28 Outubro 2025
"Jesus nos doa a sua vida até à morte, e é importante enfatizar o mistério e a profundidade desse dom sagrado. Ele quis vir entre nós para que, nutridos pelo mesmo pão, formássemos um só corpo; quis que nos tornássemos juntos as pedras vivas do templo do seu Espírito, um corpo sacerdotal", escreve Martin Pochon, biblista, jesuíta, autor de L’eucharistie, don ou sacrifice? (ed. Vie Chrétienne, 2025), em artigo publicado por La Croix, 27-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Com um desejo de conciliação, o Papa Leão XIV autorizou, pela primeira vez desde 2021, uma celebração na Basílica de São Pedro, em Roma, segundo o rito antigo, em latim, de costas para o povo.
Alguns se alegraram, outros se questionam. Por trás das diferenças de ritos, existem apenas diferenças de sensibilidade? Não estariam em jogo questões teológicas? Como restabelecer a unidade eclesial se não for fundada nas palavras e nos gestos do próprio Cristo? O que nos dizem os Evangelhos? A quem Jesus se ofereceu na Última Ceia? Responder a essas perguntas é essencial, pois a Ceia é seu testamento espiritual, que fala do sentido de sua vida, de sua morte e de sua ressurreição. Fala do sentido da Cruz: uma oferta do Filho ao Pai? Ou uma oferta de Deus aos homens? O Concílio de Trento declara que "Jesus, durante a Ceia, na mesma noite em que foi entregue, declarando-se ele mesmo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, ofereceu a Deus, o Pai, seu corpo e sangue, sob as espécies do pão e do vinho". Essa afirmação errônea — Jesus nunca se qualificou como "sacerdote da ordem de Melquisedeque" — levou à legitimação de uma tradição já muito antiga que fazia da Cruz um sacrifício oferecido a Deus Pai, algo que não está em conformidade com o sentido da Ceia.
Nessa perspectiva, segundo o ritual da Missa de São Pio V, o sacerdote exerce um sacerdócio particular que lhe permite apresentar novamente a Deus o sacrifício único que seu Filho lhe ofereceu ao morrer no altar da Cruz, satisfazendo assim a justiça divina. O movimento é ascendente. Quatro séculos depois, a reforma litúrgica que se seguiu ao Concílio Vaticano II buscou aproximar-se ao sentido da Ceia, assim como nos é apresentada pelos Evangelhos e pelo apóstolo Paulo na sua Primeira Carta aos Coríntios. A Comissão encarregada de rever o ritual percebia a afirmação tridentina era infundada, porque Jesus ofereceu o seu corpo e sangue não a Deus, mas aos seus discípulos, em nome do Pai. O que dizem, de fato, os relatos da Ceia?
Durante a refeição, Jesus toma o pão e pronuncia a bênção, isto é, agradece a Deus, fonte de todo o bem. Recebe então esse pão, que vem de Deus, parte-o e dá-o tanto a Judas, que o trai, quanto a Pedro, que o renegará.
Os anúncios da traição e da renegação enquadram de forma estreita a Ceia. É em plena consciência que Jesus, que se identifica no pão e no vinho, se entrega a todos eles, até aos violentos que o levam à morte. Ele é o pão vivo, enviado pelo Pai, que se entrega aos pecadores, até mesmo a Judas. O movimento é "descendente", é o movimento da Encarnação: "Deus amou o mundo de tal maneira que nos doou o seu Filho, o seu Filho único..." E com a Ressurreição do Filho, liberta o Ser Humano, escravizado pelo medo da morte.
É esse conceito que a Missa de Paulo VI procura expressar. A orientação diferente do padre em relação à assembleia expressa isso. Na Missa Tridentina, o padre, separado do povo, legitimado pela ordenação, no espaço sagrado do coro, sobre um altar — uma pedra elevada — oferece a Deus o sacrifício do seu Filho e o suplica para aceitar essa oferta. Na Missa de Paulo VI, o padre, voltado para a assembleia, transmite à assembleia o que recebe de Jesus, que é aquele que transmite a vida, o Espírito, recebido do Pai. O uso da língua vernácula, e não do latim, expressa a mesma coisa: Deus, em Jesus, se fez próximo dos homens e dirigiu-se a eles em sua própria língua para que o compreendessem. Ele pede-nos que acolhamos o dom que nos dá da sua vida. É verdade que houve algumas derivas; alguns tenderam a reduzir a Missa a uma "agradável partilha".
O fato é que, na Última Ceia e na Paixão, Jesus nos doa a sua vida até à morte, e é importante enfatizar o mistério e a profundidade desse dom sagrado. Ele quis vir entre nós para que, nutridos pelo mesmo pão, formássemos um só corpo; quis que nos tornássemos juntos as pedras vivas do templo do seu Espírito, um corpo sacerdotal. Isso nos convida a continuar a reforma iniciada pelo Vaticano II, em vez de voltar para trás, como faz a nova tradução do Missal Romano, que revaloriza o vocabulário sacrificial.
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