A dimensão social do ministério de Jesus

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08 Abril 2020

"Jesus inicia seu ministério na Galileia com um anúncio: “O tempo está realizado. O Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,14-15). Por meio do seu ensino e seus atos, Jesus procura formar as pessoas no pensamento de Deus. Em todas suas obras ele mostra que a prioridade do seu Pai é a vida mais plena de cada ser humano. Este entendimento da Vontade de Deus já envolve Jesus em conflito!", escreve Pe. Ronaldo L. Colavecchio, S.J, radicado em Manaus, AM.

 

Eis o artigo.

 

1. Preparação para uma missão conflituosa

O Evangelho de São Lucas começa com dois capítulos sobre a infância de Jesus. Nestes, vemos que a Missão que Jesus vai cumprir será a continuação da Salvação que Deus oferecia a Israel no Antigo Testamento. Lucas relata como pessoas justas e piedosas, como Isabel, Zacarias, Maria e José, Simeão e Ana, vivem sob a força repressiva dos Romanos enquanto são humilhados pela elite religiosa e econômica da própria nação. Mais uma vez, Deus vai agir através dos pequenos, que são os verdadeiros herdeiros da espiritualidade do Povo da Aliança.

Já nos primeiros versículos do Evangelho de Lucas, há várias indicações que apontam a um ministério conflituoso a ser assumido por esta criança e seus seguidores. Consideremos, por exemplo, o título de “Filho de Deus” que os cristãos irão reservar para Jesus depois da sua Ressurreição (Lc 1,35), e que os Imperadores Romanos irão reivindicar para si mesmos, sob pena da morte. Há também a viravolta social prevista por Maria no seu Magnificat (Lc 1, 50-54); e afinidade entre Jesus e os pobres, vista nas circunstâncias do seu Nascimento (Lc 2,6-8); há a profecia de Simeão, que fala de uma “espada” a transpassar o coração da mãe de Jesus (Lc 2,35); tem a estranha resposta de Jesus a Maria no Lc 2,49; e, finalmente, tem o fato de tudo sendo apresentado por Lucas como parte do Mistério de Salvação anunciado a Maria, e contemplado por ela durante longos anos (Lc 2,19.51).

A resposta de Jesus a Maria, citada acima, indica que, já com doze anos, ele percebia a diferença que há entre a sua experiência de Deus e a nossa. Com nossa inteligência, somos capazes de reconhecer Deus como um poderoso Criador e um Justo Juiz. Mais ainda, a partir de Abraão e dos Profetas, os judeus adoravam a Yahweh como o Deus único e verdadeiro que fez uma Aliança com este povo que ele tinha escolhido. Mas tanto naquele tempo, como no nosso, para muitos pessoas Deus ficava distante, relegado à margem do nosso corre-corre cotidiano; e nossos orações interesseiras são alheias à nossa vida na praça pública.

Jesus se tornará consciente de toda esta realidade humana ainda na sua aldeia de Nazaré. Mas ele irá crescendo nesta compreensão, ao mesmo tempo em que ele vai conhecendo seu Pai. Continuando a crescer "na graça e sabedoria", vai descobrir com clareza cada vez maior a singularidade da sua experiência de Deus e a Missão que o Pai lhe deu, e que ele chamará de “Reino de Deus”. No centro da Salvação que Jesus nos oferecerá no Reino de Deus é o convite de nós conhecermos Deus como o Filho O conhece, e que ele veio revelar a nós (Mt 11, 25-27). É o Pai que nos convida a ir a Ele através dos nossos irmãos e irmãs, numa convivência fraterna.

2. Filho de Deus e agente do reino

Em todos os Evangelhos Jesus está no meio dos judeus com a consciência de ser o “o Filho Amado” enviado para inaugurar o Reino do seu Pai e conceder-nos a Vida Eterna. Será exatamente esta a experiência dos fiéis das comunidades que serão fundadas pelos Apóstolos, depois do Mistério Pascal de Jesus. Cada fiel sincero no seguimento de Jesus será conduzido pelo Espírito a experimentar a sua condição de filho ou filha de Deus, e de chama-Lo de “Meu Querido Pai,” como Jesus o chama (cf Rm 8, 15-16; Gl 4, 4-7; Jo 17,1-3; 20,17).

No decorrer do seu Ministério nos Evangelhos, Jesus prosseguirá no caminho de uma doação de si cada vez maior, em prol da vida plena de todas, ou seja, de saúde, de paz, de bem estar familiar, da integração na sociedade e, percorrendo tudo isso, do conhecimento filial do Pai. Jesus sabe que, nesta doação de si mesmo à obra do Pai, ele está cumprindo o papel do Salvador que os Profetas esperaram (Is 61,1-3; Lc 4,18-20). Quanto mais que Jesus reivindicava sua Autoridade sobre as instituições judaicas, mais os donos destes sistemas venham a se hostilizar com ele. Mas para quem tiver olhos para ver, Jesus está se mostrando Agente do Reino da Vida Eterna que já está se tornando uma Realidade presente no mundo, na própria pessoa dele mesmo e naqueles que aderirem a ele. O que o povo está vendo, sem o saber, é a figura do Filho enviado ao mundo, chamando Israel a cumprir sua vocação de ser Luz para as nações, por se tornar uma sociedade justa e compassiva no palco de um mundo cheio de ódio e divisão (Mt 4,12-17; 11,1-5; 12,28; Lc 11,20).

Esta seria a oferta que o Pai de Jesus está fazendo ao israelitas. Mas o povo fica mais impressionado com o poder de Jesus de fazer curas milagrosas do que com seu chamamento à conversão e à . O leitor poderá verificar como isso ficava refletido nas reações das multidões que testemunharam suas curas e exorcismos: (cf Mc 1,32-35. 37.45; 3,7-12; 5,24-34; 6,53.56; 7, 31-37; 11,9-10 18).

