Celular esquecido, votos mal contados. O que aconteceu no Conclave. Artigo de Mario Trifunovic

Foto: Vatican News

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18 Dezembro 2025

Fofocas e bastidores entre os purpurados: muitos detalhes chegaram aos meios de comunicação após o Conclave, graças a cardeais pouco avessos a falar. Mas nem tudo veio à tona, como mostra um novo livro de jornalistas especializados no Vaticano. O site katholisch.de leu a obra.

O artigo é de Mario Trifunovic, teólogo, publicado por katolisch.de, 17-12-2025. 

Eis o artigo.

Na Praça São Pedro, nós do katholisch.de estávamos com o smartphone apontado para a chaminé, em meio a milhares de pessoas. Era a primeira noite do conclave. Entre a multidão havia também inúmeros jornalistas de todo o mundo. Atrás de nós estava, por exemplo, a emissora italiana RAI, cujas câmeras se movimentavam incessantemente: ora focavam a famosa chaminé, ora a multidão, ora voltavam para uma transmissão ao vivo diretamente do meio do povo. Cheios de expectativa, os presentes olhavam para a temida e célebre chaminé — partindo da suposição de que tudo deveria acontecer rapidamente. Mas passaram-se 15 minutos, meia hora, finalmente uma hora inteira sem nenhum sinal. Nenhuma fumaça, nada. Foram necessárias duas horas até que, finalmente, subisse a fumaça preta. Por que demorou tanto?

Sobre o Conclave no qual Robert Francis Prevost foi eleito o novo chefe de 1,4 bilhão de católicas e católicos, muita coisa já era conhecida e vazou para a mídia e os jornais logo depois. Entre esses fatos está também a história da primeira noite do conclave. Era conhecida, por exemplo, a hora inteira — considerada longa demais por alguns — de meditação conduzida pelo cardeal Raniero Cantalamessa, ex-pregador da Casa Pontifícia. Mas foi só isso? Não, como mostram em seu novo livro os experientes jornalistas Elisabetta Piqué (La Nación) e Gerard O’Connell (revista jesuíta America). Eles apresentaram recentemente uma obra de 450 páginas, escrita em forma de diário, repleta de anedotas e contextualizações sobre a eleição papal, publicada em espanhol com o título El último Cónclave. No fim de março de 2026, deve sair a versão em inglês, com o título The Election of Pope Leo XIV: The Last Surprise of Pope Francis (A eleição do Papa Leão XIV: a última surpresa do Papa Francisco, em tradução livre).

Outro motivo para o atraso no início foi um celular esquecido na Capela Sistina — pertencente a um cardeal idoso. Um erro gravíssimo! Pois, durante a eleição papal, valem normas rigorosas: os purpurados com direito a voto ficam completamente isolados e devem entregar seus smartphones; além disso, a rede de telefonia móvel é desativada. Somente depois que esse “problema” foi resolvido é que a eleição pôde, de fato, começar. E então ela avançou mais rapidamente do que muitos esperavam.

O favorito parecia ser o cardeal da Cúria de mais alta hierarquia, o número dois do Vaticano: o secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin. O livro chama a atenção para a solene missa transmitida ao vivo para o mundo inteiro. Giovanni Battista Re, decano do Colégio Cardinalício, e Parolin se abraçaram no momento do sinal da paz, e Re — que fala alto por ter dificuldades auditivas — disse a Parolin: “Doppi auguri, Pietro!”, isto é, “duplos parabéns, Pietro”. Mas não era só Re que parecia esperar ver Parolin de branco. Segundo Piqué e O’Connell, também os funcionários de seu gabinete consideravam o chefe o candidato com maiores chances.

Mais tropeços na Capela Sistina

Até a fumaça branca aparecer, não ficou apenas no celular esquecido. Também durante a votação houve erros. Em vez de 133 cédulas, de repente havia 134 na urna. Os autores descrevem assim a situação: “Mais uma vez, cada cardeal eleitor recebe duas cédulas. Cada um escreve o nome do candidato escolhido, dobra o papel, leva-o ao altar e deposita seu voto. Inacreditável: acontece o mesmo que na quinta votação do conclave de 2013, como descrevi em meu livro sobre a eleição do Papa Francisco. Na apuração, algo não bate: em vez de 133 cédulas, são 134!”

O erro foi percebido pelo escrutinador, cardeal Filoni, que informou imediatamente os demais cardeais. O cardeal Parolin declarou então a votação inválida, e as cédulas foram queimadas. O responsável, desta vez, foi o cardeal espanhol Carlos Osoro Sierra, arcebispo emérito de Madri, que apenas oito dias depois completaria 80 anos. Publicamente, ele admitiu ter colocado inadvertidamente sua cédula junto com outra na urna. Em futuros conclaves, ele não participará mais — por causa da idade, não por causa do erro.

