. É preciso superar um modelo, que perpassa de algum modo os documentos do Concílio: integralistas, intransigente e utópico.
No final da jornada, foi apresentado o livro La réception du Concile Vatican II: Accéder à la source. Paris: du Cerf, 2009, 994pp.
Após a apresentação feita pelo autor da obra, Christoph Theobald, Gilles Routhier e Massimo Faggioli comentaram o livro.
Segundo Gilles Routhier, "não me parece exagero dizer que se trata, atualmente, da contribuição mais importante nesse campo por parte de um teólogo sistemático. Essa obra encontra facilmente seu lugar ao lado das grandes obras que são L’histoire de Vatican II, dirigida por G. Alberigo, e Herders theologischer Kommentar zum zweiten vatikanischen Konzil, dirigida por G. Hilberath e P. Hünermann".
A íntegra do comentário de Gilles Routhier pode ser lida na revista IHU On-Line, no. 465, clicando aqui.
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Vaticano II, 50 depois. Recepção, desafios, prospectivas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU