27 Outubro 2025
"Minha esperança para a Companhia de Jesus é que vocês possam ler os sinais dos tempos com profundidade espiritual; que acolham o que promove a dignidade humana e rejeitem o que a diminui; que sejam ágeis, criativos, perspicazes e sempre em missão, 'in fieri', como disse o Papa Francisco", afirmou o Papa Leão XIV ao receber em audiência os Superiores Maiores da Companhia de Jesus, na sexta-feira, dia 24-10-2025.
Eis o discurso.
Gostaria de dar as boas-vindas a todos no Vaticano esta manhã e agradecer a presença de todos. Agradeço especialmente ao Superior Geral pelas gentis palavras. Rezo para que o encontro seja frutífero e que, por meio dele, o Espírito Santo os confirme em sua vocação e ajude os membros da Companhia de Jesus a discernir novas maneiras de viver sua missão no mundo de hoje.
Vivemos o que muitos chamam de uma mudança de época, uma época caracterizada por rápidas transformações na cultura, na economia, na tecnologia e na política. Em particular, a inteligência artificial e outras inovações estão remodelando nossa compreensão do trabalho e dos relacionamentos, e até mesmo levantando questões sobre a identidade humana. A degradação ecológica ameaça nossa casa comum. Os sistemas políticos frequentemente falham em responder aos clamores dos pobres. O populismo e a polarização ideológica estão aprofundando as divisões entre as nações. Muitas são afetadas pelo consumismo, pelo individualismo e pela indiferença.
No entanto, neste mundo, Cristo continua a enviar seus discípulos. A Companhia de Jesus está presente há muito tempo onde as necessidades da humanidade encontram o amor salvífico de Deus: por meio da orientação espiritual, da formação intelectual, do serviço aos pobres e do testemunho cristão nas fronteiras culturais. Santo Inácio de Loyola e seus companheiros não temiam a incerteza ou as dificuldades; iam para as periferias, onde a fé e a razão se cruzavam com novas culturas e grandes desafios.
De fato, São Paulo VI disse: "Em toda a Igreja, mesmo nos campos mais difíceis e de vanguarda, nas encruzilhadas das ideologias, [...] houve e há jesuítas" (Discurso à XXXII Congregação Geral da Companhia de Jesus, 03-12-1974). Na mesma linha, o Papa Bento XVI apelou a homens "de fé sólida e profunda, de cultura séria e de genuína sensibilidade humana e social" para servir nessas "fronteiras", demonstrando a harmonia entre fé e razão e revelando o rosto de Cristo àqueles que ainda não o conhecem (cf. Discurso aos Padres da Congregação Geral da Companhia de Jesus, 21-02-2008).
Hoje repito: a Igreja precisa de vocês nas fronteiras, sejam elas geográficas, culturais, intelectuais ou espirituais. São lugares arriscados, onde mapas familiares não são mais suficientes. Lá, como Inácio e os mártires jesuítas que o seguiram, vocês são chamados a discernir, inovar e confiar em Cristo, "com a verdade cingida aos lombos, a couraça da justiça às costas e os pés calçados com a preparação do evangelho da paz" (Ef 6,14-15). Quando o Espírito conduz o corpo apostólico para outro lugar em busca de um bem maior, isso pode exigir o abandono de estruturas ou papéis há muito acalentados, um exercício da "santa indiferença" inaciana.
Uma das principais fronteiras hoje é o caminho da sinodalidade na Igreja. O caminho sinodal convoca cada um de nós a escutar mais profundamente o Espírito Santo e uns aos outros, para que nossas estruturas e ministérios sejam mais ágeis, mais transparentes e mais receptivos ao Evangelho. Agradeço suas contribuições ao processo sinodal, especialmente ajudando as comunidades eclesiais a discernir como caminhar juntas na esperança.
Outra fronteira essencial reside na reconciliação e na justiça, especialmente num mundo dilacerado por conflitos, desigualdades e abusos. Hoje, muitos sofrem exclusão e muitas feridas permanecem abertas entre gerações e povos. Como observei recentemente ao recordar a visita do meu venerável predecessor a Lampedusa, devemos combater a "globalização da impotência" com uma cultura de reconciliação, encontrando-nos uns aos outros na verdade, no perdão e na cura; devemos tornar-nos peritos em reconciliação, confiantes de que o bem é mais forte que o mal (cf. Mensagem em Vídeo para a Proposta de Candidatura de Lampedusa a Patrimônio Cultural Imaterial da UNESCO, 12-12-2025).
A tecnologia, especialmente a inteligência artificial, é outra fronteira importante. Ela tem potencial para a prosperidade humana, mas também traz riscos de isolamento, perda de empregos e novas formas de manipulação. A Igreja deve ajudar a orientar esses desenvolvimentos de forma ética, defendendo a dignidade humana e promovendo o bem comum. Devemos discernir como usar as plataformas digitais para evangelizar, construir comunidades e desafiar os falsos deuses do consumismo, do poder e da autossuficiência.
