18 Dezembro 2025
Após a “mania de freiras” de Rosalía, o fascínio por “padres sexy” renasce. De padres reais no TikTok a atores como Josh O'Connor, os padres se tornaram uma obsessão doentia nas redes sociais.
O artigo é de Lucas Barqueiro, formada em Cinematografia e Artes Audiovisuais pela URJC e mestre em Jornalismo pela UAM, publicado por El País, 09-12-2025.
Eis o artigo.
O filme Knives Out: From Among the Dead, o terceiro da saga, lançado em 28 de novembro nos cinemas e em 12 de dezembro na Netflix, guarda um mistério muito maior do que os assassinatos comuns: de onde vem o fascínio atual por padres? Desde o anúncio, as redes sociais estão em polvorosa com a notícia de que o ator britânico Josh O'Connor interpretaria um padre carismático suspeito de assassinato. Esse arquétipo do padre atraente é conhecido como o “padre gato” graças a um de seus colegas de elenco no mesmo filme. Seis anos atrás, Andrew Scott interpretou o padre com quem a protagonista de Fleabag teve um romance, e desde então ele se tornou uma obsessão na internet. E não apenas na ficção.
Antes da febre das freiras desencadeada por Rosalía em Lux, já existia uma febre por padres. Mania de padres? Durante anos, as contas de redes sociais de padres jovens e atraentes acumularam milhares de seguidores. O caso mais recente é o do Padre Jordan, religioso britânico que teve de desativar os comentários em seus vídeos devido aos milhões de mensagens que recebeu neste verão elogiando seu físico de “padre gato”.
Durante o encontro de influenciadores católicos convocado em julho passado pelo Papa Leão XIV, o termo “padres bonitos” também foi tendência nas redes sociais. Mas essa moda é bem mais antiga — pelo menos 21 anos, que é o tempo de publicação do Calendário Romano de Piero Patzi, mais conhecido como o “calendário dos padres bonitos”. A edição de 2026 acaba de ser lançada com quase as mesmas fotos de sempre, e embora a maioria dos padres não seja real, tornou-se um emblema da cidade. A chave é a fantasia, razão pela qual pouco importa que sejam modelos, e o melhor lugar para estudar fantasia é no cinema.
Já em 1944, o conflito de um homem dividido entre seu passado romântico e sua vocação foi explorado com o icônico Gregory Peck em As Chaves do Céu. Hitchcock, fiel ao seu tema recorrente de trauma religioso, abordou o mesmo conflito e elevou a tensão com o elegante Montgomery Clift em um de seus thrillers, Eu Confesso (1954). Desde então, o segredo da confissão e do celibato, aliado ao inegável magnetismo de seus atores, tornou-se uma força narrativa frequente em todos os tipos de gêneros. Alguns aparecem como figuras carismáticas em investigações policiais: Christopher Reeve em Monsignor (1982), Antonio Banderas em O Corpo (2001), Ewan McGregor em Anjos e Demônios (2009) ou até mesmo Ralph Fiennes no recente Conclave (2025).
Mas os que mais se destacam são aqueles que acabam imersos num jogo de sedução. O caso mais emblemático é o de Richard Chamberlain em Os Pássaros Feridos (1983), mas também apareceram em Sex and the City (1998-2004) e Derry Girls (2018-2022).
Com todo o respeito a Fleabag (2016-2019), que representou uma verdadeira reinvenção cultural, o caso mais emblemático recente seria o de Jude Law em The Young Pope (2016), que interpretou o epítome do padre sexy: o papa sexy. Um papa, mais parecido com uma estrela do rock megalomaníaca, sempre com um cigarro na mão, e que chegou a ser mostrado usando uma sunga branca na praia. Mas por que essas figuras geram tanta atração? “O fascínio vem do proibido, do que está fora de alcance. É uma subversão completa da norma”, explica Virginia Yagüe, escritora, roteirista e atual presidente da DAMA, uma organização de gestão de direitos audiovisuais.
Para ela, a obsessão por padres segue os mesmos princípios dos antigos casos de mulheres que acabaram estabelecendo relações epistolares com prisioneiros por causa daquela sensação de se aproximar, mesmo que à distância, do tabu. Yagüe sabe do que está falando, pois escreveu um dos casos mais memoráveis do padre sensual na Espanha: Rodolfo Sancho em La Señora (2008-2010).
Na série, uma marquesa do início do século XX se vê em um triângulo amoroso entre o marido e seu amor de infância, o padre Ángel. “Rodolfo ficava nos perguntando por quanto tempo seria sustentável para o personagem dele permanecer padre, e nós respondíamos: até o fim. Esse amor impossível, a tensão entre desejo e dever, era a base do conflito dele, e se ele deixasse o sacerdócio, tudo acabaria”, acrescenta.
Nas reuniões dos roteiristas, eles debatiam até onde poderiam levar a história de amor, e a resposta foi: “até o fim, até o quarto”. Yagüe citou Os Pássaros Feridos como uma de suas influências e, justamente por isso, achou que o tema já havia sido explorado. Estava enganado. Embora a audiência tenha sido excelente, a série também gerou alguma controvérsia: “Me dá um pouco de risada, mas acho que tenho um veto explícito da Conferência Episcopal. Um dia, eles simplesmente pararam de responder às perguntas dos roteiristas sobre a precisão histórica”.
Ele argumenta que, no seu caso, se refugiou no fato de ser uma obra de época, mas reconhece que representar essa figura de padre atraente no contexto de 2025 levanta muitas outras dúvidas para ele.
