Tal qual no poema de Fernando Pessoa, cujo Menino Deus desce à aldeia em um raio de sol, num meio-dia de fim primavera, o nascimento de Jesus Cristo nos dá a oportunidade de voltarmos à alegria da existência, que habita as mais singelas e recônditas vidas e formas de vida. “A prática de Jesus e o testemunho das primeiras comunidades cristãs, Igreja perseguida das catacumbas, pré-Constantina, essa sim deverá ser a luz que nos deverá iluminar”, pondera Alfredinho Gonçalves, como é conhecido o missionário scalabriniano, em entrevista por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
“Torna-se claro que o olhar de Deus privilegia os que sofrem, os migrantes e refugiados, os excluídos, os últimos, os descartáveis”, acrescenta o entrevistado. “O Natal que celebramos a cada ano torna-se uma espécie de trampolim para o grande e definitivo NATAL, um projeto de cuidado, de abertura, de bem-viver e de convivência com todas as formas de vida, a biodiversidade”, defende.
Em um contexto tão marcado por desigualdades, violência, exclusão e guerras, é necessário voltar os olhos ao mundo em que vivemos e ao sal terra – nossas gentes –, lembrando que a esperança não vem dos céus, mas germina do “chão pisado pelos povos em êxodo. As mudanças não vêm dos poderosos, reis e príncipes, mas dos pequenos e pobres”.
“A grande novidade do Natal é a construção da paz, como cantam os anjos e os pastores, junto com os reis magos. Que nosso olhar, ao contemplar o Menino Deus, se volte igualmente para milhares e milhões de meninos e meninas cujo Natal não passa de um dia a mais no calendário da fome, da pobreza e da violência”, complementa Alfredinho.
Alfredo Gonçalves (Foto: Arquivo pessoal)
Alfredo J. Gonçalves foi ordenado padre scalabriniano em 1984. Entre 1994 a 1997, trabalhou na Paraíba com os cortadores de cana-de-açúcar ligados à Pastoral dos Migrantes. De 1998 a 2003, trabalhou como assessor do Setor Pastoral Social da Conferência Episcopal (CNBB), no qual se incluía a Pastoral dos Migrantes. Em 2003 atuou nas fronteiras da Argentina, Brasil e Paraguai, como pároco pessoal dos imigrantes na Diocese de Ciudad del Este. Em 2007, foi Superior Provincial da Província São Paulo e atualmente é o Vigário Geral da Congregação dos Missionários de São Carlos desde 2012.
IHU – Qual o significado daquele “nascimento inóspito e insólito, quase em segredo e há mais de dois mil anos”?
Alfredo J. Gonçalves – Mais do que segredo, o inusitado e o significado desse nascimento residem no próprio Mistério da Encarnação. Este, ao mesmo tempo, vela e revela o abaixamento de Deus ao nível da história humana. Duas citações bíblicas ilustram tamanho mistério. Primeiramente, o hino do apóstolo Paulo na Carta aos Filipenses: “Ele tinha a condição divina, mas não se apegou à sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz”. (Fl 2, 6-8). Os verbos 'esvaziar-se' e 'humilhar-se' remetem ao estado de nudez. Um Deus que se desnuda de sua condição divina, de seu poder e glória para, junto com os seres humanos, enfrentar os desafios e embates do cotidiano.
A segunda citação refere-se a Lucas, o evangelista que mais se debruça sobre a infância de Jesus. Escreve ele: “Enquanto estavam em Belém, se completaram os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles dentro de casa” (Lc 2, 7). A palavra “lugar”, de acordo com o antropólogo francês Marc Augé, autor do livro Não-lugares, designa um ambiente familiar, íntimo, conhecido, aconchegante. Um abrigo seguro e acolhedor, humanamente cálido, enfim, um lar. Os não lugares, em contraposição, são as zonas de passagens, como rodoviária e aeroporto, por exemplo, quando não vemos a hora de chegar em casa e reencontrar a família. Nada desse calor humano do “lugar” encontrou a família de Nazaré por ocasião do nascimento de Jesus. Desde a infância, o Messias se depara com situações árduas e adversas que o obrigam a lançar-se à estrada.
