11 Outubro 2025
O governo de Javier Milei está avançando com um “resgate” sem precedentes com os Estados Unidos, sem especificar as condições. As chamadas “terras raras”, elementos-chave para a indústria da “transição energética”, são um potencial alvo geopolítico. A Argentina possui reservas em várias províncias, uma breve experiência de exploração e um processo judicial por contrabando contra a Minera Alumbrera. A atividade em outros países mostra os impactos socioambientais negativos.
A reportagem é de Ana Chayle, publicada por Tierra Viva, 07-10-2025. A tradução é do Cepat.
Como se fosse um presente, autoridades nacionais derramaram gratidão e elogios ao governo dos Estados Unidos e ao presidente Donald Trump, após os anúncios de um resgate financeiro para aliviar a crise cambial da Argentina antes das eleições legislativas. Além da afinidade ideológica do presidente Javier Milei com seu homólogo estadunidense, o resgate prometido não virá de graça. Embora não haja informações oficiais, a suspeita é que uma das condições seria o controle das jazidas de terras raras da Argentina. Esse grupo de minerais é considerado crítico devido ao seu papel na chamada transição energética, nas tecnologias digitais e na indústria militar.
Em meio ao turbilhão de informações sobre as finanças e a nova dívida – oculta sob o eufemismo de “resgate” –, vale a pena perguntar: o que são as terras raras? Como são extraídas? Com quais consequências? E, fundamentalmente, a que custo para os territórios e para aqueles que os habitam?
Terras raras: os novos despojos de uma Guerra Fria extrativista
As chamadas terras raras são um grupo de 17 minerais que possuem propriedades físicas similares: elétricas, magnéticas, espectroscópicas e térmicas. Quinze desses minerais pertencem ao grupo dos lantanídeos (uma das classificações da tabela periódica), com nomes que não receberam muita atenção da imprensa: lantânio, cério, praseodímio, neodímio, promécio, samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio e lutécio. Os outros dois minerais, ítrio e escândio, estão incluídos no grupo dos “metais de transição”, caracterizados por suas propriedades como condutores de eletricidade e calor.
Embora o rótulo “raro” conote escassez, a verdade é que alguns desses minerais excedem ou se igualam a outros minerais mais conhecidos em quantidade. Por exemplo, dos Elementos de Terras Raras (TER), o cério é proporcionalmente o mais abundante na crosta terrestre. Encontra-se numa proporção de 43 partes por milhão. Lantânio e neodímio vêm em seguida, em proporções de 27 e 20 partes por milhão, respectivamente. Minerais mais conhecidos, como o cobre e o lítio, são encontrados em 27 e 17 partes por milhão cada.
De qualquer forma, a “raridade” estaria associada à dificuldade de encontrar esses minerais em concentrações suficientemente altas para que sua extração seja lucrativa para as empresas. Outro problema econômico e técnico é que esses minerais tendem a ser encontrados juntos em rochas e são difíceis de separar. Assim, a busca por depósitos onde esses minerais sejam encontrados em abundância e concentração tornou-se a nova corrida em uma Guerra Fria que só terminou nos livros de história.
O uso mais amplamente promovido das terras raras está ligado às energias renováveis. Elas são utilizadas, por exemplo, na fabricação de ímãs permanentes, que transformam energia mecânica em energia elétrica e funcionam como geradores para turbinas eólicas e motores de veículos elétricos. Também são utilizadas em telas de LED e LCD, discos rígidos, cabos de fibra óptica, satélites e sistemas de comunicação digital. Menos conhecida é a necessidade de terras raras para a fabricação de aviões e mísseis.
O tabuleiro global das terras raras
A crescente demanda por terras raras transformou esses minerais em prêmio de guerra. “A atual onda de projetos de mineração no Sul Global faz parte de uma disputa econômica entre as potências do Norte Global, impulsionada principalmente pelas tensões geopolíticas entre o bloco Estados Unidos-União Europeia e a China”, afirma Javier Arroyo Olea, membro do Observatório Latino-Americano de Conflitos Ambientais (OLCA), sediado no Chile, e coautor do livro Una defensa de cerro a mar. La lucha de Penco contra la minería de tierras raras: la otra cara de la transición energética.
Os Estados Unidos foram o principal fornecedor mundial de terras raras, começando na década de 1950 com a exploração do depósito de Mountain Pass, na Califórnia. Esta é a única mina de terras raras em operação nos Estados Unidos. Na década seguinte, a China começou a explorar o maior depósito de terras raras do mundo: Bayan Obo, na região de Baotou, na Mongólia. Em 2019, as extrações somente deste depósito representaram 45% do total de terras raras em termos globais.
