Macron reata o fio com a Igreja. A esquerda se insurge: atentado ao secularismo

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14 Abril 2018

Na segunda-feira à noite, Emmanuel Macron dirigiu-se para a Conferência Episcopal francesa no Collège des Bernardins, o edifício medieval do Quartier Latin, onde até a Revolução Francesa ficavam abrigados os monges cistercienses que estudavam na Universidade de Paris. Pela primeira vez um presidente da República havia aceitado o convite da hierarquia eclesiástica francesa.

A reportagem é de Stefano Montefiori, publicada por Corriere della Sera, 11-04-2018. A tradução de Luisa Rabolini.

Macron pronunciou um discurso solene que empolgou os bispos e causou desconforto naqueles, principalmente da esquerda, que ao longo dos anos têm defendido o secularismo - a separação entre a República e as religiões - como a condição mais importante da sociedade civil.

Em mais de uma hora de defesa apaixonada do papel - inclusive político e social – dos católicos, Macron foi contracorrente em relação ao discurso público dominante na França, desde os tempos da batalha contra o véu islâmico nas escolas (2004).

O Presidente declarou logo no início a sua frase mais polêmica: "Estamos unidos de alguma forma no sentimento de que o vínculo entre a Igreja e o Estado tenha se deteriorado, e que repará-lo seria importante tanto para vocês como para mim". Mas tal vínculo, de acordo com a lei de 1905 mil vezes evocada ao longo dos anos, foi rescindido no início do século XX para o benefício de todos. Quem analisa isso de forma mais explícita é Jean-Luc Mélenchon da France Insoumise (esquerda radical): "Um discurso alucinante. Vínculo deteriorado? O vínculo entre Estado e Igreja foi rompido em 1905, e não há razão alguma para reatá-lo".

Macron estava ciente de que a sua presença e, especialmente, as suas palavras representavam uma ruptura na tradição republicana, tanto que na sequência do discurso afirmou: "Alguns poderão considerar que essas frases infringem a laicidade. (...) Mas a função da laicidade certamente não é a de negar o elemento espiritual em nome do elemento temporal, nem de erradicar das nossas sociedades a parte sagrada que alimenta muitos dos nossos concidadãos". E mais ainda: "Eu sou, como chefe de Estado, garante da liberdade de crer e não crer, mas não sou nem o inventor nem o promotor de uma religião de Estado que substitua à transcendência divina um credo republicano."

A questão tem bem pouco de doutrinário porque o secularismo foi protagonista dos momentos-chave na história recente francesa. Desde a proibição dos “símbolos religiosos visíveis” em escolas (o véu islâmico, mas também o crucifixo e o kipá), à lei sobre o mariage pour tous aprovada em 2013, apesar da forte oposição da Igreja.

O casamento homossexual volta a estimular a reflexão de Macron, que já em fevereiro de 2017 falou de "humilhação" da parte do país "que tem boas razões para viver em ressentimento" (ou seja, os milhares de católicos que haviam protestado nas ruas em vão). Em seu discurso aos bispos na segunda-feira à noite, Macron saudou "os sacerdotes que ajudam as famílias com um único pai, as divorciadas e as homossexuais".

As associações LGBT ficaram furiosas. "Em primeiro lugar, fala-se de famílias homoparentais e não homossexuais - ressaltou Catherine Michaud, presidente da GayLib - E depois eu gostaria de saber como elas seriam ajudadas pela Igreja. Talvez recomendando curas para se tornarem heterossexuais?".

Desconforto presente também no que resta da esquerda antigamente no governo, com o ex-primeiro-ministro Manuel Valls que afirmou "o secularismo é a França, e tem um único fundamento: a lei de 1905". O medo, também expresso em alta voz pelo Front National, é que ao romper o dique construído entre o Estado e a Igreja católica acabe-se por legitimar as reivindicações de todas as religiões, e, portanto, do Islã.

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