IHU – Vivemos em um mundo convulsionado, na iminência de uma terceira guerra mundial e onde o Outro é visto como inimigo a ser aniquilado. O que significa receber o Natal neste cenário? De que maneira o Natal pode nos inspirar ou oferecer esperança?
Alfredo J. Gonçalves – Sim, em meio a territórios e países conflagrados, o outro/diferente/estrangeiro representa a figura do “bode expiatório” do momento. Historicamente, como sabemos, foram banidos o herege, o judeu, a feiticeira, o louco, o vagabundo sem trabalho... e assim por diante. Hoje, o migrante e refugiado são tidos como inimigos figadais da ordem. Jesus nasce durante uma viagem, deve se refugiar no Egito devido à fúria assassina de Herodes e exerce seu ministério público como uma espécie de profeta itinerante da Galileia, da Judeia e da Samaria. Mais uma vez, é justamente daí, do não lugar, que Ele vem renovar a esperança das multidões sem raiz, sem rumo e sem pátria.
Do ponto de vista teológico, poder-se-ia dizer que esse não lugar se converte no melhor lugar para lançar as raízes do novo lugar. Em outras palavras, o não lugar se transfigura em lugar privilegiado para proclamar a vinda do Reino de Deus. Este, de fato, exige mudanças profundas e substanciais. Quem possui um lugar seguro, sólido e protegido, quer dizer, quem nasce, cresce e vive em berço de ouro não sonha com grandes transformações. Somente quem experimenta a pobreza, a carência e a fome anseia por algo diferente, algo melhor, por um mundo justo, digno e igualitário. A gruta de Belém torna-se o berço onde vem à luz e se fortalece o núcleo do Reino de Deus. As parábolas de Jesus, aliás, vão expressar uma máxima que se transforma em refrão: a semente, por mais simples e pequena que seja, contém o potencial de uma nova vida.
IHU – Como o cristianismo, particularmente o nascimento de Jesus, responde ao sofrimento humano?
Alfredo J. Gonçalves – Tomemos outra citação para ilustrar. O evangelista João diz no prólogo de seu relato que “o verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14). Fazer-se carne é assumir o corpo humano com toda sua fragilidade. Porém, é mais que isso. É fazer-se presença, olhar, sorriso, abraço, toque... Linguagem de quem muito ama, muito sofre, muito luta e muito sonha. Com efeito, quem passa pela dor, pela fome e pela solidão – três irmãs gêmeas – sabe que sem essa presença e esse toque amigo ninguém poderá se salvar. Cada um de nós pode ajudar muita gente a carregar a cruz alheia. Mas carregar a própria cruz é outra coisa. Cedo ou tarde, ela se tornará pesada demais. Teremos de pedir socorro, chamar alguém para dividir o peso.
Jesus vem mostrar isso. Quem se isola num silêncio fechado, orgulhoso e autossuficiente, tende a morrer afogado no veneno que destila o ambiente cerrado. Quem grita por socorro, encontrará alguma pessoa que lhe estenda a mão. No caminho do calvário, o Cirineu foi essa pessoa. Com a presença ao lado dos mais vulneráveis, o cristianismo nos dá essa lição. A abertura ao estrangeiro pode tropeçar com o rechaço, sem dúvida, mas também encontrará solidariedade. O Pai, Deus de Jesus, não é paternalista. Não coloca tapete à nossa frente para evitar acidentes, nem nos tira do fundo do poço. Faz muito mais que isso: mostra que quando somos irmãos e irmãs, estaremos protegidos dos perigos e dos inimigos.
IHU – Como podemos experimentar o sentido do Natal através do silêncio, das periferias, do encontro com o Outro, dos lugares frios e inóspitos?
Alfredo J. Gonçalves – Convém usar a metodologia de Jesus, isto é, a parábola. Toda árvore, antes de crescer para cima, cresce para baixo; antes de se elevar ao ar livre, à luz do sol e ao céu azul, ela busca a terra úmida e escura; antes de produzir folhas, flores e frutos, ela cria raízes ocultas. Vale o mesmo para a ação evangélica ou o esforço sociopastoral. Antes de pretender atividades grandiosas, espetaculares ou heroicas, é preciso descer ao solo escuro e úmido de lágrimas, suor e sangue; antes do ruído dos aplausos e tambores, está o silêncio da escuta qualificada; antes da luz dos holofotes, da visibilidade das câmaras e microfones, está o árduo trabalho de formiguinha. Antes de pretender o Reino, faz-se necessário descer aos infernos do sofrimento humano.