As Preferências Apostólicas Universais da Companhia, que o Papa Francisco confirmou em 2019 como caminhos privilegiados de missão, são certamente fronteiras que exigem discernimento e coragem. A vossa primeira preferência — apontar o caminho para Deus através dos Exercícios Espirituais e do discernimento — responde ao profundo anseio do coração humano. Em todos os continentes, mesmo nas sociedades secularizadas, muitos procuram um sentido, muitas vezes sem o perceber. Como disse Santo Agostinho: "Criaste-nos para ti [Senhor], e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em ti" (Confissões, 1, 1, 3). Encorajo-vos a encontrar pessoas nessa inquietação: em casas de retiro, universidades, redes sociais, paróquias e lugares informais onde os buscadores se reúnem. Comunicai a alegria do Evangelho com humildade e convicção. Permanecei contemplativos na ação, enraizados na intimidade diária com Cristo, pois só aqueles que estão próximos dele podem conduzir outros a Ele.
A segunda preferência convida-vos a caminhar com os pobres, os excluídos do mundo e aqueles cuja dignidade foi violada. Muitos são hoje vítimas de um sistema econômico movido pelo lucro, colocado acima da dignidade da pessoa. Na minha recente Exortação Dilexi te, enfatizei a necessidade de enfrentar a "ditadura de uma economia que mata", onde a riqueza de poucos cresce exponencialmente enquanto a maioria é deixada para trás (cf. n.º 92). Este desequilíbrio global leva inúmeras pessoas a migrar em busca de sobrevivência. Abandonam o lar, a cultura e a família, enfrentando frequentemente a rejeição e a hostilidade. O verdadeiro discipulado exige tanto a denúncia da injustiça como a proposta de novos modelos enraizados na solidariedade e no bem comum. Neste sentido, as vossas universidades, os vossos centros sociais, as vossas publicações e as vossas instituições, como o Serviço Jesuíta aos Refugiados, podem ser canais poderosos para promover uma mudança sistémica. Apesar dos obstáculos ou fracassos que por vezes encontramos na realização deste serviço, devemos evitar ceder ao ressentimento ou cair na "fadiga da compaixão" ou no fatalismo. Em vez disso, devemos confiar no poder transformador do amor de Deus, como o grão de mostarda que se torna uma grande árvore (cf. Mt 13,31-32).
Sua terceira prioridade — acompanhar os jovens rumo a um futuro de esperança — é urgente. Os jovens de hoje são diversos: estudantes, migrantes, ativistas, empreendedores, religiosos e aqueles que vivem à margem. Apesar da diversidade, eles compartilham uma sede de autenticidade e transformação. Estão "em movimento", em busca de sentido e justiça. A Igreja deve encontrar e falar a linguagem deles, por meio de ações e presença, bem como de palavras. Portanto, é importante criar espaços onde eles possam encontrar Cristo, descobrir sua vocação e trabalhar pelo Reino. A próxima Jornada Mundial da Juventude na Coreia será um momento-chave para essa missão.
A sua quarta preferência, o cuidado da nossa casa comum, responde a um clamor humano e divino. Como afirmou o Papa Francisco na Laudato Si', "Os jovens exigem de nós mudanças. Perguntam-se como alguém pode pretender construir um futuro melhor sem considerar a crise ambiental" (n.º 13). A conversão ecológica é profundamente espiritual; envolve a renovação da nossa relação com Deus, uns com os outros e com a criação. Neste esforço, a colaboração humilde é essencial, reconhecendo que nenhuma instituição pode enfrentar este desafio sozinha. Que as vossas comunidades sejam exemplos de sustentabilidade ecológica, simplicidade e gratidão pelos dons de Deus.
A urgência de proclamar o Evangelho hoje é tão grande quanto era no tempo de Santo Inácio. O Senhor diz por meio do profeta Isaías: "Eis que faço uma coisa nova; ela já está surgindo, não a percebeis?" (Isaías 43,19). A missão de vocês, queridos irmãos e irmãs, é ajudar o mundo a perceber essa novidade, semear esperança onde o desespero parece dominar, trazer luz onde a escuridão reina.
Para isso, encorajo-vos a permanecer perto de Jesus. Como nos diz o Evangelho, os primeiros discípulos permaneceram com Ele "o dia todo" (cf. Jo,1). Permanecei com Ele através da oração pessoal, da celebração dos sacramentos, da devoção ao seu Sagrado Coração e da adoração ao Santíssimo Sacramento. De uma forma diferente, mas poderosa, permanecei com Ele, reconhecendo a sua presença na vida comunitária. Deste enraizamento, tirareis a coragem de ir a todo o lado: para dizer a verdade, para reconciliar, para curar, para trabalhar pela justiça, para libertar prisioneiros. Nenhuma fronteira estará fora do vosso alcance se caminhardes com Cristo.
Minha esperança para a Companhia de Jesus é que vocês possam ler os sinais dos tempos com profundidade espiritual; que acolham o que promove a dignidade humana e rejeitem o que a diminui; que sejam ágeis, criativos, perspicazes e sempre em missão, “in fieri”, como disse o Papa Francisco em sua última Congregação Geral (Discurso à 36ª Congregação Geral da Companhia de Jesus, 24-10-2016). Que o Senhor os guie às fronteiras do presente e do além, renovando a Igreja e construindo um Reino de justiça, amor e verdade.
Com gratidão pelo seu serviço, concedo-lhe a minha Bênção Apostólica.
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