O resultado desta maneira de ver Jesus está evidente em Mc. 8, 27-28, quando Jesus pergunta aos Discípulos quem é que o povo acha que ele seja. Todas as respostas mostram que o povo interpretava Jesus pela categoria de um Profeta poderoso. Nisso, perdem a noção da identidade dele e da universalidade da sua missão. Pois, de Profetas, havia vários. Jesus é singular! É “O Cristo (Mc 8,29). É “O Filho!” (Mc 13,31).

Na verdade, nem os Discípulos sabiam dizer quem era Jesus. Pois, apesar de confessar que ele é o Cristo, são incapazes de crer que o Messias poderá vir a sofrer (Mc 8, 32). Enquanto para Jesus.

Neste trabalho do Reino, o Filho Amado de Deus irá experimentar não somente a falta de entendimento do povo comum, mas também a rejeição pelos donos dos sistemas sociais em vigor, que veem os milagres de Jesus, mas os atribuem ao poder de Belzebu, o Príncipe do Mal, que dizem habitar dentro dele (Mc 3,27). Tanto uma como outra é reação de um povo insensível ao significado mais profundo da Figura de Jesus de Nazaré. A falta de conversão ao chamado do Reino fazia Jesus chorar de tristeza, prevendo qual será a consequência disso para seu povo. No fundo, era a compaixão do Messias diante de um Israel que recorrerá à espada para se libertar dos romanos, e será trucidado por isso. Pois o seu povo não sabia escolher entre a Paz e a Espada.

A mesma realidade continua hoje e se faz visível na maneira em que os segmentos mais favorecidos da sociedade tem seus interesses promovidos por estruturas que os favorecem enquanto os mais pobres não tem força suficiente para se protegerem. Quando a dinâmica que impulsiona a convivência humana é a ganância, muitos pobres que sobreviviam na beira da sociedade passam de uma condição de penúria àquela da miséria. O uso racional dos bens da terra cede à rapinagem contra o próprio planeta. E isso, não por qualquer tragédia da natureza e sim, por decisões feitas por aqueles que se fizeram donos do poder político e controlam o fluxo do dinheiro. Neste contexto alguém que chama todas as pessoas para um "Reino” cujo ética é enraizada no respeito pela valor transcendental de cada pessoa humana poderá ser visto como ameaça ao andamento da vida normal, a ser removido da cena (Mc 3,6; Jo 11,48).

É este o mundo em que Jesus vai iniciar seu ministério. Mas antes, ele tem de amadurecer e alcançar a plena posse das suas qualidades humanas, pois será justamente nelas que a Força do Reino de Deus se manifestará para atestar a presença do Pai nos salvando no seu Filho Amado. Assim, Lucas nota duas vezes o fato de que Jesus, vivendo no ritmo normal de um jovem trabalhador na Galileia, “crescia em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e dos homens” (Lc 2,19.52). Este Nazareno irá enfrentar os intermináveis pedidos de um povo que vai recorrendo a ele para obter suas curas e ouvir seu ensinamento, feito com autoridade e acompanhado por sinais que levarão o povo a procura-lo, de madrugada até a noite. E tudo isso no contexto de um conflito mortal entre ele e as Autoridades, que irão mata-lo.

3. O ministério de Jesus na Galileia; conflitos e suas causas

Jesus inicia seu ministério na Galileia com um anúncio: “O tempo está realizado. O Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,14-15). Por meio do seu ensino e seus atos, Jesus procura formar as pessoas no pensamento de Deus. Em todas suas obras ele mostra que a prioridade do seu Pai é a vida mais plena de cada ser humano. Este entendimento da Vontade de Deus já envolve Jesus em conflito! Diariamente ele se encontra com uma religiosidade que se orgulha em observar a Lei e a Tradição de maneira perfeita, mas que não tem como prioridade a luta contra todas as formas o Mal que aflige as pessoas, à partir da injustiça, como Deus o tem.

O povo nota logo a diferença que há entre Jesus e os doutores da Lei. Jesus ensina uma “doutrina nova” e liberta dos espíritos maus “com autoridade” (Mc 1,21.27). Afirma que Pai e Filho são pessoas transcendentes: ou seja, são dirigidos, Um para a Outro, num relacionamento de Comunhão que é singular, carinhoso e exaustivo. O Pai tem constituído o Filho Agente do seu Reino (Mt 11,25-27). Neste Reino, Jesus irá levar as pessoas para dentro desta Comunhão com seu Pai; vai restabelecer a Humanidade e o Cosmos àquilo que Deus queria que fossem, ao cria-los.

Muitas vezes no Evangelho, Jesus usa para si o título “Filho do Homem.” Se trata de uma figura da Profecia de Daniel a quem Deus teria confiado o Julgamento das nações e a Vida eterna dos justos (Dn 7, 13-14). Assim, por aplicar este título a si mesmo, Jesus afirma que a sorte de cada ser humano não depende da perfeição que ele adquira dentro de um complicado sistema de critérios técnicos elaborado por doutores de uma dada sociedade, como diziam os fariseus, e sim, da maneira em que a pessoa tinha conduzido sua vida em solidariedade com os excluídos e os sofridos, sob o olhar de Jesus e do Pai (Mt 9,13; 12,7). Afirma que, muitas vezes, as pessoas não estiveram nem conscientes de estar fazendo isso – ou de não estar! (Mt 25, 31-46).