De acordo com o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS), a China lidera o ranking dos principais fornecedores desta matéria-prima. Em 2022, extraiu 70% do total mundial. Bem atrás no pódio estavam os Estados Unidos, com 14,3%, e a Austrália, com 6%. A China também é o país que monopoliza o processamento de terras raras, com 87%.
No mapa-múndi, o USGS estima que as reservas de terras raras cheguem a 120 milhões de toneladas métricas. Desse total, a China detém a maior fatia: 44 milhões de toneladas métricas. Em seguida vêm Vietnã, Rússia e Brasil, com quantidades em torno de 20.000 toneladas métricas.
A corrida por terras raras parece não ter limites. Entre 2000 e 2020, a extração desses minerais aumentou 300%, e a Agência Internacional de Energia (AIE) estima que ainda precisará aumentar dez vezes até 2030 para atingir as metas de neutralidade climática.
Nesse cenário marcado pela liderança chinesa, os Estados Unidos não escondem sua intenção de ganhar terreno para diminuir a diferença. Isso inclui, por exemplo, o apoio estadunidense à Ucrânia em sua guerra com a Rússia. Em troca, o governo Trump garantiu a exploração mineral conjunta em território ucraniano. Isso não é pouca coisa: a Ucrânia possui quase 10.000 depósitos com 95 minerais com valor de mercado.
A Argentina também está na mira dos Estados Unidos. Em janeiro de 2023, Laura Richardson, então chefe do Comando Sul dos EUA, reconheceu seu interesse pelos recursos da região e reafirmou isso durante uma visita à Argentina em abril de 2024, quando elogiou “todos os seus ricos recursos e elementos de terras raras”. No mesmo discurso, ela atacou o interesse da China em nosso território. Em agosto do mesmo ano, os governos argentino e norte-americano assinaram um Memorando de Entendimento sobre Cooperação em Minerais Críticos, com o objetivo de “fortalecer a cooperação entre os participantes das cadeias de suprimento de recursos minerais críticos”.
Como se fossem necessários mais sinais, alguns dias após a reunião em que Trump teria garantido seu apoio financeiro a Milei, o ministro Caputo expressou sua gratidão por um novo empréstimo do Banco Mundial e afirmou que “o pacote se concentrará em impulsionadores-chave da competitividade: desbloquear a mineração e os minerais críticos”, entre outros itens.
Terras raras na Argentina
Um relatório do Serviço Geológico e de Mineração da Argentina (Segemar) localiza depósitos de terras raras nas províncias de Jujuy, Salta, San Luis e Santiago del Estero. Também observa a presença de rochas ígneas em Valle Fértil, San Juan, que ainda não foram avaliadas. Córdoba e Buenos Aires também aparecem no mapa de terras raras. A Plataforma Continental Argentina também está incluída neste levantamento, onde foram identificadas concentrações desses minerais. Em vários dos depósitos relatados, as terras raras estão associadas a tório e urânio, ambos radioativos.
O mesmo documento afirma que a única “produção reportada” de terras raras ocorreu em Valle Fértil, entre 1954 e 1956. O relatório não menciona a extração e exportação não declaradas que levaram a Minera Alumbrera (de propriedade das multinacionais Glencore, Goldcorp e Yamana Gold) a um processo judicial por contrabando de 19 minerais, sete dos quais pertencem ao grupo das terras raras (cério, lantânio, lutécio, escândio, térbio, ítrio e itérbio). Os demais minerais que a empresa exportou ilegalmente foram cromo, titânio, zircônio, cobalto, césio, háfnio, colúmbio, níquel, tântalo, tório, urânio e tungstênio, também considerados críticos ou estratégicos.
O processo contra a Minera Alumbrera foi iniciado em 2010 pelos geólogos Miguel Gianfrancisco e Guillermo Amílcar Vergara, da Universidade Nacional de Tucumán, após um estudo na região oeste de Catamarca, onde, na época, estava sendo desenvolvido o primeiro projeto de mineração a céu aberto do país. A denúncia não causou grande repercussão até que, em 2021, a pesquisadora e ex-deputada Alcira Argumedo estimou que a empresa sonegava mais de oito bilhões de dólares por ano. Enquanto o judiciário se demora a investigar a denúncia, a transnacional – que declarou o fim de suas operações em 2022 – se prepara para explorar ouro, cobre e molibdênio com o projeto MARA (Minera Água Rica-Alumbrera) na mesma área de mineração.
