06 Dezembro 2025
Os aliados ocidentais limitaram-se a enviar armas sem uma estratégia de negociação e sem considerar que, se as sociedades se cansassem de financiar a guerra, poderia haver um recuo no apoio.
A informação é de Mariano Aguirre Ernst, publicada por El Salto, 04-12-2025.
É prematuro afirmar se o plano de paz do governo Trump para a guerra da Ucrânia servirá de base para alcançar um acordo futuro entre Moscou e Kiev; que parte das demandas de cada lado será incluída; se haverá garantias de segurança europeias e norte-americanas; e se o que vier a ser acordado poderá ser considerado o início de uma paz duradoura.
Prevê-se que o acordo se baseie em um cessar-fogo permanente, e que a Ucrânia perca, de fato (ainda que não legalmente), uma parte do leste de seu território e a península da Crimeia. Além disso, que Kiev cancele o pedido de ingresso na OTAN; que a Rússia aceite que o país se torne membro da União Europeia; que se estabeleça um número máximo de tropas que a Ucrânia poderá ter; e que armas consideradas ofensivas pelo Kremlin não sejam instaladas no território ucraniano, dentro de uma declaração de neutralidade incorporada à Constituição do país.
Anatol Lieven, do Quincy Institute (Washington, D.C.), afirma que um acordo que deixe três quartos da Ucrânia independentes e com caminho aberto para adesão à UE seria, com nuances, uma vitória para Kiev. Mas sem garantias de segurança consistentes, essas nuances tornam-se fragilidade.
Outras questões são difíceis de aceitar para uma das partes ou para ambas. Primeiro, a exigência ucraniana de que a Rússia compense economicamente Kiev pelos danos causados às suas infraestruturas e à sua população. Segundo, que a Ucrânia aceite o ponto 26 do plano de Trump, que exige uma anistia total para as ações de todas as partes envolvidas no conflito, equiparando invasor e invadido. Ambas as partes teriam de se comprometer a não apresentar reclamações nem considerar queixas no futuro.
O presidente ucraniano Volodímir Zelenski recebe informações sobre a situação no front do Grupo Operativo e Tático de Donetsk, por meio do general de brigada Oleksandr Lutsenko, em Pokrovsk, em 18 de novembro de 2024.
Presidência ucraniana
A terceira questão — e fundamental — são as garantias de segurança solicitadas pelos governos da Ucrânia e da Europa. A Rússia se opõe ao envio de tropas a território ucraniano, como propuseram há alguns meses vários governos europeus. Também é improvável que Londres, Berlim e outras capitais consigam apoio interno para uma missão desse tipo, a não ser que seja uma missão de paz — talvez da ONU — com valor apenas simbólico de dissuasão diante de um eventual ataque russo, mas com mandato que impeça qualquer envolvimento em combate.
Por parte dos Estados Unidos, apesar das súplicas europeias, Trump não está disposto a enviar forças à Ucrânia nem a assumir compromissos que o penalizem ou o confrontem com Moscou. Em seu plano, as garantias de segurança tornam-se apenas um compromisso de que a Ucrânia não será uma plataforma da OTAN na fronteira russa.
Uma não-negociação
Depois da reunião de 2 de dezembro entre os enviados de Trump e autoridades em Moscou, a suposta negociação é absurda, pois nem a Ucrânia — o país invadido —, nem a Europa — principal fornecedora de armas e referência geopolítica —, nem a ONU participam dos diálogos. É uma falsa negociação em que Estados Unidos e Rússia concordam com o resultado final: que a Ucrânia ceda a parte oriental de seu território e abandone a ideia de ingressar na OTAN. Nesse processo, Putin finge barganhar e Trump finge pressioná-lo. No fundo, ambos convergem em submeter a Ucrânia e enfraquecer ainda mais a posição europeia.
De fato, a Europa foi totalmente deslocada pela administração Trump, que primeiro a castigou com tarifas, depois a obrigou a comprar armas norte-americanas para seguir apoiando Kiev e a aumentar seus gastos em defesa, e agora a condena — juntamente com a ONU — à irrelevância na ordem global.
O custo da guerra
Se um acordo como esse for concretizado, é inevitável perguntar se tanta destruição, morte e sofrimento fizeram algum sentido para chegar praticamente ao mesmo cenário que teria sido possível alcançar em 2022, caso se tivesse negociado ou ao menos insistido mais nisso. Segundo analistas do Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), as forças ucranianas recuperaram mais de 50% do território que os russos haviam ocupado desde 2022. Mas Moscou está conduzindo uma poderosa ofensiva.
Um estudo do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), sediado em Washington, calculou em junho passado que as baixas militares russas chegavam a 250 mil, e o total de vítimas, incluindo feridos, ultrapassava 950 mil. A Ucrânia teria perdido entre 60 mil e 100 mil soldados, com um total de 400 mil feridos. Os números reais são desconhecidos pela falta de transparência dos dois lados.
Quanto aos custos, de acordo com o Ukraine Support Tracker da Universidade de Kiel, Kiev recebeu 267 bilhões de euros em ajuda desde 2022. Metade desse valor foi destinada a armas e assistência militar; 118 bilhões foram ajuda financeira e 19 bilhões, ajuda humanitária. Os países europeus contribuíram mais do que os Estados Unidos: 62 bilhões de euros em armas e 70 bilhões em outras formas de apoio vindas da Europa, contra 64 bilhões em armas e 50 bilhões em outras ajudas provenientes dos EUA.
