‘Não deveríamos restringir os agrotóxicos?’: Associação de Agroecologia questiona PL para restringir venda de orgânicos

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04 Julho 2018

Junho de 2018 foi o mês da copa. O mês da greve dos caminhoneiros, das filas em postos de combustíveis, do frenesi do consumo para estoque. Foi também o mês de aniversário das jornadas de junho de 2013. E, no meio de tudo isso, terminou como o mês de aprovação do chamado Pacote do Veneno e do PL 4.576/16 por comissões na Câmara dos Deputados.

A reportagem é de Giovana Fleck, publicada por Sul21, 04-07-2018.

Aparentemente mais tímido que os Projetos de Lei sobre agrotóxicos, o PL 4.576/16 pretende regulamentar o consumo de orgânicos no Brasil de forma abrangente. É o que explica Rogério Dias, vice-presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) para a região Centro-Oeste. Dias atua há 40 anos na luta pela alimentação orgânica e sustentável. Foi coordenador de agroecologia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) – até se aposentar do cargo, em 2017. No entanto, participou ativamente da construção da Lei da Agricultura Orgânica (Lei nº 10.831, de 23 de dezembro de 2003). “Que foi construída com muita participação popular”, enfatiza.

Algo que, segundo ele, não ocorreu com o PL 4.576/16. De autoria do deputado Edinho Bez (PMDB-SC), a proposta teria sido protocolada após a exposição de casos de fraude na venda de frutas e hortaliças por reportagens da Rede Brasil Sul e Rede Globo em janeiro de 2016. Segundo a justificativa do PL, as denúncias seriam sobre casos de “feirantes desonestos” adquirindo alimentos produzidos com agrotóxicos para depois serem vendidos como orgânicos.”Eu não sei qual foi a real intenção do deputado com o projeto. Mas, mesmo na época, investigações mais aprofundadas sobre os casos mostraram que o problema não estava nos produtores, mas sim nos vendedores. E, bem, esses são casos isolados. Todas as áreas apresentam indivíduos de má fé”, explica Dias.

Ainda assim, Bez levou o assunto para ser discutido na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (Capadr). Através do PL, propôs alterar o artigo 3˚ da Lei da Agricultura Orgânica, o único que rege sobre a comercialização do que é produzido sem agrotóxicos ou fertilizantes químicos no Brasil. Segundo ele, “os produtos orgânicos deverão ser certificados por organismo reconhecido oficialmente, segundo critérios estabelecidos em regulamento” para que possam ser vendidos. Este artigo apresenta dois parágrafos; um que descreve normas de comercialização direta (do agricultor para o consumidor) e outro que delimita a certificação para comprovar a procedência do alimento.

O deputado propõe que seja revogado o primeiro parágrafo do 3˚ artigo, substituindo-no por outro artigo, chamado de Art. 3˚-A. “Na justificativa apresentada pelo deputado, o projeto parece servir para proteger os consumidores. Mas não é nada disso”, alerta Dias. Bez sugere limitar a comercialização de produtos orgânicos a propriedades particulares e feiras livres ou permanentes em espaços públicos. “Mas o que ele faz, e que considero até inconstitucional, é prejudicar os produtores, afirmando que a venda direta é exclusiva da agricultura familiar”, avalia o vice-presidente da ABA.

Brechas

Para Rogério Dias, há uma falha clara no entendimento do processo de certificação atual – tenha ela sido proposital ou não. Ele explica que existem diferença básicas entre produtores rurais e agricultores familiares; distintos por meio de critérios como área de cultivo, mão-de-obra e renda. “O agricultor familiar precisa ser reconhecido por meio de um processo difícil. Quem trabalha com agricultura urbana, por exemplo, tem muita dificuldade de conseguir o documento.”

Se o PL entrar em vigor, permitirá que apenas agricultores familiares possam realizar a venda direta, algo imprescindível para a renda dos agricultores de forma geral. A venda direta não implica apenas em feiras, mas em qualquer relação de compra e venda direta. Assim, seria retirada a permissão de produtores para comercializarem, por exemplo, com governos que fazem a compra de alimentos orgânicos para o fornecimento da merenda escolar. “Não tem sentido, não traz vantagem”, avalia Dias.

Segundo o vice-presidente, outra questão apresentada pelo projeto de Bez é a restrição da venda direta a feiras em espaços públicos e à própria propriedade do produtor. Feiras em espaços privados, como shoppings, se tornariam ilegais.

Questionado sobre o propósito do PL, Dias ressaltou que as alterações demonstram o incômodo do agronegócio ao perceber que existem alternativas a seus produtos para a sociedade. “A agricultura orgânica prova que os argumentos da bancada ruralista na defesa de agrotóxicos não estão certos, porque é cada vez maior o número de produtores que colocam no mercado produtos sem agrotóxicos”, argumenta.

Marcos José de Abreu (PSOL-SC), o Marquito, é engenheiro agrônomo, mestre em ecossistemas, colaborado da ABA e vereador. De acordo com ele, o projeto traz uma grande insegurança jurídica em uma legislação que tem um diferencial – considerando que a Lei da Agricultura Orgânica é uma referência mundial.

De acordo com ele, não há falhas quanto à fiscalização da venda direta. “Hoje, o modelo de certificação é garantido com a legislação vigente. Agora, esse PL bagunça algo que é sólido”. Abreu considera que a lei nacional apresenta possibilidades diversas, adaptadas a contextos diferentes de produção, como a possibilidade da ação de empresas certificadoras e dos sistemas participativos de garantia. Todo o processo é credenciado no Ministério da Agricultura.

E os supermercados?

Tanto Abreu quanto Dias concordam que a má redação do PL abre espaço para diferentes interpretações. Por serem amplamente consumidos no varejo tradicional, pode-se interpretar que a venda direta venha a afetar mercados de diferentes portes. Principalmente porque não se especifica na lei o que é “consumo indireto”.

“A mudança no artigo 3˚ abre uma brecha. E temos que considerar que esse PL foi aprovado a portas fechadas, sem nenhum debate”, aponta Abreu. Ele conta que existe uma comissão de produção orgânica (composta por entidades certificadoras) que monitora os PLs relacionados ao tema em tramitação na Câmara. Segundo ele, a comissão teria tentado diálogo com os deputados, sem obter sucesso.

Para o vereador, a aprovação da PL está associada a uma grande estratégia da banca ruralista – frente parlamentar que atua em defesa dos interesses dos proprietários rurais – que articula ações dentro de um processo de flexibiliza uso de agrotóxicos e barra, cada vez mais, a inclusão dos pequenos produtores em zonas comerciais. Ele lembra que o relator tanto do PL 4.576/16 quanto do Pacote do Veneno têm como denominador comum o deputado Luiz Nishimori (PR-PR), relator em ambos projetos.

Para Dias, no entanto, a manutenção do artigo 3˚ na Lei não afetaria o comércio com supermercados ou qualquer outro ponto de varejo. “Para mim, parece equivocado. O que é incoerente é o agricultor ser prejudicado nesse processo.”

Abreu aponta que, por restringir parte da renda de produtores – já que teriam que buscar por uma certificação adicional, além de novas formas de organização, para se ornarem agricultores familiares – a escala de crescimento deste produtor poderá ser afetada. “Muitas famílias ou organizações da agricultura familiar estão pautadas na venda institucional para fazer seu processo de transição, fazer essa retirada é tirar o mínimo que se tinha desses agricultores venderem de forma organizada para as compras institucionais.”

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