11 Dezembro 2025
Cerca de 90% das pessoas na Alemanha comem carne, apesar de muitos argumentos a favor de uma alimentação sem carne. O motivo, explica o teólogo e autor Gregor Taxacher – é também por que a teologia tem responsabilidade nisso.
Há muitos argumentos a favor de uma alimentação sem carne, mas cerca de 90% das pessoas na Alemanha continuam comendo carne. O teólogo e autor Gregor Taxacher, da TU Dortmund, diz na entrevista que existe um sistema que mantém longe do nosso corpo o conhecimento sobre a indústria da carne: a escandalosa criação industrial de animais e o sofrimento animal permanecem invisíveis. A teologia também tem responsabilidade nisso, pois durante muito tempo alimentou a ideologia de que a criação foi feita para o ser humano, que poderia se servir dela.
A entrevista é de Verena Tröster, publicada por katolisch.de, 10-12-2025.
Eis a entrevista.
O que há para comer no Natal na sua casa? Existe alguma tradição, como acontece com tantas pessoas?
Não, não há uma tradição fixa e ainda não está definido. Alguns filhos adultos vêm, e então é preciso encontrar algo que agrade a todos. Como, em casa, minha esposa e eu já não comemos carne há anos, isso tem que ser algo que ainda assim tenha um ar festivo. Mas ainda não sei o que será.
Por que o senhor não come mais carne?
Porque não quero comer animais mortos. Às vezes digo que dá para ver que a teologia até pode mudar vidas. Há cerca de dez anos comecei a me dedicar à teologia e aos animais. Naquela época eu ainda comia carne, mas por motivos ambientais tentava reduzir cada vez mais.
Durante essa dedicação à teologia e aos animais, em algum momento percebi: isso não dá. É uma dissonância cognitiva tão grande, um contraste tão forte entre a prática e aquilo que penso, que acabei desistindo.
Qual é o ponto de virada em que o senhor diz “não”?
Do ponto de vista da ética animal, os animais – pelo menos todos aqueles que costumamos utilizar dessa forma – são seres sencientes, capazes de sentir, que querem viver do mesmo modo que nós queremos. Em linguagem filosófica, diríamos que são sujeitos de sua própria vida. E há poucos motivos, exceto a legítima defesa, para justificar por que seres sensíveis podem simplesmente matar e comer outros seres sensíveis.
Hoje vivemos em uma civilização e em uma cultura. Não quero julgar os primeiros seres humanos. Também não quero julgar pessoas que vivem em regiões árticas e que não podiam ou não podem se alimentar de outro modo. Tampouco quero julgar nossos antepassados nesse sentido. Mas vivemos em uma civilização na qual isso é possível sem carne – e é possível viver bem assim. Por isso, para mim, há uma inversão do ônus da justificativa. Para mim, a pergunta não é “Por que o senhor não come carne?”, mas a pergunta eticamente obrigatória é: “Por que o senhor faz isso?”.
Em que nível os animais se situam teologicamente, se isso pode ser representado dessa forma?
Justamente essa ideia de “nível” já é parte do problema. Na teologia e na filosofia tradicionais, isso era chamado de Scala Naturae, a escada ou escala da natureza, na qual se estabelecia uma hierarquia. Deus ficava no topo, depois vinham os anjos, depois o ser humano e, por fim, os animais.
Isso, do meu ponto de vista e do ponto de vista de muitos que hoje se dedicam ao tema, é uma forma problemática de ver o mundo. Hoje sabemos, do ponto de vista da biologia evolutiva, que nós mesmos somos animais. Surgimos a partir deles. Nesse sentido, compartilhamos muita coisa com eles. Curiosamente, a Bíblia já sabia disso, mesmo sem conhecer Darwin. Aparece ali repetidamente a fórmula “toda carne”. Ou aquela que colegas e eu até usamos como título de um livro: “Tudo o que respira”.
Um título realmente muito bonito, que deixa essa ligação bem clara.
Sim, e o sopro – ruach, em hebraico – é a característica comum dos seres vivos dotados de alma. As palavras “alma” e “espírito” vêm originalmente desse termo para o sopro. E há ainda o outro lado, o corporal: a Bíblia fala muitas vezes de “toda carne”, por exemplo no dilúvio, quando ele vem e toda carne perece; aí estão incluídos tanto seres humanos quanto animais. Havia consciência dessa comunhão, de sermos, de algum modo, seres dotados de alma e de sensibilidade. Nesse sentido, somos, em certo grau, animais entre animais, com uma obrigação específica de solidariedade em nível ético.
Quando o senhor diz que “tudo o que respira” tem sensibilidade, “tudo o que respira” tem uma alma? “Tudo o que respira” é imortal?
Essas são questões muito difíceis e complexas. A alma, do meu ponto de vista, não é uma substância. Por isso, algumas pessoas, mais inclinadas às ciências naturais e ao materialismo, dizem: alma, o que seria isso afinal? Pode-se investigar o ser humano de todas as formas possíveis e não se encontra nenhuma.
A alma é, portanto, antes de tudo, um conceito de comunicação ou de relação. Como reconhecemos que alguém tem alma? Quando nos comunicamos com essa pessoa, olhamos nos seus olhos e dizemos: ali há alguém que, de algum modo, é como eu. Partilhamos essa experiência fenomenal originária, e isso também percebemos nos animais – pelo menos naqueles que são relativamente parecidos conosco. Isso se torna, naturalmente, cada vez mais difícil do ponto de vista fenomenal quanto mais diferentes eles forem de nós. Mas animais nos quais podemos olhar nos olhos, animais que manifestam algum tipo de reação, desses jamais diríamos intuitivamente – como fez o filósofo Descartes – que são apenas máquinas que funcionam de modo automático.
Ninguém diria isso de seu gato ou de seu cachorro, mas também ninguém diria isso de sua vaca. Intuitivamente, vivenciamos isso do mesmo modo como vivenciamos intuitivamente que nossos semelhantes têm algo interior, embora também não possamos provar isso. Em certo sentido, podemos dizer que vivenciamos intuitivamente o ser-sujeito dos outros, mas também, em certo sentido, acreditamos nisso. Se você diz “estou com dor”, você não pode me provar isso, por isso eu preciso aceitar sua capacidade de sentir.
Quando um animal uiva e grita, parto intuitivamente do pressuposto de que ele expressa um sentimento e de que, portanto, ele sente esse sentimento de modo semelhante ao meu, ao menos de forma analógica. Quando o filósofo Descartes diz que, se um cachorro grita de dor – como fizeram nos primeiros experimentos com animais, nas vivissecções –, isso é apenas como o rangido de uma máquina, então é preciso um enorme esforço teórico para acreditar nisso. Essa convicção é artificial e, naturalmente, tem finalidades.
Certa vez li entrevistas de um sociólogo que conversou com pessoas que trabalham em matadouros. Ele as perguntou como conseguem suportar isso sem se traumatizar, se é que isso realmente funciona. E uma das respostas dessas pessoas foi: por exemplo, elas não podem, de jeito nenhum, olhar o porco nos olhos. Ou seja, não podem, de forma alguma, sair do papel da objetificação.
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