A estreia de uma sociedade pós-humana

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30 Mai 2020

"No entanto, os escritores não foram menos conformistas. Como respeitosos lacaios dos políticos, por sua vez dobrados aos ditames da tecno-ciência, nem sequer tentaram dizer que talvez a peste não teria vindo apenas para causar dano, mas para nos dar uma chance histórica, a de desacelerar o ritmo da produção, de abandonar finalmente, a economia da abundância, de tentar uma forma de vida em que a coragem e a liberdade não fossem comprometidas em nome da chamada verdade científica", escreve Massimo Rizzante, poeta, ensaísta, promotor e tradutor, em artigo publicado por Zibaldoni d’eccezione, 27-05-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Acredito que qualquer um com um mínimo de sensibilidade não precisasse de uma pandemia para entender como a única religião que nos resta é a do progresso tecno-científico. Vamos dizer que a pandemia em curso tenha acelerado a história, ou seja, aquele beco sem saída em que entramos pelo menos desde o verão de 1945, com a explosão da primeira bomba atômica em Hiroshima. Em Hiroshima, acabou o sonho humanista e o sonho pós-humano começou. Depois de Hiroshima, de fato, o homem foi capaz de verificar o poder de sua conspiração contra toda forma humana e contra toda forma de vida. Ele pode constatar que é feito da mesma substância que as sombras. Como a que ainda hoje pode ser vista gravada num muro em ruínas da cidade. O homem não é nada, ele é apenas uma sombra. Aqui está a prova! E, tendo constatado concretamente que ele poderia desaparecer fisicamente da face da terra, o homem começou a acreditar que a única via de fuga para não enfrentar novamente a catástrofe seria a de desaparecer como indivíduo, como indivíduo inimitável. ... Hiroshima foi o ensaio geral do fim da sociedade humana.

Essa pandemia é a grande estreia de uma sociedade pós-humana que substituiu a segurança de massa à liberdade individual. E sem se perturbar. Com uma docilidade digna de um rebanho. Sem nenhum remorso. Sem lançar nenhum olhar crítico sobre a história. Assustada, mesmo antes do contágio, pelo medo de ser contagiada. Alain dizia que todos os perigos assustam pouco se não os vemos refletidos em um rosto. Pois bem, aqui na Itália, não vi medo nos rostos dos políticos, dos jornalistas, dos cientistas que invadiram, por mais de sessenta dias, de modo obsessivo nossas casas pela televisão. Eu os observei bastante. Mas eu não vi medo. Em seus rostos, vi o kitsch do medo, ou seja, o medo como absoluto. Vi o sentimento de medo elevado à razão de estado. E já vi e experimentei o kitsch de seu remédio, ou seja, o sentimento humanitário elevado a propaganda. Nenhum deles, no entanto, me pareceu capaz de aprender a lição que a natureza estava nos ensinando. Você vai me dizer que teria sido demais esperar algo diferente daqueles burocratas.

No entanto, os escritores não foram menos conformistas. Como lacaios respeitosos dos políticos, por sua vez dobrados aos ditames da tecno-ciência, nem sequer tentaram dizer que talvez a peste não teria vindo apenas para causar dano, mas para nos dar uma chance histórica, a de desacelerar o ritmo da produção, de abandonar finalmente, a economia da abundância, de tentar uma forma de vida em que a coragem e a liberdade não fossem comprometidas em nome da chamada verdade científica. O fato é que, para eles, a história deixou há tempo de ser um laboratório no qual o homem é testado. Primeiro, porque de fato o próprio homem se tornou o laboratório para testar sua superação. E segundo, por um motivo menos de época, mas muito mais difícil de confessar: ainda mais que o contágio e a peste, a maioria dos escritores teme ser tratada como traidores da sociedade. Mas, de resto, tem sido assim há séculos e séculos. Desde o tempo de Boccaccio. No Decameron, não apenas a peste negra e sua terrível realidade são descritas, mas, acima de tudo, todo o leque da vida daqueles que decidem que há algo muito mais importante que a peste. Fazer a humanidade entender que a memória da peste não é toda a memória era, até recentemente, a aposta e o selo do escritor de respeito. Não mais.

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