Determinados setores da Igreja ergueram uma espécie de patamar de segundo nível: uso das redes digitais, retórica eletrizante, roupagem vistosa, ritualismo formal, liturgismo estéril, luxo ostensivo de ouro e prata – como se isso representasse uma volta às origens da Igreja. Em vez disso, trata-se de um retorno à Igreja triunfal e princesa da Idade Média. Igreja aliada ao poder, altar aliado ao trono, Igreja pós-constantiniana, onde cruz e espada muitas vezes se dão as mãos.
Se de fato queremos retomar a Igreja primitiva, devemos ter a coragem de recuar um pouco mais na história. A prática de Jesus e o testemunho das primeiras comunidades cristãs, Igreja perseguida das catacumbas, pré-constantiniana, essa sim deverá ser a luz que nos deverá iluminar. Em tempos de seca, a árvore se alimenta da água acumulada na raiz; em tempos de crise, precisamos retornar às fontes. Ali a água é mais pura e limpa, cristalina e transparente.
IHU – Por que olhar para os pobres, oprimidos, refugiados e migrantes, “os descartados”, é importante para repensarmos o Natal?
Alfredo J. Gonçalves – A imagem do Bom Pastor é uma das mais fortes do Evangelho. Ele deixa as 99 ovelhas sãs para buscar a que se perdeu, a que pode estar ferida, a que está à beira do caminho, como se vê na parábola do Bom Samaritano. Esse olhar de Deus para os vulneráveis ou “descartáveis” percorre toda a Bíblia, desde o Antigo Testamento. Baste-nos confrontar duas passagens bíblicas que deram origem ao que os estudiosos denominam “credo histórico” do Povo de Israel: uma versão primordial em Ex 3, 7-10, e uma versão ritualizada para as celebrações em Dt 26, 5-10.
Na primeira versão lemos que Iahweh viu a miséria do seu povo, ouviu o seu clamor contra os opressores, conhece seu sofrimento, desceu para libertá-lo do poder dos egípcios e enviou Moisés para tirar o povo dessa terra de escravidão. São cinco verbos atribuídos ao Senhor na experiência da sarça ardente: ver, ouvir, conhecer, descer e enviar. Os primeiros três denotam atenção, cuidado, sensibilidade e solidariedade com os que sofrem. Os dois últimos indicam a ação libertadora por parte de Deus e dos profetas como Moisés.
Diferentemente dos deuses dos impérios vizinhos, como Egito, Nínive e Babilônia, e mais tarde Pérsia, Grécia e Roma, o Deus de Israel, tendo consciência da situação precária do povo, desce para libertá-lo. Essa descida ou abaixamento, como vimos acima, ganha sua plenitude no Mistério da Encarnação. O confronto é claro: deuses estabelecidos no trono e no palácio contra um que desce e caminha com seu povo nas estradas do êxodo, do deserto, do exílio e da diáspora. Na libertação do Egito, o povo faz uma experiência espiritual e teológica de Deus completamente diferente e inovadora. Torna-se claro que o olhar de Deus privilegia os que sofrem, os migrantes e refugiados, os excluídos, os últimos, os descartáveis. Renova-se a “opção preferencial pelos pobres” que tanto marcou a caminhada da Igreja em toda a América Latina e Caribe.
IHU – Em 2023, o senhor escreveu um poema falando que Jesus renasceria em Gaza naquele ano. Este ano, onde Jesus renascerá?
Alfredo J. Gonçalves – Poderíamos dizer que celebramos o Natal, não apesar do genocídio de Israel sobre a faixa de Gaza, mas justamente por causa dele. E por causa de tantas outras atrocidades perpetradas nestes tempos conturbados e turbulentos. As Gazas no plural, digamos assim, vão se espalhando por todas as regiões do mundo, como se tivesse sido deflagrada uma Terceira Guerra Mundial, como advertem os papas Francisco e Leão XIV: refugiados do Afeganistão, da Ucrânia e do Iêmen; perseguidos no Sudão do Sul, na Nigéria e na Etiópia; empobrecidos da Venezuela, do Haiti e da Argentina; deportados dos Estados Unidos e de vários países da Europa; fugitivos da pobreza e dos efeitos perversos das mudanças climáticas... a lista é demasiado numerosa para elencar todos os rostos feridos e todos os gritos, sufocados e estridentes. Ou melhor, tanto mais estridentes quanto mais silenciados e silenciosos pela ganância de poucos e o sofrimento de muitos.
