O IHUCast desta semana mergulha em três grandes eixos: o cessar-fogo em Gaza, o colapso das democracias liberais no Ocidente e os novos rumos da Igreja Católica.
O cessar-fogo em Gaza foi anunciado. A esperança venceu o medo. O cessar fogo entrou em vigor imediatamente. Mas, o plano de paz colonial já foi violado por israel. Bombardeios e ataques contra os civis continuam na Faixa de Gaza e a entrada de tropas não cessa. Os momentos de comemoração que se seguiram após o anúncio, agora são substituídos pelo receio de promessas vazias. E Trump já não se compromete com fim da matança em Gaza nem dá garantias de que Israel não retomará com o genocídio.
De acordo com a Assessoria de Imprensa do governo de Gaza, entre os dias 04 e 8 de outubro, houve 230 incursões aéreas ao enclave. São 118 as pessoas mortas em cinco dias, 72 delas na Cidade de Gaza, o centro das operações. Esses números se somam ao total de 67.183 mortos e 169.841 feridos em dois anos de conflito. "A ocupação israelense ignora os apelos por um cessar-fogo do presidente estadunidense Trump e a resposta positiva à sua proposta", afirma um comunicado divulgado ontem pelo movimento islamista. "Em Gaza, a morte está em toda parte. Não é apenas uma sensação, mas algo tangível. A morte espreita, paira, atinge a todos", relatou Claire Magone, diretora dos Médicos Sem Fronteiras.
O Hamas, ao aceitar o acordo, renunciou a duas exigências importantes: o fim da guerra e a retirada completa do exército israelense de Gaza. Por enquanto, estamos diante de um modo de garantir um projeto colonial na Faixa. Foi apresentado há dias como um ultimato, com ameaça incluída do presidente americano, que advertiu a parte palestina de que uma resposta negativa significaria um "inferno como nunca antes".
Marco Cremaschi destrincha que este é um plano que constitui uma "cidade perversa". Para o professor de urbanismo do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o plano também é um alerta: "obriga-nos a olhar de forma diferente para as transformações urbanas atuais, a questionar a perda do direito coletivo ao espaço, à sociabilidade e à beleza compartilhada. O esquema dos consultores de Trump abole o espaço comum: por meio de uma mercantilização total que cobre a cidade com um sudário de concreto”.
"Os planos israelenses, de uma Riviera, no entanto, não são uma novidade. O que é hoje o balneário de Dor, concorrido destino turístico ao norte de Israel, foi Tantura até 1948 – um dos mais proeminentes vilarejos agrícolas e pesqueiros da Palestina, à época com 1,700 mil habitantes. Debaixo do estacionamento que dá acesso à praia paradisíaca e do resort Holiday Village Dor, há covas coletivas. Ali, foram enterrados os cerca de 300 palestinos mortos no massacre feito por uma milícia sionista em 22 de maio daquele ano, dias depois da criação do estado de Israel". A história foi contada pelo Intercept Brasil.
No dia 7 de outubro, data que marcou os dois anos do genocídio em Gaza, o cardeal Pietro Parolin foi enfático: "Gaza é uma carnificina. O plano de Trump deve envolver os palestinos. Fico chocado e aflito com a contagem diária dos mortes na Palestina, dezenas, aliás, às vezes centenas por dia, inúmeras crianças cuja única culpa parece ser ter nascido lá: corremos o risco de nos habituar a essa carnificina! Pessoas mortas enquanto tentavam alcançar um pedaço de pão, pessoas soterradas sob os escombros das suas casas, pessoas bombardeadas nos hospitais, nos acampamentos, pessoas deslocadas forçadas a se mover de uma parte à outra daquele território estreito e superpovoado... É inaceitável e injustificável reduzir as pessoas humanas a meras 'vítimas colaterais'". Na sequência, o cardeal foi ameaçado por Israel, mas defendido pelo papa Leão XIV, que pontuou: "o cardeal expressou a opinião da Santa Sé".
“A desintegração do Ocidente está assumindo a forma de uma 'fratura hierárquica'”. É isso que aponta Emmanuel Todd no artigo Da derrota à desintegração. Nesse texto, o autor faz uma ampla análise de como niilismo levou à crise das democracias ocidentais. Na sua avaliação, o intelectual francês afirma que: “a era das democracias liberais solidárias acabou. O trumpismo é um ‘conservadorismo popular branco’. O que está emergindo no Ocidente não é uma solidariedade dos conservadorismos populares, mas um colapso das solidariedades internas. A raiva provocada pela derrota leva cada país, para dissipar seu ressentimento, a se voltar contra os mais fracos”.