Passando pelas aldeias e os campos da Galileia, Jesus está assumindo a hegemonia em Israel. Está chamando a nação a se congregar ao redor dele, como antes o fazia ao redor de Moisés e da Torá. Sob o olhar dos fariseus de Jerusalém que estão o observando (Mc 3,22; 7,1), como também dos líderes locais, do Rei Herodes e do Governador Romano, Jesus fala de um novo Rei e um novo Reinado; convoca todos os judeus a assumir com ele o seu projeto de transformar a vida e a convivência israelita para que sejam de acordo com o seu ensino e sua prática.

Como Judeu e homem do campo, Jesus tem vivido a realidade do povo por mais de trinta anos! Conhece pela própria experiência a humilhação do povo que vive explorados pelos poderosos em Roma e em Jerusalém. Entende que a sua Missão é de colocar em moção a dinâmica que iria entrar em conflito com os interessados em manter uma ordem injusta e violenta como também como, também das estruturas que prejudicam os pequenos em qualquer sociedade. Jesus não é ingênuo. Conhece os pecados dos pequenos e dos grandes. Enquanto contesta a hipocrisia dos doutores da Lei, insista na observância dos dez mandamentos, na santidade do matrimônio, na ética do serviço. Chama a todos a libertar-se do pecado pessoal (Mc 9, 42-50). Usa os mecanismos da Antiga Lei quando eles facilitam a vida do povo (Mc 1,44). Apropria-se da ideia do Ano Jubiliar que beneficiava os endividados (Lc 4,20). Inclui mulheres na sua equipe. (Lc 8, 1-3).

Já no início do Evangelho de Marcos, vimos Jesus se referiu a si mesmo como “Senhor do Sábado (Mc 2,27). Os líderes dos Judeus percebiam que Jesus estava criticando não somente esta ou aquela interpretação ou prática, mas sim, atitudes e costumes recebidos dos seus ancestrais que faziam com que o tecido social continue a ser excludente, promovendo a cegueira ao sofrimento dos outros, em contradição à dinâmica do Reino de Deus, que Jesus resumiu na Parábola do Bom Samaritano (Lc 10,29-37).

No Evangelho de Marcos, capítulo 2, há uma série de conflitos entre Jesus e os líderes religiosos. Jesus pronuncia perdoados os pecados de um paralitico que foi levado a ele; chama um publicano a segui-lo; defende seus discípulos que não praticam o jejum que a piedade deles exige; afirma que ele vai ser “tirado” dos seus amigos; defende os amigos de novo quando são criticados por comer sem fazerem as purificações judaicas; e afirma que tem autoridade sobre o Sábado, ou seja, sobre a Tradição e a Torá, que eram, para os doutores da Lei, as principais expressões da vontade de Yahweh.

Várias facetas destes conflitos nos interessam. Entre elas, há a prática de Jesus, de sentar-se à mesa com os rejeitados da sociedade. Eram praticantes de profissões consideras sujas, como coveiros ou trabalhadores de couro; eram cobradores de impostos, desempregados, endividados, escravizados, estrangeiros, moradores de rua e outros desprezados da sociedade. Aliás a maior parte das multidões que vieram a Jesus era gente do campo. Todos os Evangelhos mostram como Jesus gostava de andar no meio desta gente, para eles sentirem que, pelo contato com ele, ouvindo-o falar, acolhendo sua pessoa, tocando na sua mão, partilhando com ele do mesmo pão, estavam entrando em comunhão com seu Pai. Em particular, era a Autoridade da sua pessoa (Mc 1,21.27) e seu olhar cheio de compaixão (Mc 1,41; 6,33; 10,48), que convidava esta gente a ter confiança nele, mesmo que ele fosse rejeitado por pessoas que se tinham como impecáveis. Jesus fazia com que as pessoas humildes sentiam que Deus as entendia, não obstante a ambiguidade da prática religiosa deles e dos seus pecados. E as multidões respondiam por vir a ele. (Mc 2,15-17; Lc 9,1-10;15,11-32). Aqueles que se abriram a sua Misericórdia e desejavam ficar na amizade dele e na obediência ao seu Pai. Certamente já experimentavam o perdão de Deus irrompendo no íntimo do seu espírito (Lc 7, 47). Porém o Evangelho nos mostra que, mesmo nisso, Jesus respeitava a decisão de cada um, de ir com ele ou de não ir (Mc 10,21-22).

O incidente relatado em Marcos 3, 1 – 6, nos interesse muito. Na Sinagoga de Cafarnaum, no dia de Sábado, Jesus se depara com um homem que tem uma mão seca. Tomando a iniciativa, ele coloca o homem no meio de todos e questiona aos líderes: É permitido ou não, curar este homem no dia de Sábado? Ninguém responde. Marcos diz que Jesus ficou “Triste por causa desta dureza de coração.” Em seguida, Jesus mostra mais uma vez qual é a prioridade do seu Pai: Ele cura o homem! O Evangelista nos diz que, diante desta cura no Sábado, os líderes religiosos e políticos “imediatamente conspirara contra ele sobre como o matariam Mt 12,9-14).” Assim, durante do resto de Marcos, este ódio de pessoas poderosas continuarão a se manifestar e será a chave para entender a eventual morte de Jesus na Cruz. (O leitor poderá considerar as diferentes motivações e posições teológicas evidentes neste trecho em relação à prioridade de Deus e as prioridades que os homens deixam tomar posse dos seus corações, para depois agir em prol dos ídolos que têm erguido no seu espírito, e aos quais sacrificam o bem de seres humanos). No seu Evangelho, Mateus seguiu Marcos. Assim, Mateus diz que, depois de Jesus curar o homem, “os fariseus tramam contra ele, sobre como o matariam” (Mt 12,14).