A gruta de Belém – hoje um tanto quanto romantizada pelas luzes do presépio, pelos pacotes de presentes e pela intromissão do Papai Noel – multiplica-se por toda parte, na exata medida em que o sistema frenético e endiabrado de produção-consumo-descarte se abate sobre o planeta terra e sobre os trabalhadores e trabalhadoras. Por isso celebramos o Natal: para denunciar esse projeto baseado no lucro e na mercantilização de tudo e de todos, o qual emerge a partir do mundo moderno e, de modo particular, da Revolução Industrial. Projeto de exploração seja da terra e de todos os bens da natureza, seja do trabalho humano como mão de obra.
O Natal que celebramos a cada ano torna-se uma espécie de trampolim para o grande e definitivo NATAL, um projeto de cuidado, de abertura, de bem-viver e de convivência com todas as formas de vida, a biodiversidade. Um projeto não só para um punhado de milionários e bilionários que tentam se apossar da renda e da riqueza. Mas para “todos os seres vivos” e para “as gerações futuras”, conforme se lê no relato da aliança de Deus com o patriarca Noé, simbolizado pelo arco-íris (Gn 9, 12, 17).
IHU – Como poderemos transformar o nascimento de Jesus em um renascimento da fé, da esperança e da solidariedade?
Alfredo J. Gonçalves – O desafio é voltar às periferias, aos porões e às fronteiras. Deixar os templos e as ostentações para ir ao encontro dos que nem sequer dispõem de condições para entrar nos ambientes sagrados. A Igreja deve criar pernas. A porta aberta dos templos não constitui um convite para os pobres entrarem. Faltam-lhes roupa decente e calçado. Sem isso, serão apontados com o dedo em riste, quando não barrados e banidos da assembleia do povo de Deus. Está em jogo a dignidade humana, tanto mais necessária quando vilipendiada. Quando isso acontece, a Igreja viva, agentes e lideranças em especial, deve fazer-se convite vivo pelas ruas, praças e grotões.
Diz o evangelista Mateus que “Jesus percorria toas as cidades e povoados (...). Vendo as multidões, Jesus teve compaixão, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9, 35-38). O verbo percorrer, por si só, abre um leque de possibilidades. O Papa Francisco falava da “Igreja em saída”. Uma Igreja que, a exemplo do Mestre, põe-se a caminho para ir ao encontro dos que erram pelas estradas do mundo. Como no episódio dos discípulos de Emaús, tornar-se peregrino com os peregrinos: olhar seus rostos tristes, escutar suas vozes marcadas pelo medo, o fracasso e a fuga, caminhar com seus passos titubeantes. Quando as multidões “cansadas e abatidas”, das quais Jesus “teve compaixão”, encontram-se ao nosso redor, pelos campos e pelo centro das cidades [precisamos ter compaixão]. Compaixão não é dar coisas, é dar-se. Ou seja, colocar à disposição o próprio tempo.
IHU – Qual a mensagem do Menino de Belém?
Alfredo J. Gonçalves – O menino de Belém vem lembrar que, tal como a flor, a espiga e o edifício, as mudanças não vêm do alto, mas do chão pisado pelos povos em êxodo. As mudanças não vêm dos poderosos, reis e príncipes, mas dos pequenos e pobres. A semente não se desenvolve com saltos e espetáculos, e sim no silêncio úmido do solo. Uma vez mais, quem nasce e mora em fortalezas, teme toda e qualquer transformação. Somente quem mora na tenda ou na casa precária é capaz de pôr-se a caminho. Almeja e luta por habitação mais confortável.