Chicago se tornou um campo de batalha. Inúmeras pessoas ficaram feridas e várias foram presas em confrontos entre forças federais e manifestantes que protestavam no fim de semana contra a operação de detenção de migrantes do governo, lançada na cidade no mês passado. Agentes de imigração usaram gás lacrimogêneo e força excessiva contra cidadãos que denunciavam os abusos cometidos contra migrantes e as condições deploráveis em que são mantidos em centros de detenção.
Dessa guerra contra os migrantes em curso, a Igreja católica tem se tornado voz ativa. Leão XIV não só mudou o discurso em relação à gaza, como também ergueu a voz contra as prisões e deportações de migrantes. Prevost, após se encontrar com o bispo Mark Seitz, de El Paso, declarou: "A Igreja não pode permanecer em silêncio diante da injustiça. Vocês estão comigo. E eu estou com vocês." O papa ainda encorajou os bispos dos Estados Unidos a "se manifestarem firmemente" contra as políticas anti-imigração de Donald Trump.
Vimos na última semana o pontificado de Leão XIV tomar novos rumos. A publicação da exortação apostólica, Dilexi Te, do Santo Padre Leão XIV sobre o amor para com os pobres, é também uma das marcas do ponto de virada da Santa Sé. O documento, que começou a ser elaborado pelo seu antecessor, Francisco, é significativa pelo tema que traz: amor aos pobres.
11 de outubro. Data que recorda um dos maiores eventos do século passado e da história da igreja católica: a abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II. Convocado em 25 de dezembro de 1961 e inaugurado pelo Papa João XXIII em 11 de outubro de 1962, o concílio foi realizado em quatro sessões e concluído em 8 de dezembro de 1965 sob o pontificado de Paulo VI. Naquele dia da inauguração, cerca de 3 mil participantes, entre os quais cardeais, arcebispos, bispos, superiores de famílias religiosas desfilaram na Praça São Pedro. Eles vieram de todo o mundo e representavam todos os povos da Terra.
Na Basílica de São Pedro lotada, ressoaram as palavras do Papa João XXIII para a solene inauguração: No seu discurso, Alegra-se a Santa Mãe Igreja, proferido em latim e que durou 37 minutos, o papa afirmou que “as situações e problemas gravíssimos que a humanidade enfrenta não mudam; de fato. Cristo continua sempre a brilhar no centro da história e da vida”. “Todas as vezes que são celebrados, os Concílios Ecumênicos proclamam esta solene correspondência com Cristo e com a sua Igreja e levam à irradiação universal da verdade, à reta direção”. "Mais do que um programa para o Concílio, João XXIII oferece uma atitude perante a história, uma postura em face do presente, um caminho para o amanhã, ‘como se visse o invisível’”, destacou José Oscar Beozzo, que estava presente neste dia no Vaticano.
Outro momento gravado na história daquele dia foi a saudação ocorrida à noite, que João XXIII dirigiu aos fiéis que lotava na Praça São Pedro. Loris Capovilla, secretário do papa à época, teve muita dificuldade de convencer o Santo Padre a ir até a sacada dos seus aposentos. Mas, ao ver as mais 100 mil tochas que iluminavam a noite de Roma, o pontífice ficou comovido e falou de improviso aos fiéis, proferindo aquele que ficou conhecido como discurso à lua. Palavras que tocaram no coração da plateia.
O Concílio, até esse momento pensado e articulado pela Cúria Romana, vê nascer uma proposta de renovação da igreja. Ficando marcado como um evento que dá um salto adiante no compromisso apostólico para apresentar a mensagem do Evangelho a todos os homens. Deste capítulo fundamental da história da Igreja resultaram quatro Constituições, nove Decretos e três Declarações. A Constituição Dogmática sobre a Igreja é o documento mais solene de todo o Concílio: "Lumen gentium" (luz dos povos), que foi aprovada por unanimidade e mudou fundamentalmente a ideia que a Igreja tinha de si mesma. A Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina, que inicia com as palavras 'Dei Verbum', toca nos próprios fundamentos da fé da Igreja: a palavra de Deus, a sua revelação e a sua transmissão. A Constituição Sacrosantum Concilium delineia os princípios gerais para a reforma e promoção da liturgia.
Conhecido como "papa bom", João XXIII foi canonizado em 27 de abril de 2014 pelo papa Francisco. O dia da festa litúrgica de São João XXIII está ligado à abertura do Concílio Vaticano II, como quis Bergoglio, sendo celebrado em 11 de outubro.
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