Com o Papa Francisco permanecendo no hospital, é esse o momento em que ficamos em pânico?

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13 Julho 2021

 

De muitas maneiras, o Papa Francisco teve um grande final de semana. No futebol, seu país natal, a Argentina, derrotou o rival Brasil ao vencer a Copa América no sábado, e na noite seguinte, seu país de adoção, a Itália, triunfou sobre a Inglaterra ganhando o título europeu em um jogo que se encerrou nos pênaltis.

Por outro lado, sua semana de trabalho começou com uma nota um pouco mais amarga. A segunda-feira trouxe a notícia de que sua estada no Hospital Gemelli, em Roma, após uma cirurgia no último domingo para um problema de cólon, vai durar um pouco mais do que o esperado. Originalmente, o Vaticano disse que ele deveria permanecer uma semana, o que acabou no domingo, então disse na segunda-feira que ele estará lá por “mais alguns dias” para “otimizar a terapia médica e de reabilitação”.

Até agora, a maioria das pessoas parecia disposta a aceitar as garantias reconfortantes do Vaticano sobre a condição do papa pelo valor de face, em parte porque quando o vimos no hospital ele parece muito bem — no domingo, por exemplo, ele rezou seu Angelus dominical, e também vimos um vídeo na segunda-feira dele dando voltas em uma cadeira de rodas para cumprimentar a equipe médica e outros pacientes.

Com toda a sinceridade, os poucos dias extras podem não ser realmente “extras” em primeiro lugar. Sempre foi um pouco bobo para o Vaticano criar a expectativa de que Francisco voltaria para casa em uma determinada data, uma vez que qualquer pessoa que já foi hospitalizada sabe que os médicos simplesmente não se comportam dessa maneira. Eles dirão coisas como: “Talvez você possa ir amanhã ou no dia seguinte, mas vamos ver como serão os seus próximos exames primeiro”, porque tudo depende do ritmo incerto da recuperação individual.

No entanto, esta é a primeira vez significativa no papado de Francisco em que uma declaração otimista do Vaticano sobre a saúde do papa foi refutada pela realidade, o que nos faz pensar: é este o momento em que entramos em pânico?

A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 13-07-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

Na maioria dos sustos papais de saúde, chega um momento em que as pessoas se convencem de que as coisas estão realmente muito piores do que o Vaticano está dizendo, e que o papa está prestes a morrer ou ficar significativamente incapacitado. Essa convicção normalmente gera teorias sombrias sobre quem está realmente no comando e que agenda está sendo perseguida.

Normalmente essa especulação começa e atinge seu apogeu na imprensa italiana, por causa das verdades culturais sobre este país é que os italianos nunca viram uma teoria da conspiração que não estivessem preparados para acreditar. Eles até têm uma palavra para isso, dietrologia, que significa o estudo do que está acontecendo a portas fechadas.

Durante o mês passado, a maioria dos italianos teve muito pouco espaço mental para qualquer coisa que não fosse a notável disputa de sua seleção pela Eurocopa, mas agora que a competição acabou e o papa ainda está no hospital, talvez parte dessa teorização comece a ganhar seriedade.

Se chegarmos ao estágio de pânico nos próximos dias, aqui está uma previsão para um problema que ressurgirá: um debate de décadas ainda não resolvido sobre a incapacitação papal.

Como é bem sabido, o Código de Direito Canônico não prevê a destituição de um papa incapacitado. Existem apenas duas maneiras reconhecidas pelo código para o fim de um papado: morte ou resignação livre e voluntária, que tradicionalmente significa que um papa deve ser consciente e capaz de uma decisão livre e independente no momento em que é tomada.

É claro que Paulo VI previu os perigos de tal exigência. Sabemos que ele escreveu uma carta secreta em maio de 1965, apenas dois anos depois de ser eleito, confiando ao Decano do Colégio Cardinalício, juntamente com os cardeais da Cúria Romana e o Cardeal-Vigário de Roma, a declaração de vago o cargo “no caso de enfermidade, que se presume incurável, ou de longa duração, e que nos impede de exercer suficientemente as funções do nosso ministério apostólico, ou no caso de outro impedimento grave e prolongado que também represente um obstáculo”.

No entanto, a maioria dos canonistas na época em que a carta veio à tona em 2018 disse que, se ela tivesse sido invocada, sua legitimidade estava em aberto, pois, pelo que sabemos, o papa pode ter mudado de ideia nos anos seguintes.

Em parte, essa lacuna na lei reflete eras históricas anteriores em que as pessoas geralmente não demoravam muito tempo depois de serem incapacitadas. Hoje, é claro, a tecnologia médica é tal que as pessoas em estados vegetativos ou outras doenças cronicamente incapacitadas podem viver por longos períodos, até mesmo décadas.

Em parte, também, a falta de qualquer provisão para remover um papa é um produto de amarga experiência histórica, o que sugere que se tal provisão existisse, ela poderia ser explorada para fins políticos ou pessoais para se livrar de papas que alguém não goste. Afinal, não é um grande salto de “ele não está fazendo o que eu quero” para “ele está claramente maluco”.

Durante os últimos anos de João Paulo II, conforme sua doença de Parkinson piorava cada vez mais e o papa se tornava cada vez mais limitado e frágil, a preocupação com o cenário de incapacitação estava no ar. Na época, muitos canonistas reconheceram silenciosamente que a lei provavelmente agora precisasse de algum mecanismo para declarar o papado vacante, mas disseram que teria que ser obra de um futuro papado porque trazê-lo à tona poderia parecer que eles estavam tentando apressar a saída de João Paulo.

Muitos especialistas acreditam que o que é necessário é que um sistema em alguma entidade, provavelmente o Colégio de Cardeais, seja investido com a autoridade para declarar uma sede vacante, o que significa que o assento do papa está vago, sob certas circunstâncias rigorosamente definidas. O voto do colégio provavelmente teria que ser unânime, ou muito próximo disso, para eliminar qualquer percepção de motivos políticos no resultado.

Até o momento, pouco se falou sobre o problema da incapacidade sob o Papa Francisco, em parte porque ele parece tão vigoroso, e porque uma doença de cólon dificilmente é a mesma coisa que Parkinson. No entanto, ele é um homem de 84 anos e, especialmente nessa idade, tudo é possível.

Resta saber se esse solavanco no caminho na recuperação de Francisco produz um pânico com força suficiente para reiniciar a conversa — ou, talvez ainda mais improvável, se o Vaticano pela primeira vez vai tentar desarmar a bomba antes de explodir e decidir por abordar a questão mesmo na ausência de um pânico total.

 

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