O misticismo da resistência armada cria ainda mais mortes

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16 Março 2022

 

"Deve-se notar que o ensinamento da Igreja sobre o tema da paz e da guerra, bastante evoluído ao longo do tempo, é rico e articulado. Longe de ser ingênuo e politicamente inexperiente. Concretiza-se precisamente num discernimento pontual das condições de fato e de direito que, seja claro, não excluem de forma alguma a lógica extrema do recurso às armas no direito de defesa (só quem não o conhece pode listá-lo sob a insígnia do dócil pacifismo). Mas, isso sim, aproveitam do ânimo da verdade da 'moral da casuística', aplica-se a fixar cuidadosamente as condições e os limites da defesa armada ('Quando? Sempre? A que custos? Com que previsão?', assim questiona-se Dianich)", escreve Franco Mônaco, ex-deputado e ex-senador italiano, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 15-03-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

As guerras também militarizam o confronto e a discussão. Não ajudam a raciocinar, que é a arte de distinguir. Isso fica evidente quando, como no nosso caso, fica muito claro que se trata de um agressor e de um agredido, um carrasco e uma vítima, é obrigatório tomar partido; engajar-se para ajudar a vítima e parar o carrasco. Isso não deveria nos impedir de raciocinar e discutir laicamente, sem anátemas, sobre como, sobre o caminho e os meios mais eficazes para perseguir esses dois objetivos e, em particular, sobre as formas e limites da defesa armada contra o invasor. Resistindo à tentação de caricaturar o ponto de vista de quem pensa diferente.

 

Em um de seus escritos na Settimananews, retomado outro dia em uma entrevista nestas páginas, Severino Dianich, teólogo respeitado, confessa seu desconforto diante de um humor que, partindo de uma "sacrossanta indignação", se espraia até a “mística da defesa armada” e, vasculhando o magistério da Igreja (seu catecismo universal), aponta que, entre as condições e os limites da defesa armada, está aquela das chances fundamentadas de sucesso. Assim lemos no Catecismo da Igreja Católica: “Recomenda-se considerar com rigor as condições estritas que justificam a legítima defesa com a força militar. Esta decisão, pela sua gravidade, está sujeita a rigorosas condições de legitimidade moral”. Entre estas, cito, "que existam condições fundamentadas de sucesso".

 

No nosso caso, francamente improváveis. Para não pagar um preço elevadíssimo desnecessariamente.

 

Deve-se notar que o ensinamento da Igreja sobre o tema da paz e da guerra, bastante evoluído ao longo do tempo, é rico e articulado. Longe de ser ingênuo e politicamente inexperiente. Concretiza-se precisamente num discernimento pontual das condições de fato e de direito que, seja claro, não excluem de forma alguma a lógica extrema do recurso às armas no direito de defesa (só quem não o conhece pode listá-lo sob a insígnia do dócil pacifismo). Mas, isso sim, aproveitam do ânimo da verdade da "moral da casuística", aplica-se a fixar cuidadosamente as condições e os limites da defesa armada ("Quando? Sempre? A que custos? Com que previsão?", assim questiona-se Dianich). O mal-estar do teólogo é significativo, pois sente no ar um misticismo de resistência armada sem ‘se’ nem ‘mas’, e, eu acrescento, delegada a outros e por eles - não por nós - paga a um alto preço.

 

Aliás, observo que, talvez não surpreendentemente, os mais empolgados em dar voz àquela mística são comentaristas liberais, laicos, no passado de esquerda - boa parte dos quais já foram militantes de Lotta Continua ou Potere operaio - que, pela formação e pela cultura, destacam-se por uma mistura de idealismo (ontem o mito da revolução, hoje uma espécie de fé ocidentalista) e de maquiavelismo e, portanto, de complacência pela força (beirando a violência) como ingrediente da política e parteira da história. Eu me pergunto se, apesar dos clichês, em relação a determinados furores ideológicos que, em um exame mais atento, deveriam no mínimo colidir com uma abordagem laico-liberal, não seja politicamente mais avisado, maduro e "laico", o pacifismo católico de Dianich e do magistério oficial da igreja. Uma ética da responsabilidade genuinamente política que se questiona sobre as consequências concretas e previsíveis - argumenta Dianich - e não se resigna ao lema “fiat iustitia, pereat mundus”. A que corresponde a abdicação da política como alternativa à violência.

 

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