Apesar da negação do presidente Bolsonaro. Os números do desmatamento são reais

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07 Agosto 2019

"O surto de desmatamento é ruim para a imagem do presidente Bolsonaro, que tem um longo histórico de contestar qualquer resultado científico que considere inconveniente. A negação do aquecimento global antropogênico por Bolsonaro é o exemplo mais conhecido e, como no caso do presidente americano Trump, essa negação é uma afronta a toda ciência", escreve Philip Martin Fearnside, doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007.

O artigo é publicado por Amazônia Real, 02-08-2019. 

Eis o artigo.

O desmatamento na Amazônia brasileira em junho de 2019 foi 88% maior do que no mesmo mês de 2018 [1], e o desmatamento na primeira quinzena de julho foi 68% superior ao de todo o mês de julho de 2018 [2]. Não há razão para questionar os atuais números de desmatamento do programa DETER (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) [3]. O presidente Bolsonaro atacou repetidamente o INPE, especialmente desde 19 de julho, quando declarou em um café da manhã com jornalistas: “A questão do Inpe, eu tenho a convicção que os dados são mentirosos” [4].

O presidente Bolsonaro alega estar “surpreso” com o grande aumento demonstrado pelos números recentes e alega que a constatação do INPE é inconsistente com os resultados dos primeiros meses de 2019 [5]. No entanto, as diferenças são facilmente explicadas e não invalidam os números que o presidente questiona.

Em três dos primeiros quatro meses de 2019, as taxas de desmatamento foram menores do que em 2018 [6], mas esses meses estão na estação chuvosa da Amazônia, quando praticamente não ocorre desmatamento, o que os torna essencialmente irrelevantes para o total anual. Ampla variação ano-a-ano nesses meses é normal, já que a variação em fatores como a cobertura de nuvens (que é sempre grande durante a estação chuvosa) podem influenciar bastante os resultados. Junho, por outro lado, é o primeiro mês inteiro da estação seca no governo do presidente Bolsonaro, e o grande aumento do desmatamento é real e é importante.

O resultado de maio foi um aumento de mais de 30%, proporcionando um alerta para junho. Em vez de ser uma “surpresa” como afirma o Presidente, o resultado de junho confirma as muitas descrições pontuais do comportamento do desmatamento no solo [7], incluindo numerosas invasões de reservas indígenas [8] por madeireiros [9] e garimpeiros [10], e se encaixa com a expectativa de que o clima de impunidade que a retórica do governo promoveu levaria a crimes ambientais [11].


Ipiranga do Norte, MT- Gado em fragmentos floresta e áreas desmatadas com plantação de soja na Amazônia. (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Os resultados do sistema DETER têm sido uma parte importante do sistema de controle de desmatamento no Brasil nos últimos anos, porque fornecem os locais de atividade de desmatamento em tempo real, para que as autoridades ambientais poderam aplicar multas e parar o desmatamento [12]. No entanto, no atual governo, a fiscalização e emissão de multas foram quase completamente paradas [13], e, quando pegos, os desmatadores são, no máximo, simplesmente informados sobre os regulamentos que estão violando [14]. Embora os resultados do DETER sejam uma ferramenta importante para proteger a floresta, eles não terão esse efeito a menos que o governo altere suas políticas sobre o meio ambiente.

O grande salto no desmatamento pode ser atribuído tanto à retórica quanto às medidas reais do governo Bolsonaro. Outros fatores que poderiam fornecer explicações alternativas não mudaram muito, como a (baixa) atividade econômica geral do Brasil, os preços da soja e da carne bovina e a taxa de câmbio da moeda brasileira em relação ao dólar dos EUA.

As perspectivas para o restante do mandato de quatro anos do presidente Bolsonaro são sombrias, já que o governo presidencial desmantelou em apenas seis meses as agências ambientais brasileiras, o programa de controle do desmatamento e o sistema de licenciamento ambiental [15]. Um artigo publicado na revista científica Environmental Conservation em 24 de julho fornece extensa documentação sobre esses revezes [11].