A guerra tem sido um dreno econômico para Ucrânia e Rússia, mas também deteriorou a economia europeia e criou um clima de legitimidade para o aumento dos gastos em defesa. Ao sustentar a narrativa de que não se pode negociar com a Rússia, a Europa se arma sem qualquer debate público sobre como se relacionar futuramente com um vizinho gigantesco, autoritário, de ambições messiânicas, rico em recursos minerais e com armas nucleares.
Ucrânia na linha de frente
Tudo isso é coerente com a resposta tática e hipócrita de Estados Unidos e Europa à invasão russa de 2022. Tática porque os aliados ocidentais restringiram-se ao envio de armas, sem uma estratégia de negociação (exceto iniciativas de França e Itália, desprezadas por Washington, Moscou e Kiev), e sem considerar que o cansaço das sociedades ocidentais com o financiamento da guerra poderia levar ao esvaziamento do apoio. Também não se calculou que, após Joe Biden, Trump poderia voltar à Casa Branca.
Hipócrita porque, ao alertar sobre o perigo de uma Rússia expansionista — especialmente rumo à Europa —, a guerra deixava de ser uma questão de solidariedade com a Ucrânia e passava a ser um risco existencial coletivo. Se esse era (ou é) o caso, o debate público teria de ter sido outro: acelerar o ingresso da Ucrânia na OTAN, como foi feito com Finlândia e Suécia? Enviar tropas europeias ao país? Em vez disso, optou-se por enviar armas a Kiev pelo tempo que fosse necessário, mas não tropas — algo como subcontratar os ucranianos para defenderem a Europa até o último homem (e mulher).
Outra prova da hipocrisia é o esforço desesperado atual dos governos europeus por obter garantias de segurança dos EUA, com uma presença apenas simbólica de europeus na Ucrânia. Por que não se propôs um desdobramento realmente dissuasório no final de 2021 e início de 2022? A resposta oficial: não se podia defender um país que não era membro da OTAN. No entanto, tropas de mais de 11 países da OTAN lutaram ao lado dos EUA no Afeganistão, país que não é membro da Aliança. E forças aéreas da OTAN atacaram a Sérvia em 1999 e a Líbia em 2011.
Negociações fracassadas
A razão da cautela — importante — de Washington e Bruxelas era não provocar a Rússia e não se envolver em uma guerra que poderia escalar para armas nucleares. Mas surge então a pergunta prática e moral: se não havia vontade de entrar numa guerra que também seria travada em autodefesa, não teria sido mais responsável aconselhar o governo ucraniano, em 2022, a negociar, em vez de armá-lo e incentivá-lo a uma confrontação desigual?
Uma pesquisa de Samuel Charap e Sergey Radchenko, publicada na Foreign Affairs, descreve — com base em entrevistas e notas das reuniões — as razões pelas quais fracassaram as negociações diretas entre Moscou e Kiev entre março e maio de 2022. Com mediação de Belarus, Turquia e Israel, ambas as partes estiveram muito perto de assinar um acordo.
Segundo o estudo, o processo fracassou por vários motivos. Primeiro, a Ucrânia exigia garantias de segurança que obrigavam os aliados ocidentais a eventualmente usar força para defendê-la, o que estes não estavam dispostos a fazer. O comunicado de Istambul descrevia um quadro multilateral que exigiria disposição ocidental de dialogar diplomaticamente com a Rússia e oferecer uma garantia de segurança real à Ucrânia. Nada disso era prioridade para Washington e seus aliados naquele momento. Além disso, os russos tentaram enfraquecer o artigo-chave insistindo que qualquer ação deveria ser acordada por todos os Estados garantes — o que dava à própria Rússia, provável agressora, poder de veto.
O então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, liderou a resposta ocidental afirmando que chegar a um acordo seria uma vitória para Putin. A alegação de que o Ocidente teria obrigado a Ucrânia a retirar-se das negociações, no entanto, não tem fundamento — mas é certo que as promessas de apoio reforçaram a determinação de Zelenski, enquanto a falta de entusiasmo ocidental pela diplomacia desestimulou o interesse dele por um acordo. Além disso, as revelações das matanças russas em Irpín e Bucha endureceram a opinião pública ucraniana.
Europa tenta moderar um presidente incontrolável em Washington, que representa os interesses da Rússia, quer dividir o mundo com Rússia e China e busca reabrir portas para que Moscou volte ao mercado global, permitindo que a família Trump faça negócios
Em segundo lugar, Zelenski acreditou que, diante do fracasso russo em conquistar a Ucrânia rapidamente e com ajuda militar suficiente do Ocidente, poderia vencer a guerra. Em terceiro, pressionou Moscou ao pedir ao Conselho de Segurança da ONU a expulsão da Rússia e ao mundo mais sanções. Em quarto, o plano era fraco em questões imediatas, como acesso humanitário. Em quinto, talvez a Rússia tenha apenas simulado uma negociação que nunca teve real intenção de concluir.
Agora, o presidente da Ucrânia percorre capitais europeias em busca de apoio de uma Europa que, após ter travado a guerra por meio de terceiros, não tem outro plano senão responder ao de Trump. Enquanto isso, tenta moderar um presidente incontrolável em Washington que atua em consonância com os interesses de Moscou, busca partilhar o mundo com a Rússia e a China e quer reabrir as portas do mercado global para que a família Trump faça negócios.
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