“Assuma, cardeal Radcliffe!” — “Não!”

Em seguida, ocorreu uma cena que Piqué e O’Connell descrevem como hilária: “O terceiro escrutinador não tem apenas a tarefa de ler em voz alta o nome do cardeal escolhido; ele também deve anotar esse nome na lista de apuração e, em seguida, perfurar cada cédula apurada com uma agulha atravessando a palavra ‘Eligo’ e passá-la por um fio, para que as cédulas fiquem guardadas com segurança.”

O cardeal Filoni, porém, teve dificuldade para enfiar o papel no fio e pediu ao segundo escrutinador, cardeal Radcliffe, que o substituísse. O dominicano inglês, no entanto, recusou. Por fim, um cardeal sul-americano assumiu essa tarefa. “Cada cardeal tinha um livrinho com todos os nomes para poder acompanhar a contagem, que tivemos de entregar ao final. Durante o processo, porém, todos sabíamos quando o limiar se aproximava. Não foi uma surpresa”, explicou o cardeal norte-americano Robert McElroy, segundo o livro. E continuou: “Aplaudimos quando o 89º voto foi confirmado, mas, na verdade, o resultado já vinha se formando antes.”

O favorito parecia ser o cardeal da Cúria de mais alta hierarquia, o número dois do Vaticano: o secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin.

O aplauso durou cerca de cinco minutos. Então, o cardeal Parolin teria intervindo para lembrar que a contagem dos votos ainda não estava concluída. Mas o nome de Prevost continuou a aparecer repetidas vezes. “Quando os escrutinadores finalmente terminaram seu trabalho e o terceiro escrutinador anunciou que o cardeal Prevost havia recebido 108 votos, irrompeu novamente um aplauso ensurdecedor”, escrevem Piqué e O’Connell, citando fontes.

“Nós o tornaremos um dos nossos”

Quando a fumaça branca finalmente subiu, os funcionários da Secretaria de Estado do Vaticano correram para a praça. “Todos estavam convencidos de que um resultado tão rápido — apenas quatro escrutínios — só podia significar uma coisa: Parolin havia sido eleito”, diz o livro. No sala de imprensa, essa convicção também predominava. Piqué relata que se ouvia muita gente dizer: “É Parolin!” Também os responsáveis pela imprensa vaticana partilhavam dessa opinião; seu apoio a Parolin não era segredo. “Chegaram até a nos dizer que uma edição do L’Osservatore Romano, o jornal diário do Vaticano, já estava impressa e pronta.”

Mas quando Prevost — agora papa — anunciou seu nome, ecoou na Praça São Pedro um alto canto, quase como de torcida organizada: “Leooo-ne, Leooooo-ne!”, como se ouve dos torcedores italianos de futebol. Piqué e O’Connell relatam que, na varanda do Palácio Apostólico, numerosos funcionários da Cúria haviam se reunido, prontos para celebrar a eleição de Parolin. Mas o clima mudou abruptamente: “Todos nós ficamos petrificados, atônitos, abatidos”. Então, um monsenhor experiente tentou romper o silêncio: “Lo faremo uno di noi” — “Nós o tornaremos um dos nossos”.

“Eu não esperava me tornar papa”

Enquanto, por trás dos muros do Vaticano, a Cúria tentava se reorganizar, mais tarde, nas proximidades da Praça São Pedro, ocorreu uma pequena cena quase íntima. Uma menina chamada Michele aproximou-se do papa e pediu que ele abençoasse e autografasse sua Bíblia. O recém-eleito papa norte-americano-peruano fez isso imediatamente — e com humor. “Ainda preciso treinar essa assinatura; a antiga não serve mais”, disse ele, sorrindo. Em seguida, surpreendeu-a com uma pergunta simples, quase infantilmente curiosa: “Que dia é hoje, 8 de maio?” Uma pergunta que, no turbilhão daquele momento histórico, soava estranhamente realista, pé no chão, quase cotidiana. Pois, evidentemente, para alguém que, em poucas horas, passa de cardeal a chefe da Igreja Católica, trata-se de uma ruptura de proporções dificilmente imagináveis. Em Roma, ele era conhecido no Dicastério para os Bispos, mas, em escala mundial, era amplamente desconhecido, exceto no Peru.

Piqué e O’Connell ressaltam que Prevost, apesar da surpresa, não entrou no Conclave de forma totalmente ingênua. Ele sabia que se especulava sobre suas chances de ser considerado papabile, como contou depois. Mas, ao mesmo tempo, considerava essa possibilidade extremamente remota. “Eu não esperava me tornar papa. Jamais pensei que os cardeais escolheriam um norte-americano.”

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