17 Dezembro 2025
Uma corrente de irreverência circula no pensamento de Carlo Rovelli. Poderíamos compará-la à famosa imagem em que Albert Einstein mostra a língua e revela seu lado jocosamente provocativo ao mundo.
A reportagem é de Antonio Gnoli, publicada por Robinson, 14-12-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Rovelli também gosta de brincar: com a ciência, com a literatura, com textos filosóficos. Assim, percebe-se seu remar contra a corrente que faz dele uma figura insólita da física contemporânea. Carlo acredita que rebelar-se é correto: contra o poder, as guerras, a cultura dominante, o tédio. Ele se sente um filho dos anos 1970. Quando escreve ou fala, é como se surfasse num equilíbrio precário sobre a superfície do mundo. Seu livro mais recente, Sull’eguaglianza di tutte le cose (Sobre a Igualdade de Todas as Coisas, publicado pela Adelphi), é um manifesto da estranheza — pelo menos é assim que imagino a física contemporânea — graças a qual Rovelli tenta recriar uma ordem provisória, com a ajuda da literatura e da filosofia.
Eis a entrevista.
O título do seu novo livro não parece muito científico.
Eu sei disso. Remete a um grande texto da antiguidade, o Zhuangzi, e em particular ao capítulo que discute a igualdade de todas as coisas.
Igualdade em que sentido?
As coisas, para quem as observa, não existem como tais, mas existem para nós em relação umas às outras. Aquele texto chinês no qual me inspirei, em seu antifundacionalismo, de alguma forma antecipa as viradas da física do século XX.
O que você quer dizer com "antifundacionalismo"?
Que a realidade, com tudo o que a compõe, não tem um único fundamento.
E o que isso causa?
Uma sensação de intensa precariedade que nos torna inseguros e nos faz viver na incerteza. É a marca do mundo em que vivemos.
Precisávamos da física atual para nos dizer isso?
Certamente que não. Mas a ciência atual nos torna conscientes da profunda complexidade do mundo em comparação com a imagem que tínhamos durante o Renascimento e, especialmente, durante o Iluminismo. Somos, é verdade, filhos do Iluminismo. Portanto, tentamos explicar o mundo recorrendo apenas à Razão. Mas acredito que ninguém mais hoje em dia pode cultivar aquele sonho.
Por quê?
O mundo é muito mais complexo, e a razão por si só não basta para o revelar. Além disso, não somos as criaturas privilegiadas que pensávamos ser, que se iludiam de ter uma visão geral, uma visão de fora. Estamos totalmente imersos neste mundo, do qual temos uma visão parcial. Nosso olhar é prospectivo, não absoluto. E é por isso que o que aprendemos da realidade está exposto à incerteza e a nossa parcialidade de julgamento. Essa é uma das lições da ciência do século XX.
Você se refere à mecânica quântica e à teoria da relatividade?
Essas são as duas perspectivas que tentei conectar em meus estudos.
Qualquer um que se aproxime desses dois campos se sente desencorajado. Até mesmo os físicos às vezes ficam desorientados.
Uma verdade contraintuitiva que escapa aos limites da lógica comum pode ser um problema para o senso comum. Uma das descobertas mais surpreendentes da física do século XX, que muitos consideram inconcebível, é considerar o tempo não como algo absoluto e universal, mas sim estatístico. Pode parecer normal para nós, como tem sido durante séculos na ciência e na filosofia, que exista uma relação necessária entre causa e efeito. Na realidade, a orientação causal do mundo — que percebemos como se desenrolando no tempo com um antes e um depois — é apenas um fenômeno estatístico.
Mas que diferença faz saber que existe um tempo diferente daquele que percebemos, que, por exemplo, neste momento são três da tarde tanto para você quanto para mim?
Nada e tudo. Nada, porque continuamos fazendo as mesmas coisas. Quando descobrimos que a Terra girava em torno do Sol, o que mudou? Continuamos a levar uma existência mais ou menos igual à de sempre.
