Como o Natal nos recorda quem somos. Artigo de Bruna Capparelli

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10 Dezembro 2025

Não de repente, mas pouco a pouco. Quando deixa de imaginar um futuro compartilhado, de desejar uma vida a ser transmitida, de reconhecer-se em um “nós” que ainda tenha sentido.

O artigo é de Bruna Capparelli, escritora, publicado por Settimanna News, 09-12-2025. 

Eis o artigo.

Os últimos relatórios do Censis fazem uma fotografia impiedosa da Itália de hoje: uma sociedade cega diante de seus problemas mais evidentes, imersa em um estado de emergência permanente, fragmentada, voltada sobre si mesma. Um país que parece ter perdido a própria vocação e que continua a se consolar olhando-se de cima, ignorando o que acontece embaixo: suas contradições, seus atrasos, sua incapacidade de construir um projeto comum.

Duas condições – a cegueira e a emergência contínua – que nos empurram a nos fecharmos em nosso pequeno quintal, “em busca de um pedaço de bem-estar cotidiano”, com o resultado de laços sociais cada vez mais fragmentados. Na “incomunicabilidade geracional”, consuma-se assim um dissenso juvenil silencioso, “sem conflito”, feito de fugas e deserções.

A essa realidade corresponde uma política “fragmentada em microintervenções” e empenhada em proteger “microcosmos privados”, enquanto o desenvolvimento econômico encalha, incapaz de fixar “metas estratégicas”.

Tornamo-nos um povo que, progressivamente, perdeu as razões para sentir-se como tal. E, no entanto, nos consolamos observando o país “de cima”: os terraços das cidades históricas, as paisagens marinhas, as colinas, os picos nevados. Mas, vivido “de baixo”, a Itália revela sua fadiga cotidiana, as fraturas, a falta de uma visão compartilhada.

A fotografia do Censis é severa, quase de “fim de império”. Mas talvez seja justamente essa a narrativa necessária para provocar uma reação. Há alguns anos, o mesmo instituto nos definia como “sonâmbulos”. Hoje, a pergunta mais urgente é: o que pode realmente nos despertar?

Por história e natureza, somos um povo geográfica e culturalmente diverso, e fizemos de nossa fragmentação um ponto de força: comunidades locais fortes que colaboram nos momentos de crise. Mas hoje essa riqueza está se esvaziando. Nosso “particularismo” tornou-se individualismo, um instinto de desintegração. Cada um parece querer afirmar a si mesmo prescindindo de vínculos, relações, objetivos compartilhados.

Ideais e visões capazes de nos unir são raros. Mas é difícil sonhar juntos quando se está ocupado demais em sobreviver ou em sobrepor-se aos outros. Precisamos de um impulso coletivo, semelhante ao do segundo pós-guerra. E hoje, o inimigo que deveria nos unir é claro, ainda que finjamos não vê-lo: a crise demográfica.

Em 2025, registramos um novo recorde negativo de nascimentos: 369.944 crianças, o número mais baixo desde o segundo pós-guerra. Até 2040, apenas um casal em cada quatro terá filhos. Em 2050, a Itália terá perdido 4,5 milhões de habitantes, o equivalente a Roma e Milão juntas. Desaparecerão 3,7 milhões de pessoas com menos de 35 anos, enquanto aumentarão em 4,6 milhões os maiores de 65, dos quais 1,6 milhão terá mais de 85 anos. Prevê-se que, em 2050, faltarão 8 milhões de pessoas em idade ativa.

Um golpe mortal para o equilíbrio econômico, já que o nosso sistema de bem-estar social se baseia em um pacto entre gerações: as contribuições de quem trabalha financiam as aposentadorias. Em outras palavras: somos um povo que renunciou à vida. E, no entanto, o problema não é o desejo: o Istat nos diz que, se hoje o número médio de filhos por mulher é 1,18, o desejo declarado continua acima de dois.

O potencial existe. Mas é sufocado por obstáculos estruturais: impostos penalizantes, serviços deficientes, precariedade. Formar uma família é percebido como um percurso de obstáculos, uma aventura incerta, por vezes desanimadora. Nem mesmo a imigração, sozinha, pode preencher o vazio: os jovens continuam partindo. E são justamente eles – os jovens – o termômetro da vitalidade de um país. Somos um povo que deseja a vida, mas que muitas vezes renuncia a ela, por cansaço e medo.

O Natal que se aproxima nos recorda algo essencial: para nos salvar, precisamos recolocar no centro o verbo nascer.

Que pode voltar a ser um verbo generoso – palavra que compartilha a raiz com gerar – e, portanto, alegre. Nascer é algo que diz respeito a nós por toda a vida, não apenas individualmente, mas como comunidade. Nascer é realizar a própria vocação até o último instante. Viver, no fundo, é a forma humana de nascer por completo. E fazemos isso todas as vezes que, junto com outros, geramos algo novo, belo, inesperado.

Como o Natal nos recorda.

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