A fortaleza olha para o passado e, não raro, se transformará no túmulo de quem a habita. Ademais, tende a ser inexpugnável aos peregrinos. A gruta ou tenda mantém-se aberta a quem passa pelo caminho. Ilustrativo a esse respeito é o episódio do encontro entre Abraão e Sara, de um lado, e os três forasteiros, de outro. A casa de Abraão e Sara consiste em uma tenda junto com a sombra do carvalho de Mambré (Gn 18, 1-15). Os três forasteiros, mensageiros de Deus, colocam asas nos pés do velho casal. Depressa organizam e servem a refeição. E então recebem a boa notícia: Sara, apesar da velhice, vai ter um filho. Está garantida a promessa de uma “geração grandiosa como as estrelas do céu e as areias do mar”.
IHU – Gaza continua a passar por genocídio transmitido ao vivo. A Palestina é apenas um dos símbolos das mazelas que atormentam o mundo. Como é possível haver Natal depois de Gaza?
Alfredo J. Gonçalves – Também aqui o Natal existe não apesar de Gaza, mas justamente por causa desse genocídio, bem como de outros conflitos, guerras e formas de violência. A grande novidade do Natal é a construção da paz, como cantam os anjos e os pastores, junto com os reis magos. O ódio, a mentira e o desejo de vingança recriam outros Herodes. Como nas redondezas de Belém e em Gaza, quem mais sofre são as crianças. Você tem toda razão: Gaza é símbolo das mazelas e das turbulências humanas, da mesma forma que o são o Holocausto da Segunda Guerra Mundial, a bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki, a escravidão negra nas Américas, a fome e subnutrição ao lado do luxo e ostentação, o massacre de 120 pessoas no Rio de Janeiro, a violência e feminicídio de centenas de mulheres, entre tantas outras tragédias.
O Natal vem lembrar, mais uma vez e sempre, que as armas e a guerra, o ódio e a vingança não são o caminho a seguir. Violência chama violência. Quanto às armas, todos perdem com elas. Só quem ganha são aqueles que as fabricam e as comercializam. Tanto o Papa Francisco quanto o Papa Leão XIV, além dos documentos da Doutrina Social da Igreja (DSI) em geral, desfraldam e sempre desfraldaram a bandeira da paz. Mas, como bem recorda a Carta Encíclica Populorum Progressio, do Papa Paulo VI (1967), “o desenvolvimento integral é o novo nome da paz”. Em todo corpus da DSI, a justiça social e a dignidade humana são contemporaneamente o alicerce e coluna vertebral da paz entre as nações e no interior de cada país.
IHU – Qual sua mensagem para este Natal?
Alfredo J. Gonçalves – Natal é voltar às raízes, beber da própria fonte. Como fazer isso sem cair na perigosa armadilha da Igreja da pompa e do poder? O desafio é ultrapassar os tempos da Inquisição, das Cruzadas e do principado, recuando até a Igreja apostólica e o ministério de Jesus. Neste sentido, o espírito das Comunidades Eclesiais de Base, das Pastorais Sociais e da Teologia da Libertação torna-se mais necessário do que nunca.
Também são necessários os meios de comunicação em geral, mas usados de tal forma a desenvolver uma escuta qualificada dos setores mais marginalizados da história, levando às telas e telinhas a voz dos que não têm voz.
Ainda hoje e sempre, a atenção e o socorro ao ferido que se encontra à beira do caminho e da vida constituem a prioridade das prioridades. A via mais curta e direta para a salvação. Vemos isso não apenas na parábola do Bom Samaritano, mas sobretudo e com maior ênfase no capítulo 25 do evangelho de Mateus, onde a sensibilidade e o cuidado solidário diante do faminto, do sedento, do estrangeiro, do nu, do doente e do prisioneiro se convertem em critério último de salvação (MT 25, 31-46). A indiferença, ao contrário, leva à condenação.
IHU – Deseja acrescentar algo?
Alfredo J. Gonçalves – Desde logo, um santo e abençoado Natal a todos e todas. E que as festividades natalinas, e de modo particular a ceia em família, mais do que nunca necessária e legítima, não nos faça esquecer aqueles para quem essa data pouco ou nada representa. Que a fé, a alegria e a esperança do Natal possam transbordar em ações solidárias em favor dos pobres, excluídos e descartáveis. Que nosso olhar, ao contemplar o Menino Deus, se volte igualmente para milhares e milhões de meninos e meninas cujo Natal não passa de um dia a mais no calendário da fome, da pobreza e da violência.