Você quer dizer que essas descobertas tiveram impacto relativo na vida cotidiana?
Saber que um copo é feito de moléculas e que a água contida nele é feita de oxigênio e hidrogênio não tem impacto algum em nossas vidas. Contudo, se olharmos para o passado, é inegável que aprender coisas novas sobre o mundo mudou profundamente a nossa visão. Darwin, com suas descobertas, colocou as religiões em crise, assim como a revolução copernicana. Na Idade Média, acreditava-se que o mundo era ‘governado’ por anjos e sustentado por influências astrais; a modernidade o analisa em termos de moléculas e átomos. Tais mudanças culturais profundas são leituras legítimas do mundo, se consideradas em seu contexto histórico.
No livro, as partes filosóficas parecem descender de uma cultura pós-moderna e, em particular, do pensamento fraco.
Sou um pouco filho do pensamento dos anos 1970. Na universidade, além de estudar física, lia Deleuze, Guattari e depois Derrida. O pensamento fraco de Vattimo estava no ar. Ao crescer, especialmente como cientista, desenvolvi algumas resistências àquele tipo de reflexão. Mas reconheço que traços das ideias daquela época permaneceram no que escrevo.
Considerando tudo, não me parece que o pós-modernismo tenha deixado marcas significativas.
Comparado àquele período cultural, espero oferecer algo mais pertinente sobre os desenvolvimentos da ciência contemporânea e o que ela nos diz sobre o mundo. Sem deixar de criticar as arrogâncias da ciência quando pretende fornecer uma descrição completa do mundo.
Você se define como um filho dos anos 1970. Outro de seus títulos, "Il volo di Francesca", parece ter saído daquele período.
É uma história dolorosa e importante sobre aqueles anos. Eu tinha me apaixonado perdidamente por Francesca e, de repente, sai daquele relacionamento. Não sei por que fiz isso. Muitas vezes fugi das minhas histórias.
Só que Francesca se perdeu.
O que aconteceu depois da nossa separação foi um grande questionamento de tudo. O delírio de Francesca, convencida de que Verona havia sido invadida por demônios, arrastou a mim e a outros amigos para todo tipo de confusão.
Francesca acabou em um hospital psiquiátrico, e você, junto com outros, decidiu tirá-la de lá, “sequestrá-la”. Por quê?
Tirá-la de lá foi um ato de rebeldia contra a instituição. Éramos jovens de boas famílias que fingiam estar engajados na revolução. Era fácil contestar o sistema sabendo que isso não afetaria nossas existências. Mas naquele momento, entendemos que algo sério estava em jogo: a vida de Francesca. Foi ela quem, ao acordar no hospital, me disse para levá-la embora.
Como você reagiu ao pedido?
A escolha não foi fácil. Aceitar o diagnóstico dos médicos ou ter a coragem de seguir as próprias ideias? Para mim, analisando a situação, era crucial entender que o que parecia óbvio para ela não era para nós. E que a obviedade não é um bom critério para estabelecer o que é verdadeiro ou falso.
Você compartilhou uma história de cura?
Sim, mas não como uma transição da irrealidade para a realidade. A cura foi, no máximo, deixar para trás uma realidade pessoal, perdida e solitária para entrar em uma realidade compartilhada onde Francesca pudesse voltar a viver entre os outros. Em fazê-la sentir quanto afeto havia em nossa decisão.
Por que você quis revelar uma história tão profundamente pessoal?
Eu havia pensado e escrito sobre tudo isso, e depois deixei passar muito tempo. Francesca, nesse meio tempo, teve uma vida linda. Dedicando-se ao teatro, ela preservou uma riqueza humana que também provém de sua imprevisibilidade. Sou eu que senti a necessidade de contá-la junto com Francesca, Giorgia e Massimo. Quatro perspectivas para contar uma história que é certamente dramática, mas que tem muitas facetas: filosóficas, pessoais, culturais e de amizade, o que a tornou única à sua maneira.