Na sua narração, Lucas usa o mesmo incidente mas modifica a conclusão (Lc 6,1-11). Assim, onde Marcos e Mateus tinha concluído com os líderes religiosos e políticos combinando “(imediatamente) em como iriam matar Jesus”, em Lucas esta reação é menos definitiva: Lucas diz que os lideres “se enfureceram e combinarem o que fariam contra Jesus.” Na sua narração Lucas vai nos fazer sentir como este conflito mortal sobre a prioridade de Deus continuou durante o ministério de Jesus. Ele vai colocar mais dois incidentes de curas no dia de Sábado, feitas sob o olhar dos inimigos de Jesus (Lc 13,10-17; 14,1-6), com a mesma reação dos fariseus. Mais tarde, quando Jesus está já em Jerusalém, Lucas vai ser mais explícito. Nos informará que Jesus ensinava cada dia no Templo, enquanto os Sumo sacerdotes, escribas e chefes do povo “procuravam faze-lo perecer. Mas não encontravam o que fazer, por causa do povo todo, que o ouvia, enlevado”.

Todos estes trechos mostram claramente a diferença entre a prioridade do Deus que os líderes apresentam ao povo e a prioridade do Deus que Jesus está revelando. Mostram também como Jesus é consciente das consequências dele ser Agente do Reino de Compaixão e da Justiça em uma sociedade ainda não convertida às exigências do Reino de Deus.

O convite à conversão é abrangente. Pois o Mal na sociedade vem de dentro de pessoas de todas as classes. Mas este Mal não vai se dissipando. Nem fica neutro. Ao contrário, ano por ano, geração em geração, este mesmo Mal fica presente como “fermento” (Mc 8,15) que continua agindo nas pessoas, não em prol do Reino de Deus e sim, do anti-Reino. A lista de atitudes e ações que compõe este fermento é muito completo: são as “intenções malignas, as prostituições, os roubos, assassínios, adultérios” (Mc 7,21). Cada geração cristã terá de discernir como o Mal está se apresentando em forma muito atraente nos seus dias, para enganar os mais indefesas com uma ou outra das suas mentiras, elaboradas com muita habilidade pelo “Pai das Mentiras” (Jo 8,44). Diante da sutileza da Maldade, somos chamados a contemplar a figura de Jesus de Nazaré, especialmente a transparência do seu Amor. Desejamos crescer na amizade com ele, deixando que o seu exemplo forme a nossa consciência para a luta do Reino, que nunca termina.

Chegamos a um momento decisivo no Evangelho. O ministério na Galileia vai terminando e Jesus já está sob a sombra da Cruz. Em Mc 8,31, no caminho que passa por Cesareia Filipe, ele anuncia aos Doze que “Era necessário que sofresse muito e fosse rejeitado pelos anciãos, os sumo sacerdotes e escribas e fosse morto, e depois de três dias, ressuscite” Repete esta profecia mais duas vezes (Mc 8,31 e 10,32-33).

Era bom o leitor contemplar esta cena à luz de tudo que temos visto até agora, especialmente em relação à prioridade de Deus revelada na vida de Jesus.

Consciente de que os líderes em Jerusalém querem se livrar dele, e que o Pai está pedindo dele que anuncie a Boa Nova do Reino naquela cidade, Jesus toma “resolutamente” a decisão de ir à Capital. Lucas relata esta decisão no capítulo 9, versículo 51. É um versículo que nos faz sentir a total dedicação de Jesus à causa do Pai. Ao mesmo tempo, nos mostra seu medo da Crucificação, que os judeus certamente irão pedir, e conseguir, do Governador Romano. (O leitor poderá pausar e conferir como a tradução de Lucas 9, 51 na sua Bíblia o faz sentir o pavor de Jesus, diante do horror que todos daquela época tinham, da morte de Cruz. Se tiver mais de que uma edição, compare as várias traduções. Qual deles você acha mais retrata a realidade daquele momento?)

4. O fator político do reino de Deus

Como vimos no chamamento dos Doze, no seu trabalho do Reino, Jesus estava convocando Israel a uma nova-fundação, como povo de uma nova Aliança. Nisto, tinha de expor toda forma de ordem sócio-político que contradizia a dignidade dos cidadãos, e assim era contrário à Vontade do seu Pai. Enfim, tinha de entrar na realidade política do seu país, sem provocar uma revolução, como o povo estava esperando. Negar que os Evangelhos têm uma dimensão socioeconômicos e político pertinente para nossa atualidade seria igual a desfigurar a imagem de Jesus que é apresentada nestes livros sagrados. Mas isto não quer dizer que a mais profunda realidade a ser tratada nestes livros é a organização social e econômica de um dado povo. Pois é evidente que Jesus chamou seus seguidores à conversão em todos os sentidos, e para um Reino universal. Jesus resume o papel do cristão na sociedade como sendo aquele de um servo dos demais, que foi justamente o papel que ele mesmo assumiu (Mc 10, 44-45; Mt 20,25-27; Lc 22,26-27). Assim o seguidor de Jesus tem de colocar-se no campo de batalha que se trava na região amazônica entre aqueles que buscam poder para continuar uma política de rapinagem e aqueles que promovem os valores que vemos o Papa Francisco promovendo, junto com a força de tantas pessoas competentes que estão dando de si para salvar esta região do egoísmo humano.

