15 Dezembro 2025
"O Evangelho não oferece respostas, mas nos convida a ver o que está acontecendo. A ler os sinais como uma pintura abstrata, onde o significado não é dado, mas surge do olhar, e envolve o olhar que observa".
O artigo é de Antonio Spadaro, jesuíta e ex-diretor da revista La Civiltà Cattolica, publicado por Religión Digital, 14-12-2025.
Eis o artigo.
“És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” É João Batista quem faz a pergunta, mas não como um homem livre. Ele está na prisão. E a prisão — qualquer prisão — é o lugar onde as certezas tremem, onde o tempo se distorce. De lá, da escuridão, João envia seus discípulos para questionar Jesus. Sua pergunta expressa a dúvida de quem deu tudo por uma voz, por um anúncio, por uma promessa. E agora ele se pergunta: Será que era verdade?
João Batista, o homem do deserto, do fogo, do juízo, agora está confinado entre quatro paredes. Ele não pode mais gritar, apenas questionar. Ele esperava um gesto espetacular, um poder que quebraria as regras do mundo. Mas Jesus não responde com uma afirmação. Ele não diz: "Sim, sou eu". Ele diz: "Vão e contem a João o que vocês ouviram e viram". Não se trata de uma identidade, mas de uma narrativa, o relato de eventos: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são curados, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a boa nova.
A resposta é uma sequência de corpos. Corpos curados, restaurados, transformados. Não símbolos ou teorias, mas carne: olhos se abrindo, pernas se movendo... É como se Jesus dissesse: "Vejam o que acontece quando eu passo". Seu reino não é abstrato, é corpóreo. É uma narrativa tecida a partir de carne tocada, feridas curadas, existências restauradas. É o mesmo olhar que penetra certas pinturas de Caravaggio, onde a luz incide sobre mãos sujas, rostos cansados, pés doloridos. Tudo é experiência vivida, transformação concreta.
E então, aquela declaração contundente: “Bem-aventurado aquele que não tropeça em mim”. Porque Jesus é um escândalo. Ele não é um herói, não é um libertador armado, não é um messias de capa de revista. Ele é alguém que não salva do sofrimento, mas sim de dentro do sofrimento.
Então a narrativa muda de foco. Os discípulos de João partem. Jesus se dirige à multidão e fala especificamente sobre João. Ele o elogia com palavras que ressoam com absoluto respeito: "O que vocês foram ver no deserto? Uma cana agitada pelo vento? Um homem vestido com roupas finas?" É irônico, mas também admirável. João é um homem íntegro: ele não se deixou levar pelas mudanças de opinião, não é uma figura da corte, do clero. Ele não se senta em palácios. Ele é um profeta e muito mais.
João parece ter brotado das mãos de Alberto Giacometti; é uma daquelas esculturas esbeltas com sua tensão ascética suspensa entre o ser e o desaparecer, mas que avança. As formas, reduzidas à sua essência, como a voz do profeta no deserto, abrem um espaço de espera.
Jesus o coloca até mesmo no centro da história da humanidade: “Entre os nascidos de mulher não surgiu ninguém maior do que João”. Mas então acrescenta: “O menor no reino dos céus é maior do que ele”. Aqui há uma desconexão. O maior é superado pelo menor. O profeta da espera é superado por aquele que acolhe. A voz que proclama é superada pelo silêncio que reconhece. João é o limiar. Quem entra, deixa para trás até mesmo o grito. Porque o que vem depois não precisa mais ser anunciado: é mostrado. É tocado. É vivido. É carne.
O Evangelho não oferece respostas, mas nos convida a ver o que está acontecendo. A ler os sinais como uma pintura abstrata, onde o significado não é dado, mas surge do olhar, e envolve o olhar que observa. A pergunta de João, então, permanece em aberto. A fé não é um teorema nem uma resposta árida: não é uma posse. É um caminho que passa pela observação, pela leitura da própria história, e que, em última análise, encontra paz apenas no gesto daquele que toca um cego e o faz ver.
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