Você fez isso despojando-se do papel de cientista?
Só em parte. Tendo estudado mecânica quântica, sei o quanto ela contribuiu para demolir certas crenças que nos parecem óbvias: como o que são os objetos, o que é a matéria, o que são o tempo e o espaço, o que é um sistema separado dos outros. Estou convencido de que nossa cultura e nossas emoções não podem deixar de participar dessas descobertas: é a 'igualdade de todas as coisas'.
Uma história como a de Francesca pode realmente ser comparada à mecânica quântica? “Por que não?
A história de Francesca me fez perceber que eu mesmo havia escapado de um perigo mortal. Senti-me despojado de tudo. Desamparado e vulnerável. Sem nenhuma certeza mais. Totalmente frágil, como uma criança em seu primeiro dia de vida. Aprendi a mesma lição de humildade, em elação a quem pensa que entende tudo sobre o mundo, com a ciência.
É por isso que você usa explicações filosóficas e se refere a textos orientais?
Estou simplesmente buscando um quadro cultural onde as novidades profundas sobre o mundo podem interagir. A física nos ensina que o mundo está inextricavelmente conectado, e aprendi a mesma lição com o Zhuangzi.
Seu livro "Sobre a igualdade de todas as coisas" apresenta muitas citações literárias. Há um excerto das Elegias de Duino, de Rilke: "Através das duas esferas, todas as idades, a corrente eterna arrasta. E a ambas domina com seu rumor." O que isso tem a ver?
Para mim, Rilke é um poeta muito importante. Nos versos que você citou, fala do fluxo do tempo, que não se limita ao nosso tempo. Parece impossível inscrever aqueles versos em uma visão científica, mas toda a discussão que enfrento sobre o tempo me diz que é possível.
Há uma constelação de pensadores e livros que você menciona: Zhuangzi e os Vedas, Nagarjuna, Spinoza, Wittgenstein, até mesmo Kierkegaard. O que os une?
Dentro dessa constelação, estou interessado na relação com a religião, não como uma experiência de transcendência, mas como aquilo que ainda podemos experimentar na relação do sagrado com a natureza. Os autores que você citou alertaram contra a falta de sensatez das perguntas sobre a natureza última das coisas e dos seres humanos, sobre a busca pelo fundamento da verdade. Não vejo nenhuma contradição entre minha atitude em relação à natureza e a aridez das equações. Ou essas experiências andam juntas, ou devemos nos resignar a não ter entendido nada sobre o mundo.
Você há de admitir que o Zhuangzi é um texto ilegível em muitos aspectos.
É um daqueles livros, como a Ética de Spinoza ou Sobre a Certeza de Wittgenstein, que, quando você os lê pela primeira vez, não entende nada. Eles exigem releituras constantes. Como os últimos Quartetos de Beethoven, que me pareceram uma mistura confusa de sons e agora estão entre as coisas mais belas que escuto. Aprende-se aos poucos.
O que é um texto clássico?
Um texto clássico não é interessante para entender o que o autor quer dizer. Não me importo muito com isso. É importante pelo que ele pode me transmitir. Quando leio os Evangelhos, não me pergunto o que os apóstolos queriam dizer há dois mil anos. O que importa é a imensa força que recebo de seus ensinamentos.
Isso também se aplica ao Zhuangzi?
Sim, encontro nele uma visão aberta do mundo que me fascina. No Zhuangzi, percebo um grande naturalismo, o profundo senso da perspectiva cética e uma extraordinária coleção de pensamentos muito agudos, cuja alegria me tranquiliza. Aceitar a ideia de que não sou o próprio Carlo — barricado na fortaleza do seu próprio eu — mas sim uma série de eventos que acontecem e com os quais estou conectado tornou minha vida mais fácil.
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