29 Outubro 2025
"Um Evangelho que coloca o homem antes do dinheiro, a solidariedade antes da competição, a dignidade antes do poder. E que, justamente por isso, continua a ser incômodo. Leão não se tornou "comunista" da noite para o dia. Francisco também não era, apesar das acusações que recebeu por sua atenção aos pobres e suas críticas ao sistema econômico. Ambos, ao contrário, rejeitam as ideologias, mas não a justiça", escreve Paolo Rodari, jornalista, em artigo publicado por Il Manifesto, de 25-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Entre conservadores e tradicionalistas, há aqueles que, precipitadamente, saudaram a eleição de Leão como um ponto de virada, um retorno à ordem após os anos "incômodos" de Francisco. Mas o discurso proferido pelo novo pontífice aos movimentos populares desmentiu essa leitura.
Pelo contrário, traçou uma linha de continuidade clara, profunda e até provocativa com o pontificado anterior. E agora, aqueles que esperavam por uma restauração têm material para revisar suas análises. E para prestar mais atenção às conexões do que às rupturas.
Leão, um estadunidense com um passado como missionário nas periferias do Peru, escolheu falar imediatamente a linguagem de Francisco. Ele não apenas o cita, o evoca, o relança. Mas ele o faz com uma naturalidade que trai uma sintonia não improvisada. Aqueles que o conhecem dizem que, já como cardeal, Prevost se distinguia por uma visão pastoral atenta aos últimos, por uma teologia encarnada, por uma espiritualidade que não teme o conflito com as estruturas de poder.
Em seu discurso, Leão usou uma palavra que em 2013 fez muitos clérigos torcerem o nariz: periferias. "As coisas novas são percebidas melhor a partir das periferias”, disse ele, citando Bergoglio quase literalmente. Trata-se, portanto, de uma inversão radical, não mais a verdade vista de cima, mas de baixo. Não mais o centro como lugar privilegiado de compreensão, mas as margens como espaço teológico.
E justamente a partir das margens, Leão relançou a “bandeira social” de Francisco, ou seja, terra, teto e trabalho. “São direitos sagrados”, trovejou, “pelos quais vale a pena lutar, e quero que me ouçam dizer: ‘Contem comigo! Estou com vocês!’” Palavras que ecoam o famoso discurso de Santa Cruz de 2015, quando Francisco disse aos movimentos populares: “Terra, teto, trabalho: é por isso que vocês lutam, e é isso que Deus quer”. Por trás dessa sintonia não há apenas afinidade espiritual. Há uma escolha política precisa, no sentido mais elevado do termo, que rejeita os rótulos. Não existe um Francisco “de esquerda” e um Leão “de direita”. Existem dois bispos de Roma que, com estilos e personalidades diferentes, buscam encarnar o Evangelho no mundo. E o Evangelho, quando levado a sério, nunca é neutro. Ele se posiciona do lado dos últimos dos pobres, dos descartados.
Leão XIV também explicou a escolha de seu nome como uma homenagem a Leão XIII e à sua encíclica Rerum Novarum, escrita no auge da Revolução Industrial. "O título significa 'coisas novas'. Hoje, quero olhar para as coisas novas a partir da periferia", disse ele. Um gesto que revela não apenas memória histórica, mas também consciência do momento presente, o fato de que o mundo mudou, mas ainda assim as injustiças permanecem. Em seu discurso, Prevost falou não como um economista, mas como um pastor. Ele não negou a propriedade privada, mas criticou a autonomia absoluta dos mercados, a idolatria do lucro, a cultura do descarte. Denunciou as novas formas de exclusão que transformam os seres humanos em descartes sociais. E deixou claro que sua Igreja não ficará olhando.
Como Bergoglio, Prevost também fala como profeta. Sua revolução não é de rua, mas de consciência. Ele vê o rosto de Cristo nos pobres, nas periferias como o lugar onde Deus continua a falar. E o faz com palavras que incomodam, que inquietam e que não deixam os poderosos tranquilos.
Não é comunismo, é cristianismo radical. Radical no sentido etimológico: enraizado no Evangelho.
Um Evangelho que coloca o homem antes do dinheiro, a solidariedade antes da competição, a dignidade antes do poder. E que, justamente por isso, continua a ser incômodo. Leão não se tornou "comunista" da noite para o dia. Francisco também não era, apesar das acusações que recebeu por sua atenção aos pobres e suas críticas ao sistema econômico. Ambos, ao contrário, rejeitam as ideologias, mas não a justiça. E baseiam seu pensamento naquele Evangelho que, nas Bem-aventuranças, diz: "Tive fome e me destes de comer; era estrangeiro e me acolhestes; estava nu e me vestistes..."
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