15 Novembro 2025
Um apito azul balança suavemente no espelho retrovisor do carro do padre dominicano Brendan Curran, ao lado de um terço de madeira, enquanto o sacerdote dirige pelas ruas reluzentes de Pilsen, o bairro mexicano de Chicago. O apito é mais do que uma simples lembrança ou um símbolo de solidariedade.
A reportagem é de Camillo Barone, publicada por National Catholic Reporter, 13-11-2025.
"Usamos isso sempre que vemos agentes do ICE na vizinhança", disse ele. "É o que os defensores dos imigrantes têm feito ultimamente — alertar as pessoas, protegê-las."
Pelas janelas do carro, murais da Virgem de Guadalupe e faixas com os dizeres "Meu bairro - Pilsen" passam rapidamente. Acima, o zumbido baixo de helicópteros paira no ar do início da tarde. Curran interrompe a frase para ouvir. "Eles estão sobrevoando nossas cabeças há semanas", disse ele, com a voz embargada. "Isso é muito recente e preocupante."
Frade dominicano nascido e criado em Chicago, Curran atua como diretor de parcerias inter-religiosas no Resurrection Project, uma organização comunitária fundada por seis paróquias locais há 35 anos para abordar questões como moradia acessível, saúde e direitos dos imigrantes. Ele também é membro da Comissão Dominicana Internacional para a Justiça e a Paz, conectando seu trabalho local em Chicago a um movimento global pela dignidade humana.
No Pilsen, onde antigas padarias mexicanas convivem com cafeterias recém-construídas que gentrificam a região, a tensão entre refúgio e vigilância é quase palpável. "O que antes era ajudar os recém-chegados a se estabelecerem", disse Curran, "agora se tornou uma questão de proteger as pessoas que já estão aqui."
A urgência do seu trabalho reflete a visão do padre dominicano Charles Dahm, o sacerdote que fundou o Projeto Ressurreição décadas atrás. Dahm nasceu em Chicago e cresceu no subúrbio de Elmhurst, mas depois de realizar trabalho missionário na Bolívia, retornou a Chicago para cofundar um centro de paz e justiça, atuando em questões sociais como a segregação racial no mercado imobiliário e apoiando refugiados da América Central.
No Pilsen, ele ajudou a estabelecer a organização comunitária inter-religiosa e os programas de habitação acessível, eventualmente fundindo-os no Projeto Ressurreição.
Dahm lembrou ondas anteriores de imigração ilegal, mas afirmou que a crise atual é sem precedentes. Os moradores permanecem em casa, paralisados pelo medo de batidas policiais repentinas. A organização expandiu-se rapidamente, direcionando fundos estaduais para assistência jurídica e enviando advogados para ajudar as famílias a lidar com as detenções em vários estados.
"Tanto sofrimento"
No Pilsen, o medo é profundo. Curran estaciona o carro em frente a uma modesta casa de dois andares, onde duas mulheres mexicanas — ambas sem documentos — o aguardam. Ele as conhece há anos, por meio da Paróquia de São Pio V, onde grande parte de seu trabalho pastoral está enraizado.
Em seu pequeno jardim, rodeado por gerânios floridos e o cacarejar das galinhas, elas servem sanduíches e copos altos de água com pepino, espinafre e aipo. Galinhas, galos e pombos circulam pela mesa enquanto as mulheres conversam baixinho em espanhol.
Ambos pediram para permanecer anônimos a fim de proteger suas identidades e garantir a confidencialidade.
Enquanto a primeira mulher, de 49 anos, começa a contar sua história, o zumbido de helicópteros interrompe a conversa. Curran levanta o olhar, protegendo os olhos do sol. "Este é o novo mundo em que vivemos agora", disse ele em voz baixa. "Este é um helicóptero militar. É bastante assustador, parece que estamos em uma zona de guerra. Eles também estão tentando vigiar. À noite, usam feixes de laser e tiram fotos para identificar os moradores."
