29 Julho 2019
Os mísseis de Kim, o novo eixo Rússia-Turquia. Aumenta a lista de fracassos diplomáticos de Trump.
O comentário é de Federico Rampini, jornalista italiano, publicado por La Repubblica, 25-07-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "a taxa de caos cresce; a pilhagem internacional da America First é incerta".
Eis o comentário.
Antes mesmo que Donald Trump celebre os mil dias de sua eleição (estamos em 990), Kim Jong-un lança uma provocação. A Coréia do Norte retomou os testes de mísseis que estavam parados desde que os dois líderes se aventuraram no caminho do diálogo nas três cúpulas de Cingapura, Hanói, e na fronteira entre as Coreias. Pelo menos é a primeira vez na era de Trump que o lançamento volta a ter ao Mar do Japão como seu destino, aproximando-se do território de um aliado histórico dos EUA. Seria também um "novo tipo" de mísseis, de acordo com informações fornecidas pelos satélites.
Na verdade, é desde maio que várias atividades bélicas recomeçaram em Pyongyang: incluindo o processamento de material nuclear. Assim, está se consumando o lento naufrágio do "método Trump": e há um fio condutor que une a Coréia do Norte a China, Turquia e Rússia. Por dois anos, a abordagem anticonvencional do presidente estadunidense parecia, contra todas as expectativas, dar frutos positivos. A diplomacia Trump, baseada no instinto, golpes de cena espetaculares, acordos pessoais com os autocratas, brindou o mundo inteiro com uma trégua nos testes norte-coreanos, algo que não havido tido sucesso nem com Bush nem com Obama. Agora o parêntese parece se fechar, Kim decidiu voltar aos velhos métodos: ameaças, chantagem, escalada da tensão.
É o momento de um balanço, partindo pela Coreia do Norte, sobre as relações entre Trump e todos os autocratas do mundo. A lista insucessos está crescendo. Mesmo aqueles líderes que inicialmente haviam concedido uma lua de mel ao presidente estadunidense, talvez confiando em sua inexperiência para conseguir concessões, têm lhe dado as costas nos últimos meses. Erdogan desafia Trump e a OTAN a comprar mísseis russos. Xi retirou às promessas sobre o reequilíbrio comercial. Putin tece hinos o fim do Ocidente. Depois de dois anos e meio de diplomacia trumpiana, os dividendos estão diminuindo visivelmente. Não haverá muito para comemorar quando se atingir o limiar dos mil dias.
O método Trump aplicado à política externa é uma mistura de receitas conhecidas e bem experimentadas, com alguma inovação e improvisação mais típicas da idiossincrasia do personagem. Entre os legados do passado, Trump, com o slogan "America First", reavivou um isolacionismo que tem profundas raízes na história dos EUA, especialmente na direita. Quando este presidente rejeita o papel de "gendarme mundial", está voltando a se vincular idealmente às correntes conservadoras que tentaram impedir aos EUA de Woodrow Wilson e Franklin Roosevelt de interferir nos assuntos europeus. O isolacionismo tem seus lados positivos: quando teve a opção de lançar um ataque ao Irã (após a derrubada de um drone EUA), Trump recuou. Seu assessor de segurança nacional, John Bolton, ligado aos neoconservadores que planejaram a invasão do Iraque em 2003, o empurrava para a intervenção militar. Trump preferiu não arriscar uma terceira guerra do Golfo. Isolacionista e belicista não é a mesma coisa.
Outra tradição que ressurge é a realpolitik estilo Kissinger. Os EUA de 2019 pararam de fazer sermões sobre direitos humanos; cuidam de seus interesses estratégicos, não dos ideais ocidentais sobre as liberdades. Em nome de um cálculo realista de seus próprios interesses, essa Administração não condena a Arábia Saudita pela execução bárbara do jornalista Kashoggi porque pensa que a aliança com Riad no Oriente Médio vale mais do que uma vida humana. Não critica Erdogan pela involução islamista e repressiva. Se tiver que atacar Xi Jinping, faz isso em base a dossiês econômicos e tecnológicos; não sobre os abusos contra a minoria uigur ou ataques às liberdades de Hong Kong. Aqui também estamos na esteira de uma tradição: Bush pai e depois Clinton escolheram uma reação branda após o massacre da Praça Tienanmen, a fim de não romper as pontes com uma China que estava entrando no fluxo da globalização capitalista.
Entretanto, isolacionismo mais realpolitik não esgotam a diplomacia trumpiana. Ele acrescenta um ingrediente pessoal: The Art of the Deal, o título do best-seller que ele assinou (mas quem escreveu para ele foi um escritor-fantasma). A arte dos negócios é o manual do empresário que sabe conduzir uma negociação vencedora. Trump está convencido de que se possa transpor do mundo da construção nova-iorquina para o da geopolítica a tática da negociação. E ele se sente à vontade, especialmente se estiver enfrentando outro Homem Forte, um macho alfa dominante que lhe pareça similar a ele mesmo. Ele acreditou dessa maneira "seduzir" sucessivamente Xi e Putin, Kim ou Erdogan. Mas eles o pagam com a mesma moeda: sabem ser tão inconstantes quanto ele. Alternam tapinhas nas costas com facadas nas costas. A taxa de caos cresce; a pilhagem internacional da America First é incerta.
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A trégua terminou: os líderes mundiais apresentam a conta a Trump - Instituto Humanitas Unisinos - IHU