“Para que você está aqui?”, pergunta Timothy Radcliffe, prestes a completar 75 anos

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15 Agosto 2020

Ao se aproximar dos 75 anos de idade, o ex-mestre da ordem dominicana reflete sobre a eterna pergunta – a mesma pergunta que Deus fez a Elias.

O comentário é do frade dominicano Timothy Radcliffe, em artigo publicado por The Tablet, 13-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Eu suponho que quase todo mundo se faz a pergunta: “O que eu devo fazer em seguida?” em algum momento das nossas vidas; quando alguém termina os seus estudos, talvez, ou quando é atingido por algum tipo de crise de meia-idade, ou quando se aproxima do fim.

Meu último livro, e provavelmente meu último, “Alive in God: A Christian Imagination”, foi publicado no outono passado. Ele inclui a maior parte daquilo que eu tenho desejado dizer nos últimos anos. É claro, não há nenhuma razão para esperar que Deus deseje algo em particular de mim agora. Mesmo na gerontocracia da Igreja Católica, os bispos apresentam a sua renúncia nessa idade e penduram as suas mitras.

Mas eu tinha a sensação de que poderia haver alguma nova tarefa a ser realizada, ou questão a ser explorada, ou desafio ao qual eu deveria responder. Então, pedi um período sabático de seis meses para refletir sobre isso.

A minha ideia era ouvir o Senhor estudando as Escrituras, ter momentos de silêncio e ver o que eu poderia ouvir, se é que poderia ouvir alguma coisa.

Comecei com um mês na Escola Bíblica Dominicana em Jerusalém e voei de volta para a Inglaterra alguns dias antes do confinamento. Então, o período sabático foi engolido pelas respostas a um tsunami de e-mails e de reuniões via Zoom, preparando artigos e homilias.

Para muitas pessoas, o isolamento social acabou não significando um tempo livre sem fim. Mas, nos raros momentos de silêncio e tranquilidade, a pergunta continuava me assombrando: o que virá em seguida, se é que virá alguma coisa? O que o Senhor quer de mim?

Quando eu preguei sobre a visita de Elias ao Monte Horeb em 1Reis 19, eu encontrei uma espécie de não resposta que pode ressoar em outras pessoas. Elias foge da horrível Jezabel que, enfurecida com o massacre dos profetas de Baal, persegue a sua vida. Ele cambaleia até o Monte de Deus, buscando a ajuda de Deus.

A narrativa gira em torno da pergunta que Deus faz a Elias antes e depois da grande epifania. Na [Bíblia da CNBB, em português], isso é traduzido como: “Que fazes aqui?”. No hebraico, não há nenhuma referência a fazer algo: “Para que estás aqui?”. Isso tem uma semelhança incrível com a pergunta que eu venho me fazendo.

As perguntas de Deus são muito mais desconcertantes do que seus mandamentos. No início, há a pergunta de Deus ao Adão decaído que está se escondendo no Jardim do Éden: “Onde estás?” (Gênesis 3,9). Há perguntas aterrorizantes de Deus a : “Cinge, pois, os teus rins, como um valente! Vou interrogar-te, e tu me ensinarás” (38,3). Jesus conclui a parábola do Bom Samaritano com uma pergunta: “Qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” (Lucas 10,36). João conclui seu Evangelho com uma pergunta enigmática a Pedro: “Se eu quero que ele (o Discípulo Amado) permaneça até que eu venha, que te importa?”

Em geral, a revelação é considerada como o fato de Deus nos dizer o que fazer, mas, com mais frequência, trata-se de ser posto em xeque pelas perguntas profundas e desconcertantes de Deus.

Então, sozinho na montanha, Elias é confrontado com a pergunta que todos nós fazemos às vezes: “Para que você está aqui?”. Ele acha que sabe a resposta. Ao contrário de Deus, Elias se enfurece e ruge como uma grande tempestade, um grande incêndio, um terremoto humano. “Estou ardendo de zelo pelo Senhor, Deus dos exércitos (...). Só eu escapei; mas agora querem matar-me também.” Eu, eu, eu. É tudo sobre ele. Ele acha que é hora de Deus se esforçar na história de Elias.

Mas Deus subverte a sua narrativa. Ele ordena que Elias desempenhe o seu papel em uma história que não é principalmente sobre ele. Ele deve ir e ungir o Rei da Síria e o Rei de Israel. E então há o verdadeiro choque. Ele deve ungir o seu sucessor. Ele está prestes a ser substituído. E é simplesmente falso que foi ele, e somente ele, que foi fiel. Sete mil joelhos não se curvaram a Baal nem bocas o beijaram.

Elias tem um papel fundamental a desempenhar na história da nossa salvação. Tanto que, no tempo de Jesus, muitos aguardavam o seu retorno do céu. Eles até se perguntavam se João Batista ou Jesus podia ser Elias que voltou. Mas esse não é o papel que Elias pensava que tinha, o qual girava em torno dele mesmo. “Para que você está aqui?” Não para aquilo que ele pensava.

São John Henry Newman disse a famosa frase: “Deus me criou para prestar- Lhe algum serviço definido. Ele confiou alguma obra para mim que não confiou a outro. Eu tenho a minha missão. Eu posso nunca saber dela nesta vida, mas ela me será contada na próxima. Eu sou um elo de uma corrente, um laço de conexão entre pessoas. Ele não me criou para nada”.

Cada um de nós, eu espero, vai ao nosso Monte Horeb de vez em quando para perguntar qual é o propósito das nossas vidas. Isso pode ocorrer quando concluímos os nossos estudos e ponderamos sobre as nossas escolhas profissionais. No maravilhoso filme de Richard Linklater, “Boyhood”, Mason está sentado no deserto com um novo amigo, perguntando-se qual é o sentido de tudo. Ela responde que, embora muitas vezes as pessoas ouçam que devem aproveitar o momento, “é o momento que se aproveita de nós”, assim como se aproveitou de Elias na montanha.

Na metade da nossa vida profissional, perguntamo-nos se precisamos mudar radicalmente de direção. Pensemos nas pessoas que assustaram seus amigos ao abrirem mão de empregos lucrativos na cidade para se tornarem professores escolares. Ou talvez, quando somos velhos como eu, perguntamos se há alguma última tarefa ou projeto que eu deveria assumir.

Mas, em todos os casos, a liberação é encontrar-se em alguma narrativa que não seja sobre mim. Sabemos que não fomos criados para nada, mas fomos criados para desempenhar um pequeno papel no drama universal de Deus.

Podemos nunca saber para que estamos aqui. Tudo o que podemos fazer é ouvir o Senhor que não berra, mas fala em um sussurro baixo, com uma voz mansa e delicada, naquilo que Lukasz Popko OP, da Escola Bíblica, me diz ser mais bem traduzido como “um tênue silêncio” [a thin silence] (1Reis 19,11-12).

O que eu ouço pode ser alguma nova orientação importante para a minha vida ou apenas um pequeno empurrãozinho para fazer algo hoje.

“E o fim de toda a nossa exploração / Será chegar aonde começamos / E conhecer o lugar pela primeira vez” (T. S. Eliot, Quatro Quartetos). Essa tem sido a experiência do meu período não sabático.

A pergunta permanece: para que estou aqui? Não importa que a resposta não seja mais clara. Terry Eagleton afirma que “os atos mais florescentes são aqueles realizados como se fossem os últimos, e são assim realizados não pelas suas consequências, mas para o seu próprio bem”.

Eu só sei o que devo fazer hoje, que é responder ao pedido do editor de escrever para o 180º aniversário da The Tablet sobre como é completar 75 anos de idade.

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