O tema da dimensão política do Ministério de Jesus e dos quatro Evangelhos não entrava na nossa catequese tradicional. O que se salientava era a Condição Divina e Escatológica de Jesus. Hoje ainda há resistência em falarmos destas questões, por exemplo na época da Campanha da Fraternidade, quando Igrejas mais comprometidas com a justiça social são taxadas de “Socialista” e “Comunista”. A Igreja no Brasil procura criar um laicato experimentada em resistir tentativas de blocos poderosos que estão prontos para arrancar impiedosamente as riquezas do país que são de todos, ou que pertencem aos povos já enraizados nelas.

Então é questão de colocar nossa Igreja, que chamamos de “Sacramento do Reino de Deus,” ao serviço de todas as raças e culturas que anseiam para uma ordem social mais justa. Já vemos algo desta compreensão da Igreja no pensamento de São Paulo:

“O Reino de Deus ...é justiça e paz e alegria no Espírito Santo. É servindo a Cristo desta maneira que seremos agradáveis a Deus e teremos a aprovação dos homens. Portanto, busquemos tenazmente tudo o que contribui para a paz e edificação de uns pelos outros” (Rm 14,17-19).

Muitas parábolas de Jesus apontam à realidade sócio-político que vivemos na América Latina. Por exemplo, há aquela do rico que banqueteava com seus amigos cada dia, enquanto ignorava o pobre diante da sua porta. (Lc 16,19-31). O rico até conhecia o nome do pobre, mas não se envolvia na sua situação. Interessante nesta Parábola é o reconhecimento de que os cinco irmãos do rico irão acabar no mesmo tormento, pois não terão condições de se livrarem do seu apego a uma vida luxuosa: “Mesmo que alguém ressuscite dos mortos, não se convencerão (Lc 16,19-31; cf Lc12,16-21). Este versículo deve fazer-nos tremer de medo de nós mesmos! Retrata a imagem de um povo que está no cativeiro de um narcisismo que a torna insensível à miséria cotidiana dos “pequeninos” que Deus ama, e que certamente vai usar o poder político para perpetuar esta situação!

Assim, ao mesmo tempo em que Jesus mantém a sua condição de Filho de Deus e fala da Vida Eterna, ele anuncia a dimensão social e material da conversão que o Reino exige. Os elementos desta nova sociedade já estão presentes no Movimento de Discípulos que seguem a Jesus na sua vida simples e na sua sede da justiça (Lc 3,11-14;12,33; 14,14). Vemos, então, que a Salvação do Reino oferecida por Jesus abrange tanto o aspecto material e espiritual como, também, o lado social da vida humana (At 4.34-35.42-47). Tudo isso está começando no grupo de Discípulos seguindo a Jesus, e que ele considera ser o cartão de visita do Reino de Deus.

5. Jesus no caminho de Jerusalém e na Cidade Santa

No meio do seu Evangelho, Marcos tinha dedicado três capítulos mostrando Jesus “no Caminho a Jerusalém, ensinando seus discípulos” (Mc 8,27 a 10,52). Mateus fez o mesmo. Por sua vez, Lucas dedica dez capítulos a esta formação (Lc 9,23 a 19,27). Ele mostra Jesus “prosseguindo no seu caminho” para a Capital (Lc 9,51.52.53...), com seu rosto fixo, como se estivesse forçando-se a si mesmo de continuar adiante, mesmo sabendo daquilo que o espera na Capital. É o Mestre dando o exemplo do seu Amor do Pai, no cumprimento do Plano do Pai que ele tem discernido - e assumido. É o Filho consciente de que, no seu trabalho de resgatar aquilo que é mais humano nas pessoas e nas sociedades, e de ir além disso, no dom da Vida Eterna que ele partilha com seu Pai, ele está tornando presente entre nós a Salvação prometida pelos profetas, muitas vezes indo na contramão da cultura popular como também de interesses de pessoas poderosos. Pois ele está ensinando seus discípulos a segui-lo “carregando a cruz de cada dia” (Lc 9.23).

Nestes capítulos 9 a 19, Lucas amplia o ensinamento ética-moral e espiritual que ele encontrou em Marcos. Inseriu o trecho de Mc 3,1-6, mostrando Jesus colocando-se “no caminho a Jerusalém”, Sede do poder que deseja mata-lo. Mas, diferente de Marcos e Mateus, Lucas nos dará mais dois exemplos de Jesus priorizando o bem integral de uma pessoa sofrida, em cumprimento da Vontade do Pai e em contradição das normas dos fariseus (Cf Lc 13,10-17 e 14,1-6). O leitor poderá conferir estes trechos. No fim, ficará bem claro que a diferença entre Jesus e seus inimigos se trata da maneira de entender qual seria a prioridade de Deus. Na ótica dos líderes religiosos, o olhar de Deus é dirigido ao cumprimento da Tradição que eles tinham formulado, com a intenção de guardar a prática da Torá, mas com o resulto de amarrar a Deus no seu legalismo. Ficou claro que, no entendimento de Jesus, a prioridade do Pai é a vida mais plena de todos as pessoas (Jo 10,10). O leitor poderá refletir sobre as maneiras em que este mesmo conflito se vive ainda hoje, na sua casa, na sua comunidade de fé e na sociedade civil em que vive.

O Evangelho está nos mostrando como a opção preferencial de Deus exige que sejamos conscientes não somente da conversão pessoal e comunitária, mas que tenhamos um olhar crítico de toda nossa sociedade, à luz do contraste entre ricos e pobres no mundo atual. Esta exigência do Evangelho tem se tornado muito presente na Igreja Cristã depois do Segundo Concílio Vaticano. No Brasil, na Campanha da Fraternidade, a Igreja nos chama durante cada Quaresma a considerar uma das maneiras em que mecanismos e atitudes enraizadas na nossa sociedade violentam critérios mais justos e compassivos e prejudicam a vida de pessoas mais fracas, por exemplo, a corrupção generalizada na esfera pública; o controle da água por fins lucrativos; exploração da falta da consciência crítica do povo, o desprezo das normas éticas e humanas na distribuição da renda; a negação dos direitos de determinados grupos – indígenas, salariadas, jovens, e tantos outros. Nestes últimas décadas, vimos crescer a consciência do perigo de nós tornemos inabitável a nossa “Casa Comum.” E, apesar dos avisos a cientistas do mundo inteiro, muitos políticos se juntam a donos do capital e se fazem surdos aos gritos do nosso planeta e dos seus eco-sistemas. Tudo isso faz parte da luta entre o Reino de Deus e o reino do Mal, que continuará durante toda a história humana, pressupondo que a raça humana não se destrói sumariamente, como tem adquirido capacidade de fazer. Por isso o seguimento autêntico de Jesus nos compromete a lutar por uma vida digna, para que nosso povo possa ter acesso a comida, roupa, habitação, transporte, educação, saúde, segurança e lazer. Para que isso aconteça deve ser introduzido uma renda mínima, reduzir as horas de trabalho e a taxação das grandes fortunas.

Em Lucas 19,27, Jesus chega a Jerusalém e o povo o recebem com alegria messiânica enquanto os líderes finalizam sua resolução de mata-lo. Sendo eles responsabilizados por Roma de manter o povo submisso, a atuação de Jesus lhes deixa atoados. Prossegue como se tivesse Autoridade absoluta sobre o Templo. Por um breve momento, paralisa o andamento dos sacrifícios. É uma crítica do Sagrado quando este se deixa ser apropriado por esquemas enraizados no egoísmo humano e no serviço de ideologias imperialistas. Ainda mais: os poderosos de Jerusalém veem e ouvem Jesus ensinando o povo, “diariamente,” neste mesmo prédio (Lc 22,53). E isso, sem permissão alguma deles! (Mc 11,27-28; Lc20,2). Sentem como o povo vibra de entusiasmo ao ouvir a “nova doutrina sendo ensinado “com Autoridade” por este leigo que pronuncia pecados perdoados, sem referência ao Templo e que se proclama “Senhor do Sábado.” Entrando em Jerusalém, Jesus sabe que ele é o Filho Amado cumprindo a Missão que o Pai lhe deu, de evangelizar a Cidade de Davi! Consciente de estar correndo risco de ser preso, ele passa as noites fora da Cidade. Enquanto aos líderes, Lucas diz que estes, desesperados, “não encontravam o que fazer, pois o povo todo o ouvia enlevado” (19,48)!

No seu Ministério em Jerusalém, os diferentes grupos que reivindicam uma autoridade maior procuram levar Jesus a fazer um pronunciamento contra o Império. Por sua parte, Jesus procura abrir o coração deles ao convite do Reino; mas fica cada vez mais óbvio que esta elite político-religioso tem o mesmo tipo de “coração endurecido” que ele tem experimentado na Galileia, e até nos seus discípulos (Mc 3,5; 6,52; 8,17). Sabe que a resposta final desta gente vai ser a rejeição definitiva dele mesmo, na maneira mais cruel possível!

Lucas 20,9-19, é uma Parábola na qual Jesus procura conduzir seus inimigos a uma compreensão daquilo que está acontecendo com sua presença no meio deles. O trecho é rico em símbolos que ajudam a entender os pensamentos de Deus. Lucas mostra Jesus refletindo sobre o Plano do seu Pai que ele tem descoberto aos poucos, depois de sentir o ódio, a rejeição e a mau-compreensão, tanto em Galileia e em Jerusalém. Era bom que o leitor analise o papel de todos os protagonistas representados neste trecho – o Dono da vinha, os Arrendatários, os mensageiros maltratados, o “Filho Amado,” a “Pedra Angular que foi rejeitada,” aqueles que vão ser quebrados e esmagados por esta pedra, e o novo edifício, que terá o próprio Jesus como “pedra angular”. Procure entender o que a parábola está dizendo sobre o respeito que nosso Criador tem por nossa Liberdade humana e qual é a Misericórdia do Pai realizando a Vitória do Reino. No fim, veja qual é a reação dos líderes dos Judeus ao ouvirem esta parábola. Todo está reflexão vale a pena, pois conduz o leitor a uma compreensão mais profunda daquilo que Jesus está experimentando no Evangelho.

Em todos os Evangelhos vemos como a batalha do Reino de Deus contra o reino do mal passa pelo coração de cada pessoa humana, onde o Mal espirito procura nos dominar e o nosso egoísmo cresce. Assim, a Libertação que Jesus nos trouxe abrange o nosso interior, nossa afetividade, nossos desejos, nossas aspirações, nossa fé; e ela sai de nós para exercer sua força na nossa família na nossa sociedade. Os Evangelhos estão cheios do drama de pessoas confrontadas com esta Libertação que Jesus lhes oferece, e que aponta ao caminho do mais humano, do mais compassivo, do mais solidário. Muitos não conseguem responder a Jesus com a doação de si que o Evangelho pede e que Jesus está realizando. Mas a cena de Jesus sentado à mesa com pecadores nos consola na convicção de que Deus nos aceita naquilo que somos capazes de dar-lhe no dia de hoje, enquanto somos desejosos de uma liberdade sempre maior (Mc 9,42-50: 10,17-27; Lc 19,1-10).

6. A "necessidade" de Jesus morrer

Na sua vivência em Nazaré e depois, no decorrer da sua missão em Israel, Jesus via um povo mal alimentado e inseguro. Notava como o excesso de trabalho deixava o corpo dos agricultores “curvado,” da mesma forma em que o sistema Romano de exploração colonial humilhava o seu espírito. Viu também o sofrimento causado por uma religiosidade oficial hipócrita, que usava Deus para legitimar uma cultura clerical e estruturas sociais em vigor, mascarando o egoísmo humano ao qual está religiosidade servia. A todos estas pessoas Jesus chamava à conversão enquanto mostrava a possibilidade de alcançar aquilo de melhor pelo qual as pessoas ansiavam. Isso fica claro nos Evangelhos (Mc 1,18-20; Mt 19,27-30; Lc 22,24-27).

Todo o tempo em que se aprofundava nesta experiência do sofrimento do seu povo, Jesus estava vindo a entender melhor a sua identidade de Filho Amado de Deus. Entendia que sua experiência de ter Deus como seu “Querido Pai” era única na Humanidade. Percebia que esta mesma experiência era fonte da sua Autoridade e razão do seu compromisso de inaugurar o Reino no qual as pessoas seriam unidas ao Pai e libertas de toda forma do Mal em todos os seus relacionamentos. Seria o Reino escatológico anunciado pelos Profetas, se tornando uma realidade presente agora, entre nós, na história de Jesus e seus seguidores!

No seu trabalho na Galileia, e depois, em Jerusalém, Jesus continuava dando sinais da vinda do Reino, curando, exorcizando, estabelecendo as pessoas na sua dignidade de criaturas inteligentes e livres, chamados a ser filhos e filhas de Deus. Todo o tempo, ele estava “saqueando a casa do Diabo,” ou seja, estava libertando as pessoas deste ou daquele Mal, (Mc 3,27), fazendo com que muitos sofridos passassem a viver mais plenamente e mais alegremente. Tudo isso era sinal da Libertação definitivo do Reino para aqueles que abriram seu coração ao Pregador da Galileia. Certamente, vendo tudo isso, muitos dos seus ouvintes interiorizavam suas palavras e mudaram de atitudes e de comportamento no trabalho, na casa, no convívio fraterno, no sincero pedido de perdão e reconciliação. Mas, o convite à fé era dado a toda a nação. Em resposta a este convite, toda Israel tinha de enxergar o significado dos sinais para se converterem e colocarem o ensinamento e o exemplo de Jesus em prática em todos os relacionamentos que compõe uma sociedade, sempre dando prioridade aos fracos e aos pobres. O grupo dos Doze Apóstolos que Jesus acolheu ao redor de si era símbolo de um novo povo aprendendo do Mestre a permanecer unido na Comunhão que Jesus chamava de “Reino de Deus”. Era este Povo vivendo em Comunhão que os Apóstolos irão fundar, nos Atos dos Apóstolos.

O leitor do Evangelho de São Lucas sabe que a fé que era adequada a este convite do Reino não foi dado na Galileia. Em vez, era a falta de fé que surpreendia a Jesus (Mc 6,1-6). Então, veio o momento de grande clareza: Era a rejeição dos poderosos; o materialismo do povo; a ambição política dos discípulos. Jesus discerne qual é o Plano do Pai. Como Filho obediente, ele vai continuar a exigir a conversão plena, pessoal e estrutural de todo Israel; vai continuar a chamar seu povo a formar uma nova ordem social, edificada sobre o reconhecimento da soberania dele e do seu Pai e da preferência deles pelos pobres. Mas é óbvio que os líderes não vão ceder à Autoridade dele, e muito menos os Romanos irão permitir isso. Por sua parte, o povo entende cada vez menos o Reino que Jesus anuncia estar presente.

Jesus entende que a fonte de toda esta infidelidade ao espírito do Reino é a Força do Mal que ele encontrou no deserto (Mt 4,1-11; Lc 4,1-13) e que sai do coração humano para fortificar o Mal na sociedade (Mc 7, 20-23). Ele percebe que este Mal vai voltar contra ele. Então Jesus vê que é isso! Diante da história do pecado pessoal e social, tanto do seu povo como do mundo inteiro, o Pai queria que Jesus leve a mensagem do Evangelho a Jerusalém. Lá ele seria vulnerável ao ódio de toda maldade humana.

Deus não nos deu seu Filho Amado para nós o matarmos, e sim, para nós enxergarmos nele o Sinal Divino que nos atrai ao seu Abraço. Este convite é dirigida a cada fiel, e é aquilo que temos de mais valor a oferecer ao mundo. Durante todo o Evangelho, Jesus de Nazaré, com toda sua singularidade, era o sinal dado a nós pelo Pai, e este sinal não foi acatada por uma fé adequada. Mas Jesus sabia que a Misericórdia de Deus não desiste. Ela estava pedindo ao Filho que se tornasse a Revelação mais plena da sua Misericórdia. Como Filho obediente, Jesus esticado na cruz não desiste de pedir perdão por uma humanidade de coração duro. E o pede “até o fim” das suas possibilidades de pedir.

Jesus morre! Seu corpo se torna Sinal da Bondade Divina que é a Verdade proclamada pela fé da Igreja. Congregados pela fé na Palavra anunciada, vemos como Deus nos salva por nos atrair, sem jamais desrespeitar a nossa Inteligência ou forçar a nossa liberdade. Jesus na Cruz, e depois, Ressuscitado, é “O Sinal da contradição” do qual Simeon falou no Templo (Lc 2,33-35). É o ícone do Amor Divino oferecido a um mundo que não O entende e que tem medo de O aceitar.

