“Esquecemos que a democracia é mortal”. Entrevista com Enrique Krauze

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13 Novembro 2019

Milhões de europeus acreditam que suas democracias são tão fortes que podem votar naqueles que querem acabar com elas e continuar desfrutando do sistema que – olhem as estatísticas - proporciona mais prosperidade compartilhada à maioria. No Ocidente, os sistemas bipartidaristas se polarizam e a extrema direita e esquerda emergem com as ideologias identitárias e populistas.

É que as ditaduras são as escolas da democracia, mas sua lição logo é esquecida e o Ocidente já não se recorda das do século XX. Porque o populismo não é a exceção na história, mas a norma. O excepcional é a democracia e Enrique Krauze, historiador, mostra que só perdura quando renunciamos aos sonhos para nos resignarmos, contra a nossa natureza, a conciliar nossas frustrações mútuas.

A entrevista é de Lluís Amiguet, publicada por La Vanguardia, 12-12-2019. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

O que a história da democracia nos diz sobre seu futuro?

Que esquecemos que a democracia é mortal. Hoje, parece-nos a maneira mais natural e lógica de nos governar, mas, em uma perspectiva universal e milenar, veríamos que foi uma preciosa e frágil exceção no tempo e no espaço.

Por quê?

Porque exige renúncias: a responsabilidade e maturidade do cidadão para eleger seus líderes e pedir a prestação de contas pela administração. Requer reflexão e racionalidade e só prospera ao conciliar renúncias e frustrações mútuas.

Quais sistemas de governo foram os mais comuns, então?

O populismo está em eterno retorno, porque evoluímos como seres humanos para preferir uma ideia messiânica e um salvador que a encarne frente a um inimigo a ser culpado por tudo. E, agora, o Ocidente volta a cair nele.

Como sei que meu voto é populista?

Quando fundei Letras Libres no México, acabava o século XX e era um dos momentos mais felizes da história da humanidade, que parecia destinada ao progresso e à democracia, após o fim dos totalitarismos. Então, escrevi um decálogo do populismo, que temo continuar tendo vigência.

Qual é o primeiro sintoma do populismo?

Começa quando os mais lúcidos desistem de dizer a verdade frente às fantasias ideológicas que agradam a maioria por medo de serem impopulares e apontados com o dedo.

Como isso progride?

Com a mobilização contínua. O populismo mobiliza permanentemente suas bases.

De forma obsessiva e durante anos?

Porque seu poder emana de ocupar todos os espaços até reduzi-los a porta-vozes de seu programa. Torna sua a praça pública e nela o povo manifesta a sua majestade: a massa vociferante que grita dia e noite: “O poder aos que gritam! O poder ao povo!”.

Isso é suficiente?

O populismo também precisa de um inimigo obsessivo e onipresente para culpar por todas as desgraças e cuja derrota significará o advento da plenitude popular.

Fantasias ideológicas, mobilização permanente, um inimigo onipresente e ...

O populismo despreza a ordem legal democrática vigente para substituí-la por uma suposta vontade popular direta que emana da indiscutível legitimidade de sua causa. Por isso, não hesitam em usar os fundos públicos que controlam de maneira discricionária.

Substitui a legalidade por sua legalidade?

Abomina os limites racionais de sua fantasia ideológica e ignora aqueles que não a professam. E acaba entregando o poder a um só povo, um regime, uma ideia e um só líder.

Hoje, milhões de europeus votam em partidos que querem acabar com as eleições.

Porque internalizaram que a democracia é indestrutível e se permitem votar contra ela, mas a história demonstra que, na realidade, é frágil e doentia.

Sem ir muito longe, a espanhola.

Isso me desconcerta. Que a Espanha, hoje, dê a democracia como certa e não a aprecie como um bem precioso que é preciso cuidar é algo que na América Latina nos desorienta.

Por quê?

Porque a transição espanhola demonstrou que nós, latinos, não estávamos genética ou culturalmente incapacitados para a democracia.

Alguém duvidava disso?

Milhões de pessoas e grandes intelectuais acreditavam que nós, latinos, pela cultura, história e até temperamento não podíamos chegar a ser democratas e a demonstração eram as guerras civis e ditaduras que, uma vez e outra, se repetiam na Espanha e na América Latina.

De fato, a democracia mal se enraizou fora do Ocidente.

Também não foi habitual no Ocidente. Pense que a democracia não nasceu apenas em Atenas. Na realidade, houve toda uma constelação de pequenas democracias na Grécia clássica e todas desapareceram substituídas por populismos.

Por quê?

Porque os cidadãos só sentem falta da democracia quando não a têm. Ao contrário, quando a desfrutam, costumam contribuir para a sua degradação populista.

Como?

Stalin, Hitler, Mussolini, Mao ... Também na América Latina, os cidadãos entregam o poder como em um sacrifício bíblico a uma pessoa e seu regime, como a Chávez ou Perón, ou a uma legitimidade violenta, como a de Castro. O resultado foram milhões de mortos.

Não menciona Franco, Pinochet, Videla ...

Porque deram golpes de Estado pelas armas. Lamentável, sim, mas hoje o perigo e o que me preocupa é que os populistas antidemocráticos cheguem ao poder abusando da democracia, como na Venezuela, ou como os que ameaçam a Europa e a Espanha.

Na Espanha, o regime de Franco durou 40 anos, mas hoje volta a contar com 50 cadeiras.

Na Espanha e em toda a União Europeia, porque as ditaduras são escolas da democracia, mas sua lição logo é esquecida.

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