Quando o som do helicóptero finalmente se dissipa, a mulher junta as mãos sobre a mesa e recomeça. Ela deixou Guanajuato em 2001 com o marido e os três filhos pequenos, determinada a encontrar um futuro que não conseguiam imaginar em sua terra natal. "Chegamos a Chicago relativamente bem", disse ela em voz baixa. "Tudo era diferente de como é agora."
Eles atravessaram Mexicali, ela recordou, e a primeira tentativa terminou em captura pelos guardas da fronteira. Uma semana depois, tentaram novamente e conseguiram. Em Chicago, o marido encontrou trabalho na construção civil enquanto ela ficou em casa para criar os filhos. Seus filhos agora trabalham ao lado do pai, reconstruindo casas em diversos bairros.
Sua voz baixa enquanto ela explica que continua sem documentos. "Estou em processo de obtenção de visto", disse ela, "porque em 2017 fui agredida por um homem com uma faca enquanto ia à igreja."
Aquele ataque mudou tudo para ela. Deixou-a com medo, mas também com a possibilidade de obter um visto especial para vítimas de crimes, que lhe concede autorização de trabalho temporária e um número de Segurança Social, disse ela. O marido e os filhos estão vinculados ao mesmo pedido e ainda aguardam aprovação.
Ela toma um gole de água antes de continuar. "2025 foi um ano de profundo estresse, preocupação e isolamento", disse ela. "Continuo tendo esperança de mudança. Mas não tenho mais paz. Sinto que estou vivendo em uma época de eterna frustração."
Em seguida, ela descreveu o dia 16 de outubro — uma manhã que ainda a faz tremer, disse ela. Ela estava em uma feira de rua a cinco quilômetros ao sul da Paróquia de São Pio V, vendendo roupas e pequenos utensílios domésticos para ganhar um dinheiro extra. Por volta das 10h30, um grupo de cerca de 30 agentes do ICE invadiu os corredores.
"Todos começaram a fugir. Alguns foram pegos", ela recordou.
Entre os detidos estava sua amiga, uma mulher com dois filhos, um deles gravemente doente. "Ela está em um centro de detenção em Indiana agora", disse a mulher, com o olhar distante. A lembrança retorna em fragmentos: o caos, o medo, as vozes se elevando acima do ruído.
"Ouvi outros imigrantes gritando enquanto o ICE tentava capturá-la: 'Levem-me, não ela!'"
Ela fica em silêncio por um instante, depois acrescenta: "Vivi com medo nos dias seguintes. Parei de alugar meu espaço no mercado. Está quase vazio desde aquele dia." Seu olhar se volta para a rua além do jardim, onde o som de outro helicóptero distante ressoa fracamente no céu.
A segunda mulher, de 52 anos, ouve e acena com a cabeça. Quando começa, as palavras saem atropeladas. "Saí do México há 23 anos em busca de uma vida melhor", disse ela. "De onde eu venho, havia muita violência. A pobreza era insuportável."
Sua jornada rumo ao norte foi exaustiva. "Levei cerca de três semanas, e então fui barrada na fronteira. Quase morri ao atravessar o rio, mas outras pessoas me ajudaram."
"Quanto sofrimento", sussurrou sua amiga suavemente enquanto olhava para Curran.
Os olhos da mulher se encheram de lágrimas. "Meu filho foi levado embora. Fui separada dele no avião de El Paso para Houston e depois para Chicago. Ele tinha apenas seis meses de idade e sérios problemas de saúde. Tive que fingir que não o conhecia, mesmo podendo ouvi-lo chorar."
A família do marido dela, em Chicago, pagou ao coiote US$ 5.000 para que seu bebê fosse devolvido. "Quando tentei regularizar minha situação", continuou ela, "fui aconselhada por advogados a não me candidatar, porque meu pedido havia sido negado na primeira vez que tentei cruzar a fronteira." Ela permanece sem documentos até hoje.
