08 Setembro 2020
Desde 1983, no dia 5 de setembro é comemorado o Dia da Mulher Indígena, lembrando a data em que Bartolina Sisa, líder do povo aymara, foi assassinada. Em 1782, ela foi morta depois de liderar uma revolta indígena contra a coroa espanhola na cidade boliviana de La Paz.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
A importância da mulher é decisiva para a vida da humanidade, também nas sociedades indígenas. Mas devemos reconhecer que tradicionalmente a história tem sido contada pelos homens, segregando as mulheres a um papel secundário, algo que se perpetua nos dias de hoje. Esta situação deve nos levar a uma reflexão que conduza ao empoderamento das mulheres.
Escutar as vozes das mulheres indígenas nos ajuda a descobrir como elas se enxergam. Juciele Aguiar Moura é uma jovem indígena do povo tukano, nascida na região do Alto Rio Negro, na fronteira entre o Brasil e a Colômbia. Ao falar da mulher indígena, ela diz que "a mulher indígena é diferente, ela é uma pessoa mística, que muitas vezes ela faz reflexões muito profundas". Mas ela reconhece que o homem ainda tem uma influência muito grande na vida da mulher. De fato, segundo ela, "a mulher indígena nunca celebra o dia dela como pessoa humana que tem seu próprio mundo, ela está mais no mundo do homem do que dela".
Juciele Aguiar Moura. (Foto: Luis Miguel Modino)
Juciele, que é religiosa Catequista Franciscana, vê a mulher indígena como "uma grande guardiã, mesmo nos lugares estranhos, ela tem sabedoria de interagir com a natureza, pois muitas vezes a mulher indígena rionegrina é estrangeira na comunidade do marido". Trata-se de um costume na região do Alto Rio Negro o casamento entre homens e mulheres de diferentes povos, indo as esposas a morar nas comunidades dos maridos. Nessa situação, segundo a jovem indígena, a mulher "tem que enfrentar todos os desafios para se fazer uma nova moradora do lugar, com toda sua preparação de vida de uma mulher, principalmente nas atividades domésticas que irá assumir praticamente sozinha, além de cuidar dos filhos".
De fato, Juciele insiste em que "a mulher indígena é batalhadora, ela trabalha para se proteger, a mulher trabalhadora, ela é respeitada pelo trabalho que ela faz". Na vida da mulher indígena acontece uma luta interior, pois segundo a religiosa, "ser mulher indígena, pra mim, é muito desafiador, tem que criar asas ou garras pra poder sobreviver, se defender diante de suas necessidades". A jovem do povo tukano afirma que "tem dois caminhos para a mulher indígena: ela se acostuma com a nova realidade ou luta por seus costumes de origem, pois cada família tem sua origem étnica".
(Foto: Luis Miguel Modino)
Ela considera "a mulher indígena como uma guerreira, mas na visão do cultura indígena, ela é guerreira por estar ao lado do homem". Diante disso, Juciele afirma que "na minha visão indígena, independentemente do homem, ela pode ser guerreira, mística, sábia, líder de si mesma e de seu povo, pois ela se empodera no cuidado do seu povo. Antes de ser indígena ela já era mulher, significa que ela tem seus mistérios pra se cuidar".
Inclusive, "a mulher indígena é mais liderança do que os homens, mas muitas vezes, elas não se admitem, elas pensam que não têm essa força". Isso é algo que faz parte de uma cultura em que, segundo a religiosa, "muitas vezes os homens também dizem que as mulheres não podem falar, não podem expressar isso". Essa atitude também faz parte do pensamento das próprias mulheres, pois "as mães, as sogras, dizem para as filhas, para as mulheres mais jovens, que não podem falar". De fato, "essa cultura de não expressar, para nós existe muito, porque eu como filha não posso falar contra aquilo que os homens dizem, não tenho vez de falar, parece que não tenho voz para poder expressar", segundo a jovem indígena, que vê isso como consequência de que "tem que respeitar o líder, principalmente o homem, mas eu vejo que as mulheres são mais organizadoras na liderança".
(Foto: Luis Miguel Modino)
Entre os desafios de cara ao futuro que a mulher indígena, sobretudo as mais jovens, tem que enfrentar, está segundo Juciele, "a autonomia de poder expressar aquilo que sentem". Para isso tem que se dar uma "quebra de paradigma, é muito difícil enfrentar isso diante das mães e principalmente diante dos pais, mas mais duro ainda quando a gente tem bisavó e avó viva, não consegue quebrar, tem muitas barreiras para elas também enxergar o outro lado da autonomia de uma mulher, porque muitas vezes, ela ignora aquilo que sente, aquilo que pensa". Essa forma de entender a realidade está tão presente na vida da mulher indígena, que "ela pensa que aquilo que ela sente, que ela pensa, não tem valor significativo, que não pode sentir isso, não pode fazer isso. Ela não se humaniza a ela mesma, vive no meio de uma escravidão de ordens, de valores, porque muitos valores e ordens de uma comunidade são criados", segundo a indígena do povo tukano.
(Foto: Luis Miguel Modino)
Querida Amazônia destaca a força e o dom das mulheres, mas também denuncia as "graves violações dos direitos humanos e novas escravidões que atingem especialmente as mulheres, a praga do narcotráfico que procura submeter os indígenas, ou o tráfico de pessoas que se aproveita daqueles que foram expulsos de seu contexto cultural". Nas comunidades amazônicas, também aquelas que fazem parte dos povos originários, as mulheres sempre tiveram um papel fundamental na vivência da fé. O Papa Francisco destaca a "presença de mulheres fortes e generosas", afirmando que "no Sínodo, elas mesmas nos comoveram a todos com o seu testemunho". É tempo de valorizar, cada vez mais a importância da mulher indígena, também na Igreja.
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Dia Internacional da Mulher Indígena: momento de lutar para “poder expressar aquilo que sentem” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU