Massacre no Rio de Janeiro: a banalização do extermínio reforça o populismo penal e o racismo estrutural. Destaques da Semana no IHUCast

Arte: Mateus Dias | IHU

Por: Cristina Guerini e Lucas Schardong | 01 Novembro 2025

Neste episódio, a barbárie no Rio de Janeiro domina o debate. Repercutimos a Operação Contenção nos complexos da Penha e do Alemão, a maior chacina já realizada pelas forças de segurança do Estado, que resultou em 121 óbitos. Uma tragédia que expõe o populismo penal, o racismo estrutural e o descaso com a vida das populações pobres.

Rio de Janeiro em guerra

Terça-feira, 28 de outubro, ainda é madrugada quando os 2.500 policiais avançam sobre os complexos da Penha e do Alemão, no Rio de Janeiro. O objetivo da ação é cumprir cem mandados de prisão – principalmente de Doca, que seria líder do Comando Vermelho – e impedir o avanço territorial da facção. Se erguem colunas de fumaça e há intensa troca de tiros.

"Rabecões humanos"

Quarta-feira, 29 de outubro, desde a madrugada o Brasil testemunha nos telejornais e redes sociais o resultado de uma das fases da Operação Contenção: a maior chacina já realizada pelas forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro. Foram recolhidos mais de 70 corpos de vítimas fatais da operação em uma região de mata. São pessoas com cabeças cortadas e com sinais de execução sumária. Este trabalho macabro foi feito por moradores locais, inclusive crianças, que estenderam os cadáveres em praça pública. No total, houve 121 óbitos, sendo 117 suspeitos e 4 policiais e foram apreendidas 113 pessoas. 

Entraram para matar

Ainda a na quarta-feira, conversamos com o sociólogo José Claudio Alves para tentar compreender o que estava acontecendo. O pesquisador foi contundente: "quando se colocam 2.500 homens em duas áreas favelizadas, controladas pelo Comando Vermelho, se faz uma declaração de massacre. Eles já entraram ali para matar". Na entrevista, Alves coloca que questões inquietantes vêm à tona com este acontecimento: Como as pessoas chegaram no apoio a esse discurso? Que grau de desilusão e de arrependimento houve? A que tipo de violências essas pessoas são submetidas? Onde essas pessoas se quebraram? Manoel de Barros perguntava, num poema, quanto tempo uma pessoa precisa viver na miséria para que em sua boca nasça a escória. Quanto tempo essas pessoas terão que ser submetidas a isso a que elas foram submetidas nesse massacre, para que nelas nasçam o ódio, a escória, o desejo de matar o outro?

Política de extermínio

Após a operação, o governador Cláudio Castro surfou no populismo penal que esse discurso de ódio reforça e declarou que a "operação foi um sucesso". Ao ser perguntada sobre o que as falas do governador e o amontoado de corpos evidenciavam, a socióloga Carolina Grillo destacou o descaso das autoridades com a vida. "Evidenciam o descaso do poder público estadual no Rio de Janeiro, com o direito à vida da população pobre, moradora de favelas e periferias de maioria negra, que são as principais vítimas dessa política de extermínio que é adotada na cidade. Então, é lamentável que um governador, após uma operação com um fim tão trágico, uma mega chacina policial, com quase 120 pessoas mortas, inclusive policiais, que eram servidores públicos trabalhando a serviço do Estado, em uma ação em que se mostrou a completa falta de zelo com a preservação da vida. Na entrevista concedida ao IHU, Carolina salientou que as operações policiais, que ocorrem as centenas todos os anos no Rio de Janeiro, “não têm efetividade nenhuma e a própria polícia e o governo do Estado sabem muito bem disso”. 

Andar de cima

José Claudio Alves também questionou a eficácia do Projeto Antifacção. Segundo sinaliza, trata-se "meramente uma dimensão de descarga punitiva das leis. O sistema judiciário pune quem? Os mais pobres, os favelados, os periféricos. E os caras que estão nas fintechs da Faria Lima? Os que são do agronegócio e os políticos que recebem tanta grana por causa do tráfico? O Antifacção vai chegar no cara do topo, que financia tudo isso e tem interesse nos dois milhões de dólares de cocaína que chegam no Rio de Janeiro?".

Rio, a nossa Gaza de cada dia

A periferia brasileira, guardadas as proporções dos acontecimentos no tempo, tornou-se a nossa Gaza de cada dia. Raúl Zibechi levanta a discussão e alerta que a arma do capitalismo está engatilhada: "o genocídio palestino em Gaza é o espelho no qual os povos oprimidos do mundo devem se ver. Para os que estão no poder, começou um período de caça indiscriminada à população “excedente”, porque podem contar com a garantia de impunidade. Agora, mais do que nunca, Gaza somos todos nós. Poderia ser Quito, San Salvador, Rosário ou Tegucigalpa; a região do Cauca colombiano ou Wallmapu; talvez as montanhas de Guerrero ou as comunidades de Chiapas./ Agora, todos estamos na mira de um capitalismo que mata para acumular riqueza mais rapidamente."