Na paróquia de São Pio V, ela encontrou o que chama de sua "segunda família". Foi lá que conheceu Curran. Ela conta que trabalhava como babá até que as necessidades do seu filho mais velho tornaram isso impossível. Ele tem autismo, necessita de muito apoio e requer cuidados constantes.
Seus outros três filhos nasceram em Chicago: duas de suas filhas estão prestes a terminar o ensino médio e a terceira já trabalha para pagar a faculdade. Durante anos, sua vida girou em torno do ritmo tranquilo de cuidar dos outros e da comunidade — trabalho, escola, igreja e casa.
Este ano destruiu essa rotina frágil. "2025 foi o ano mais difícil desde que cheguei aqui", disse ela, com a voz embargada. "Vivo com medo constante de sair de casa. Minhas filhas estão apavoradas com a possibilidade de me perderem em deportações e me imploram todos os dias para não sair."
Ela parou de fazer trabalho voluntário em um banco de alimentos local e não leva mais o filho ao parque, que antes era seu passeio favorito. Há alguns meses, ela soube que agentes de imigração haviam levado pessoas para lá. O pânico que se seguiu, disse ela, só piorou a ansiedade do filho. "Isso agravou o autismo dele", acrescentou.
O medo agora parece inescapável, explicou ela. Amigos sussurram sobre batidas policiais no bairro. Ela sabe de famílias que foram separadas: um pai levado de casa na frente dos filhos, outra amiga que simplesmente nunca mais voltou do trabalho.
"O pai de uma das amigas da minha filha foi levado em frente à sua casa."
Ela faz uma pausa, com as mãos cruzadas sobre a mesa. O plano de saúde acabou. Os auxílios alimentares foram suspensos. A esperança também parece distante. "Não tenho alegria nem esperança neste momento", admitiu. "Só confio na ajuda mútua dentro da nossa comunidade."
Uma nova sensação de medo
Mais tarde, Curran, sentado à sua mesa em seu pequeno escritório repleto de caixas encostadas nas paredes, piñatas mexicanas, pinturas de Guadalupe e um pôster da falecida ativista católica de Pilsen, Micaela Ibarra, disse que se lembra de como, não muito tempo atrás, recém-chegados da Venezuela e do Equador vinham para a cidade "como uma espécie de refúgio, um lugar onde sentiam que tinham uma chance razoável de se reconectar com a família e os entes queridos".
Mas as coisas "mudaram radicalmente agora", disse ele.
"Trata-se mais de uma situação de proteção da comunidade imigrante onde ela se encontra — pessoas que têm medo de sair de suas casas ou apartamentos por receio de serem detidas por agentes do ICE nas ruas."
Ele descreveu cidadãos americanos, residentes permanentes e trabalhadores "detidos e assediados por agentes de imigração simplesmente por causa da cor da pele, do sotaque ou até mesmo pelo nome da construtora".
Por quase duas décadas, Curran liderou vigílias às sextas-feiras em frente ao Centro de Detenção de Broadview, a unidade do ICE mais próxima de Chicago. Mas agora, até mesmo essas vigílias são ameaçadas por novos perigos. "Houve atiradores de elite no topo de prédios apontando para mim enquanto eu orava — durante uma vigília de oração."
"Os católicos americanos precisam saber que estamos testemunhando pessoas que saíram da missa diária, dirigindo depois de deixar seus filhos na escola, e foram cercadas por veículos do ICE (Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos) que exigiam informações sobre sua situação legal", disse ele.
"Não conheço nenhuma lei americana que preveja isso em um espaço público onde ninguém o tenha em uma lista, não haja mandado judicial, nem qualquer solicitação contra você — e essa pessoa seja residente permanente legal", continuou ele. "Por que selecionaríamos pessoas simplesmente por causa de seu sotaque ou pele escura?"
"Será que achamos que isso é típico dos Estados Unidos? Será que achamos que isso é o Evangelho? Quando nossos fiéis estão sendo absolutamente aterrorizados, assediados e ameaçados, temos que protegê-los", disse ele do lado de fora, enquanto o som de mais um helicóptero sobrevoando o local ia se dissipando.
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