O surto de desmatamento é ruim para a imagem do presidente Bolsonaro, que tem um longo histórico de contestar qualquer resultado científico que considere inconveniente [16]. A negação do aquecimento global antropogênico por Bolsonaro é o exemplo mais conhecido [17] e, como no caso do presidente americano Trump, essa negação é uma afronta a toda ciência, não apenas àqueles que estudam as mudanças climáticas. Similarmente, o atual ataque do presidente Bolsonaro ao INPE por relatar números inconvenientes sobre desmatamento é um ataque a todas as instituições científicas brasileiras.[18]

Notas

[1] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2019. Alertas do DETER na Amazônia em junho somam 2.072,03 km². INPE, São José dos Campos, SP,

[2] Brant, D. 2019. Bolsonaro critica diretor do Inpe por dados sobre desmatamento que ‘prejudicam’ nome do Brasil. Folha de São Paulo, 19 de julho de 2019.

[3] Diniz, C.G., A.A.D.A. Souza, D.C. Santos, M.C. Dias, N.C. da Luz, D.R.V. de Moraes, J.S.A. Maia, A.R. Gomes, I.D.S. Narvaes, D.M. Valeriano, L.E. Maurano & M. Adami. 2015. DETER-B: The new Amazon near real-time deforestation detection system. IEEE Journal of Selected Topics in Applied Earth Observations and Remote Sensing 8(7):3619–3628.

[4] Girardi, G. 2019. Bolsonaro acusa Inpe de divulgar dados mentirosos sobre desmatamento. O Estado de São Paulo, 19 de julho de 2019.

[5] Girardi, G. 2019. Bolsonaro quer acesso prévio a dados sobre desmatamento para ‘não ser pego de calças curtas’. O Estado de São Paulo, 22 de julho de 2019.

[6] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2019. DETER.

[7] Branford, S. & M. Torres. 2019. Brazil sees growing wave of anti-indigenous threats, reserve invasions. Mongabay, 19 de fevereiro de 2019,

[8] Phillips, D. 2019. Amazon gold miners invade indigenous village in Brazil after its leader is killed. The Guardian, 28 de julho de 2019.

[9] Faleiros, G. 2019. Invaded Uru-eu-wau-wau indigenous reserve awaits relief by Brazil’s new government. Mongabay, 14 de fevereiro de 2019.

[10] Branford, S. 2019. Yanomami Amazon reserve invaded by 20,000 miners; Bolsonaro fails to act. Mongabay, 12 de julho de 2019.

[11] Ferrante, L. & P.M. Fearnside. 2019. Brazil’s new president and “ruralists” threaten Amazonia’s environment, traditional peoples and the global climate. Environmental Conservation,

[12] Branford, S. & T. Borges. 2019. Brazil guts environmental agencies, clears way for unchecked deforestation. Mongabay, 10 de junho de 2019.

[13] Assunção, J., C. Gandour & R. Rocha. 2013. DETERing deforestation in the Amazon: Environmental monitoring and law enforcement. Climate Policy Initiative, Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas, Pontifica Universidade Católica (PUC). Rio de Janeiro, RJ. 36 p.

[14] OC (Observatório do Clima). 2019. Sob Bolsonaro, autuações do Ibama são as menores em uma década. OEco, 23 de maio de 2019.

[15] Branford, S. & T. Borges. 2019. Dismantling of Brazilian environmental protections gains pace. Mongabay, 08 de maio de 2019.

[16] Fearnside, P.M. 2018. “Apocalipse Agora” para a Amazônia: Promessas devastadoras do presidente-eleito. Amazônia Real 13 de novembro de 2018.

[17] Fearnside, P.M. 2019. Bolsonaro e o Acordo de Paris. Série. Amazônia Real.

[18] Este texto é traduzido de um comentário publicado em Inglês no site de Mongabay: Brazilian Amazon deforestation surge is real despite Bolsonaro’s Denial. Mongabay, 29 de julho de 2019.

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