Desastre humano

Para Pablo Nunes, o massacre é lamentável o que aconteceu. Segundo o diretor do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, "sob qualquer ângulo que a gente possa adotar para conceituar a operação de ontem, a gente chega à mesma conclusão: foi uma tragédia. Foi um erro imenso cometido pelas forças de segurança do estado. Foi um desastre humano, algo que, fundamentalmente, coloca em questão o próprio Estado Democrático de Direito". Em entrevista à Agência Pública, o cientista político foi contundente: "nenhum parâmetro, seja nacional ou internacional, dá a possibilidade de nomear uma operação com o tamanho e a letalidade dessa como um sucesso".

Política pública de segurança

Cândido Grzybowski também sublinhou a necessidade de um novo desenho de uma política de segurança pública. "Não teremos saída se a Segurança Pública não for pensada e formulada com base em direitos iguais. Mais, não avançaremos se nós, a diversidade de cidadanias ativas neste nosso imenso país, não tivermos um foco especial em tal política pública", assinalou.

Coloroquinas da segurança

A professora Jacqueline Muniz não hesitou em destacar o desastre que foi a operação. Com sua ironia, falou que a situação desmascara “as cloroquinas da segurança que nos envenenam com falsas explicações”. Para a cientista social, “Não existe essa história de poder paralelo — cuja finalidade desta expressão foi a de ocultar as relações entre política e crime organizado. É o Estado que, funcionando como uma agência reguladora do crime — para o bem ou para o mal —, organiza ou desorganiza o crime desde dentro".

Tecnologia para o narcotráfico

No palco dos horrores carioca, o Comando Vermelho, que tem sua origem na ditadura, na prisão de Ilha Grande, usou drones para atacar a polícia. "A longa onda da guerra na Ucrânia cruzou o Atlântico e transformou narcotraficantes em pilotos de drones experientes. O ataque com drone lançado contra a polícia na batalha do Rio não é exceção: centenas de investidas realizados com aeronaves controladas remotamente foram registrados em toda a América do Sul."

Cheiro de morte

Até para quem é "cria da favela", a morte surpreende. O jornalista Edu Carvalho trouxe um relato do que ele viu na Penha. Compartilhamos um trecho: "Hoje, a morte me surpreendeu. Não por sua presença, mas por sua desfaçatez, sua exposição cruel. Ela chocou-me não como jornalista que documenta, mas como cria da favela que presencia o genocídio em escala industrial. Vi ali a falência moral e estrutural de um país que permite que seus filhos mais vulneráveis virem estatística e, pior, sejam removidos por outros filhos, com as mãos limpas, mas a alma suja de tristeza. Lembro-me de operações anteriores, como o rastro de sangue deixado no Alemão em 2007, que chocou o país. Mas a dimensão desta, com dezenas de corpos trazidos do alto da Serra, faz um antes e depois. O que dizer quando a chacina é tão grande que os próprios moradores precisam virar rabecões humanos para que o mundo veja o que a mata escondeu?"

Desafiando o encontro de Trump com Lula

Sabina Frederic, ex-ministra da Segurança Nacional da Argentina e especialista em políticas de defesa e segurança na América Latina, ressaltou que a narrativa de "narcoterrorismo", que vem sendo defendida pela extrema-direita, se alinha com a abordagem de Trump e sua cruzada no Caribe. Segundo a pesquisadora, o motivo subjacente da operação seja político: desafiar as negociações de Trump com Lula. Sabina frisa que "Castro pertence ao partido de Bolsonaro, que vem obstruindo o governo em todos os níveis possíveis. E neste domingo, Lula se reuniu com Donald Trump na Malásia para negociar a suspensão das tarifas sobre o Brasil que Trump havia imposto como punição pela “perseguição política” de Bolsonaro. O encontro foi favorável a Lula. Mas dois dias depois, ocorreu o massacre".

Déjà vu 

A avaliação da pesquisadora argentina nos conecta diretamente ao contexto latino-americano, região que Donald Trump quer de novo como quinta norte-americano. Assim assistimos ao retorno da Doutrina Monroe e a adoção de um discurso de combate ao tráfico de drogas, que já sepultou 61 pessoas com ataques a embarcações nos mares do Caribe e do Pacífico. A política externa estadunidense se tornou, hoje, uma sucessão de ingerências descaradas nos assuntos latino-americanos. Vimos essa intervenção ter influência direta nas eleições da argentina essa semana. O empréstimo de 40 bilhões de dólares a Javier Milei pavimentou a vitória dos libertários nas eleições legislativas do último domingo. No seu discurso da vitória, o presidente argentino prometeu reformas trabalhistas, previdenciárias e educacionais. Isto é, mais arrocho contra os mais pobres.

Déjà vu 2

A volta da corrida armamentista está selada. Em meio a um mundo tensionado, em crise e 28 anos depois da queda do muro de Berlim, o torpedo nuclear Poseidon, capaz de causar um tsunami radioativo, foi testado pela Rússia. A resposta de Trump não tardou. O presidente norte-americano ordenou ao Departamento de Defesa que realize testes de armas nucleares imediatamente. O último teste desse tipo foi realizado em 1992.

Furacão do século

O furacão Melissa tocou o solo da Jamaica às 14h no horário de Brasília, na terça 28 de agosto. Com ventos catastróficos, de cerca de 300 quilômetros por  hora e classificado na categoria 5, esta é a tempestade mais devastadora e a pior desde o começo da temporada de furacões. Meteorologistas alertam que a intensidade contínua do ciclone é uma resposta ao aumento da temperatura do mar.

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