Yagüe levou esse debate aos seus colegas roteiristas, e duas posições claras emergiram. De um lado, estavam aqueles que acreditavam ser um mecanismo para questionar o poder dos padres. “Nada desafia mais a autoridade deles do que mostrá-los por inteiro”, explica ele. Transformar uma figura com tal status em objeto de desejo é, em parte, uma maneira de desmantelar o poder que historicamente exerceram.
Esse mesmo mecanismo explica o fascínio da comunidade LGBT por padres atraentes como uma resposta ao discurso homofóbico que parte da Igreja continua a perpetuar (é quase um subgênero dentro do pornô gay, e foi notícia há mais de uma década que o Papa Bento XVI abençoou, sem saber, dois atores de filmes adultos que se passavam por seminaristas).
Por outro lado, havia quem acreditasse que glorificar a figura do sacerdote, mesmo que apenas esteticamente, é uma forma de encobrir a Igreja num momento em que esta ainda se encontra envolvida em muitas controvérsias, como os inúmeros casos de abuso. Em outras palavras, com uma nova e atraente imagem, sua relevância e status são, em última análise, reafirmados. Então, o que revela o atual fascínio do público e da ficção pelos sacerdotes? Um ressurgimento do interesse religioso ou justamente o oposto?
Víctor Albert Blanco, doutor em Sociologia da Religião e pesquisador da Universidade Autônoma de Barcelona, prefere colocar esse suposto momento religioso em perspectiva. “Todos esses produtos culturais podem surgir ao mesmo tempo em que a secularização avança. Os fiéis praticam sua fé com mais intensidade, com muita atividade nas redes sociais, e muitas organizações religiosas tentam vincular esse momento cultural à ascensão do catolicismo, mas os dados indicam o contrário.”
Para Blanco, todo esse debate se insere no que a sociologia chama de paradigma da secularização: “Antes se pensava que a religião desapareceria da vida pública, mas, na realidade, ela se transformou e migrou para outras esferas.”
Blanco argumenta que padres atraentes ou a obsessão de Rosalía por freiras não estão necessariamente ligados a um aumento do interesse pela religião. Na verdade, demonstram justamente o contrário: reafirmam o conceito de “catolicismo banal”, ou seja, o processo pelo qual o catolicismo perde sua posição hegemônica e institucional para sobreviver apenas na estética ou em pequenos gestos enraizados na cultura.
Essa mudança permite, por exemplo, fantasias frívolas sobre batina e colarinho clerical. No entanto, Blanco lamenta que, especialmente na Espanha, a ascensão de associações de extrema-direita e ultrarreligiosas possa, por meio de contestações judiciais, sufocar todas essas expressões culturais que questionam o papel da religião. Talvez seja por isso que um padre atraente seja agora mais necessário do que nunca.
Leia mais
- Adeus ao "efeito Rosalía"? Dois em cada três jovens se declaram espirituais, mas fora das religiões institucionais
- De Rosalía a Hakuna, por que a imagem cristã retornou à música? Artigo de Clara Nuño
- O milagre da Geração Z: a religião virou ‘trending topic’. Artigo de Anna Ferri
- Não celebrem acriticamente o retorno à religião entre os jovens, avisa a teóloga austríaca
- Teólogo pastoral: jovens buscam cada vez mais apoio na religião
- Segundo a teóloga Polak, a igreja é parcialmente culpada pela perda da fé
- "Entre os jovens, as religiões se esfacelam, mas as espiritualidades florescem". Entrevista com Jean-Pierre Willaime
- Na França, o fenômeno religioso reconfigurado
- Pós-religião? Na França, ganham força os "jovens fanáticos"
- Jovens europeus cada vez mais distantes da religião
- Os jovens católicos franceses são mais conservadores que os adultos
- Desvinculação religiosa entre os jovens é maior do que a adesão ao pentecostalismo. Entrevista especial com Silvia Fernandes
- Nada de alienante. Cultura pop é campo para mobilizações e articulações políticas. Entrevista com Thiago Soares
- Lady Gaga em perspectiva teológica
- Lady Gaga: espelho de nosso cotidiano. Entrevista especial com Thiago Soares
- K-pop e um ativismo que rompe com a ignorância ocidental. Entrevista especial com Daniela Mazur
- As duas faces da indústria cultural. Artigo de Gabriel Cohn
- O que as teorias da conspiração sobre Taylor Swift nos dizem sobre o triste estado da democracia
- Bad Bunny não fará turnê pelos Estados Unidos devido a ataques aos imigrantes
- Polícia diz ter desbaratado ataque contra show de Lady Gaga
- Cristianismo e nova pós-modernidade
- Compartilhando a fé em um mundo pós-moderno
- Cristãos na pós-modernidade
- Os teólogos no magma da pós-modernidade
- Os perigos do pensamento pós-moderno
- A estética da Cruz
- “A estética da cruz provoca a uma decisão radical que põe o nosso corpo a serviço do próximo”. Entrevista especial com Ademir Guedes Azevedo
- Espiritualidade cristã na pós-modernidade. Artigo de Ildo Perondi. Cadernos Teologia Pública Nº 41
- Narrar a Ressurreição na pós-modernidade. Um estudo do pensamento de Andrés Torres Queiruga. Artigo de Maria Cristina Giani. Cadernos Teologia Pública Nº 45
- A cultura midiática propicia o surgimento de um novo sujeito – reflexões sobre o 48º Dia Mundial das Comunicações
- Cultura Pop. Na dobra do óbvio, a emergência de um mundo complexo. Revista IHU On-Line, Nº 545