Era este o Plano do Pai: era assim que Jesus realizou a nossa Salvação, sem violentar a nossa dignidade de sujeitos espirituais, inteligentes e livres. Pois no fim, é a nossa liberdade ela que tem de dar nosso “Sim” à iniciativa de Jesus e seu Pai. Em outras palavras, através de toda a vida de Jesus, e especialmente, da Cruz e Ressurreição, o Pai nos deu um sinal que é capaz de penetrar os mais duros dos corações humanos, urgindo-nos de dentro a abrir-nos a sua Misericórdia e Perdão, que é para nós e para nossos irmãos. E durante todos os séculos, com Jesus ao seu lado intercedendo por cada um de nós pecadores, Deus não vai desistir desta oferta.

Assim, sempre consciente de que seu Pai o enviou para revelar sua Face a nós, suas criaturas prediletas, capazes de discernir e de amar, e diante da falta de uma fé adequada, Jesus anuncia três vezes aos Doze que “era necessário” que ele sofresse e morresse.

7. Uma igreja ao serviço do reino de Deus

Vimos já nestas reflexões como Jesus previa que a sua atuação naquela sociedade ia implicar na sua morte. Na verdade, quando alguém começa a contestar prioridades na sociedade à luz do Evangelho, corre o risco de ser rejeitado, violentamente. Mas Jesus confiava no seu Pai. Nos seu discernimento e na sua oração, sentia que estava no caminho certo. Mesmo que este terminasse na sua morte, o Reino será vitorioso e a sua própria pessoa será Sinal desta Vitória, da mesma forma que era Sinal da presença do Reino durante sua vida (Mt 11,2-6; Lc 11,20). Então, Jesus de Nazaré, morto na Cruz e Ressuscitado na Glória, será a definitiva revelação do Deus Criador e Salvador. Assim, enquanto Jesus falava três vezes da sua morte no caminho a Jerusalém, falava igualmente da sua Ressurreição e Glorificação por seu Pai. Mostrou que o trabalho do Reino em favor da plenitude da vida para todos irá continuar, agora na pessoa dos seus Discípulos. Hoje, à luz do Concilio Vaticano II e dos diferentes Sínodos e Conferências de Igrejas locais, como também, do grito dos pobres e da voz dos seus profetas e mártires, nós entendemos que o nosso olhar tem de ser aquela de Jesus, sempre sensível ao mal que as forças do pecado possam estar fazendo no mundo atual.

No momento atual há situações que prejudicam a vida de milhões de pessoas e algumas que ameaçam o futuro da própria espécies humana; é a falta de emprego; é a fome, são migrações de massas; são povos submetidos a regimes que buscam massifica-los para poder explora-las mais; é a isolação daqueles que se fecham em um fundamentalismo infantil e outros que querem desenhar a genética dos seus descendentes. Na vasta área de Amazônia, são grandes grupos econômicos que se mostraram insensíveis aos direitos dos povos indígenas e dos ribeirinhos. Em todos os lugares, tem jovens despreparados para qualquer papel social. Finalmente, é o nosso planeta e, mais especificamente, nossa “Querida Amazônia,” os dois ameaçados e já mostrando sinais da violência que os tem desfigurado e que ameaça destruí-las, ao título de progresso e desenvolvimento.

Tudo isso faz parte deste mundo que Deus criou e confiou ao nosso cuidado. Então, perguntamos: Como é que a dinâmica do Reino de Deus vista neste texto se mostra na Comunidade eclesial da qual participo? Somos livres interiormente para assumir a prioridade de Jesus e do seu Pai, como a vimos neste estudo? Qual é nossa abertura à Igreja guiada pela visão do Papa Francisco? Em relação a pandemia do coronavírus 19, quais sinais do Reino se manifestam nas reações que nós temos visto?

Afirmamos nestas reflexões que a Igreja não é o Reino de Deus, mas está ao serviço desta. Ela tem em abundância todos os dons do Reino, e especialmente a Caridade. Mas, enquanto a Igreja é uma realidade formada por aceitação da Palavra centralizada em Jesus, com recintos empíricos à partir do Batismo, o Reino é formado por todos que acolham a ação do Espírito Santo no segredo do seu coração, e que mostram atitudes da Justiça e da Compaixão para os pobres. A Igreja deve ter sempre como modelo o Jesus de Nazaré que vimos neste estudo, e com nos acompanha a cada momento, como Senhor e Deus. Nós devemos ser e Sal e Luz para todas as pessoas, colaborando com elas em tudo que for consonante com o Evangelho, compreendendo, porém, que trabalho no Reino não significa que ”tudo é o mesmo”; pois como Cristãos, não podemos deixar de aderir explicitamente ao Credo que professamos. Devemos ser, sim prontos a expor nossa compreensão de Jesus em uma maneira simples e modesta, num ambiente de diálogo e de amor para o povo que procuramos servir, juntos.

Hoje nós afirmamos, com razão, que as nossas Comunidades Eclesiais de Base são uma nova maneira de ser Igreja. Nelas, as pessoas aprendem a enfrentar problemas pessoais e interpessoais como, também aquelas que surgem na sua realidade social. Tudo isso é uma forma de Justiça e da Caridade sendo vividas, não somente para hoje, e sim, para as gerações futuras. É nossa resposta ao Amor que vimos no Senhor Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus. Aos poucos experimentamos que estamos passando do menos ao mais maduro no nosso relacionamento com Jesus e seu Pai. É a experiência de sentirmos Jesus “Nos ensinando a abandonar as paixões mundanas e a viver neste mundo com equilíbrio, justiça e piedade”. Assim, Deus está sempre “Preparando para si um povo que se dedica à pratica do bem.” (Tito, 2, 12-13). Que bela descrição daquilo que os primeiros missionários procuravam fazer no seu trabalho de evangelização e de acompanhamento das suas comunidades.

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A dimensão social do ministério de Jesus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU