Grilagem, garimpo e subnotificação reforçam invisibilidade e iniquidades dos indígenas em meio à pandemia

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29 Mai 2020

Com o título Invisibilidades e iniquidades na Amazônia: povos indígenas e a Covid-19 a Ágora Abrasco recebeu em 21 de maio pesquisadores indígenas e não indígenas para refletir sobre as dificuldades que os povos originários, em particular os localizados na Amazônia, enfrentam durante a pandemia. Como consenso um triste retrato: o preconceito e iniquidades estruturais só agravaram com a disseminação do SARS-CoV-2.

A reportagem é de Bruno C. Dias e Maria Thereza Reis, publicado por Associação Brasileira de Saúde Coletiva - Abrasco, 28-05-2020.

Participaram do painel Valéria Paye Tiriyo-Kaxuyana, integrante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); Inara do Nascimento Tavares, professora do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e integrante do Grupo Temático Saúde Indígena da Abrasco; Pedro Rapozo, professor do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade do Estado do Amazonas (PPGICH/UEA) e coordenador do grupo de pesquisa Núcleo de Estudos Socioambientais da Amazônia (NESAM/UEA) e Alcida Rita Ramos, professora titular emérita da Universidade de Brasília. A coordenação foi de Luiza Garnelo, integrante do Conselho Deliberativo da Abrasco e pesquisadora do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia).

Luiza Garnelo deu início ao painel falando em números e em invisibilidade. “Temos, segundo o IBGE, 896.900 índios, em suas terras, e no território brasileiro. Na Amazônia, 342.800. São números estimados, pois há populações que não aparecem nas estatísticas oficiais”. Luiza também explicou que os povos, espalhados por todo o território nacional, são atendidos, na saúde, pelo Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, o SasiSUS, parte constitutiva do SUS, coordenada pela Secretaria Especial de Saúde Indígena, a Sesai. Luiza pontuou que os problemas enfrentados pela rede são agravados pela situação de extrema vulnerabilidade social, que se agudizam com a pandemia, em “pessoas completamente destituídas de oportunidades, que têm seu território ameaçado, têm suas vidas roubadas, desde que o primeiro colonizador pisou nas praias brasileiras”.

Valéria Paye Tiriyo-Kaxuyana ressaltou o momento atual e o preconceito estrutural às populações indígenas. “Vemos uma política de genocídio. Não há uma preocupação com as vidas, muito menos para os povos indígenas. Há um preconceito institucional e estrutural no Estado”. O painel aconteceu no dia 21 de maio, um dia antes da divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, quando Abrahan Weintraub, ministro da educação, proferiu seu ódio à diversidade: “Odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio. O ‘povo cigano’. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré. […] Acabar com esse negócio de povos e privilégios”, disse o ministro. O Ministério Público Federal pediu explicações a Weintraub.

A integrante da COIAB demonstrou ainda preocupação com a falta de estrutura e organização do subsistema de saúde indígena e com a subnotificação de casos de Covid-19. “A gente sabe que a subnotificação está acontecendo na sociedade como um todo e esse preconceito enraizado está levando aos registros da negação das nossas identidades, do nosso jeito de nos organizar. Há denúncias de pessoas que são identificados em postos [de saúde] como pardos”, afirmou.

Ao final, Valéria falou demonstrou preocupação com os rumos dados ao projeto de lei 2633/2020, que partiu de uma iniciativa popular para abrir possibilidade de legalizar a grilagem. “O isolamento dos povos continua deixando-os vulneráveis, porque apesar deles estarem nos seus territórios, nos seus espaços, os invasores de toda natureza não estão descansando e estão aproveitando este momento para ocupar, para invadir as terras indígenas”, e completou “Nós não podemos contar com o Executivo, pois desde o início fomos declarados como inimigos e o inimigo você tem que acabar, você tem que matar”.

Planos de ação para a proteção dos povos indígenas

Inara do Nascimento Tavares iniciou sua fala abordando desigualdades e iniquidades, fez reflexões para o momento de luto e destacou as ações de autonomia dos povos indígenas diante do risco de genocídio, não só durante a pandemia, e as ações das associações científicas que se posicionam politicamente frente a um Estado genocida. “O princípio da equidade do SUS deve abraçar povos indígenas e quilombolas, precisa atender as diversidades e deve combater as iniquidades estruturais” sentenciou Inara, ressaltando a autonomia dos povos originários para o exercício da equidade.

A integrante do GT Saúde Indígena da Abrasco comentou sobre nota da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), quando do cancelamento do Acampamento Terra Livre, uma grande assembleia de povos indígenas que acontece há 16 anos na capital federal: “Quando o movimento indígena decidiu pelo cancelamento do Acampamento Terra Livre, a nota da Apib deixa clara a necessidade de enfrentar essa pandemia e entendê-la como uma agressão à vida”, afirmou.

“Temos que votar o PL como foi pensado”, disse a pesquisadora sobre o Projeto de Lei 1142/20, que dispõe sobre a criação do Plano Emergencial de Enfrentamento à Covid-19 para povos indígenas. O projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 21 e agora segue para votação no Senado. No fim, Inara pontuou ainda sobre a importância dos profissionais de saúde. “Se a situação não está mais perigosa é porque estão havendo ações no território, em especial por agentes de saúde”.

Pedro Rapozo iniciou sua fala saudando profissionais de saúde que trabalham nas comunidades rurais nos territórios indígenas, os pesquisadores e a universidade. “Em meio a esta crise, a nossa existência e a nossa resistência continuam, em todos os momentos e de todas as formas”. Ele afirmou que “a Amazônia brasileira e os povos originários nunca estiveram alheios aos processos de globalização da economia capitalista mundial e todo impacto causado por esse processo. E o percurso desse processo tem ignorado o conhecimento científico e os saberes tradicionais dos povos indígenas. É necessário compreender que essa desigualdade e essa invisibilidade são socialmente produzidas pelas políticas genocidas do Estado”.

O pesquisador também expôs a disparidade das notificações oficiais e das notificações comunitárias. “Essa subnotificação é uma violência institucionalizada por uma necropolítica que produz invisibilidade” ressaltou Rapozo.

Mais de 50% do estado do Amazonas é composto por territórios indígenas protegidos, que deveriam ser reconhecidos como históricos e milenares, mas acontece justamente o contrário. “A falta de reconhecimento jurídico mostra a fraqueza desse respeito e ameaça esses territórios”, disse Pedro Rapozo. “Existem outros fatores de vulnerabilidade que ampliam os riscos de transmissão da Covid-19 entre os indígenas, como o narcotráfico e a exploração de madeiras e do garimpo. Temos pensado o processo da doença também pela ineficiência das ações do poder público e do seu desmonte”, concluiu.

Alcida Ramos fez um posicionamento crítico ao Estado brasileiro. “Há uma continuidade mórbida na tentativa de eliminar os povos indígenas no Estado brasileiro, uma letalidade branca que, se não mata pelas armas, mata pela burocracia”. A professora afirmou que, depois de duas décadas, não esperava uma epidemia deste tamanho e com esta letalidade imensa depois das invasões dos garimpeiros e as epidemias de malária, que levaram muitas vidas dos Ianomâmis. “Essa epidemia desnuda o Estado brasileiro. Não é nada como farsa, mas sim como tragédia que vai se repetindo, a toda hora”, completou.

 

 

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