Fachada verde para sustentar a velha fórmula da megamineração
Ao assinar o Acordo de Paris, 194 países se comprometeram a unir forças para combater os efeitos das mudanças climáticas e reduzir o aquecimento global. Nesse contexto, ganhou força o conceito de “transição energética”, que propõe a substituição dos combustíveis fósseis pelas chamadas energias “verdes”, como a eólica e a solar, e a substituição da frota de veículos movidos a combustíveis fósseis por veículos elétricos.
No entanto, os discursos sobre a transição energética, repletos de termos como “descarbonização”, “energia verde” e “energia limpa”, escondem a necessidade urgente de minerais que exigem exploração e processamento em larga escala e, portanto, aumento das emissões de gases de efeito estufa. No entanto, essas propostas não abordam o modelo de consumo, a responsabilidade dos países (e pessoas) mais ricos do planeta e sua sustentabilidade.
Arroyo Olea, em entrevista ao Tierra Viva, acredita que por trás do interesse pelas terras raras está o objetivo de “promover uma transição energética corporativa” e ressalta que seu objetivo é “mercantilizar a crise climática, a fim de sustentar um modelo de exploração e consumo, atualmente desenfreado, sob a égide do extrativismo”.
Para o biólogo, filósofo e pesquisador Guillermo Folguera, trata-se de um “grande negócio” e, como tal, “deve assumir algum tipo de retórica ou discurso que o sustente e fundamente”. Para Folguera, o mercado abraçou a necessidade de “pensar em alternativas ao cenário atual, e chamaram isso de ‘transição energética’”. As próprias mineradoras usam slogans para se posicionarem no imaginário coletivo como “sustentáveis” ou “amigáveis com o ambiente”, ao mesmo tempo em que exploram territórios e calculam lucros.
A mineração a céu aberto é o método preferido para extrair terras raras de depósitos minerais com profundidade não superior a 150 metros. O método é o mesmo usado pela Minera Alumbrera em Catamarca e é usado em Veladero (San Juan): detonação com explosivos, remoção e transporte para processamento. A mineração subterrânea, que combina perfuração e detonação para abrir túneis, é outro método usado para extrair terras raras.
O processamento desses minerais também utiliza métodos bem estabelecidos em nosso país: britagem, moagem e lixiviação (processo de separação de minerais por meio do uso de produtos químicos e tóxicos). Através desse método, os Elementos de Terras Raras (ETR) são transformados em Óxidos de Terras Raras (OTR), que é a forma como são utilizados na indústria. A extração e o processamento desses minerais exigem grandes quantidades de água e alto consumo de energia elétrica.
Assim como a mineração em larga escala não é novidade na Argentina, também não o são as consequências ambientais, sociais e econômicas que ela acarreta. Andalgalá, em Catamarca, e Jáchal, em San Juan, são exemplos disso. Os impactos da mineração de terras raras não são muito diferentes.
Pesquisas sobre extração de terras raras apontam a contaminação química, a alteração e acidificação do solo, as emissões de gases e a poluição da água entre os principais impactos ambientais. Por exemplo, em uma mina chinesa, a produção de cada tonelada de óxidos de terras raras gerou 60.000 metros cúbicos de gases residuais, 200 metros cúbicos de água acidificada e 1,4 tonelada de rejeitos radioativos.
Na área da saúde, em Bayan Obo, na China, foram relatadas doenças como fluorose (deformação das articulações, ossos e coluna vertebral) e “doença da cobra”, uma descoloração das mãos, pés, rosto e genitais causada por envenenamento grave por arsênio.
Mais extrativismo, mais resistência
Embora sob outro nome, a exploração e o processamento de terras raras representam mais um capítulo do extrativismo que já prevalece em grande parte do globo, resultando em “enorme depredação social, ocupação territorial, consumo excessivo de bens comuns, perda da matriz produtiva, aumento da dependência e, obviamente, contaminação química”, explica Folguera. Em um contexto em que os partidos políticos dominantes defendem o modelo extrativista, reflete, alternativas devem emergir das próprias comunidades.
Na região chilena de Biobío, os moradores de Penco resistem há uma década. A cidade chilena tornou-se o centro de “interesses corporativos e estatais que beneficiam a mineração de terras raras”, descreve Arroyo Olea. Ali, foram propostas cinco licenças ambientais para a exploração desses minerais, e todas foram negadas “devido à resistência de comunidades e organizações”. Atualmente, a mineradora canadense Aclara busca permissão para explorar terras raras em Penco e também no Brasil.
Em meio à corrida pelo controle das terras raras e outros minerais estratégicos, é urgente iniciar uma discussão sobre o propósito e para quem se destina a transição energética que está sendo proposta, pelo menos no papel, como uma nova meta. Um ponto de partida, sugere Folguera, é nos fazermos “a pergunta política fundamental: como queremos viver?”
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